Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 14 de julho de 2014

A Copa da Fifa, o Brasil, a humilhação, a vergonha, a frustração, a decepção, o vexame

Segunda, 14 de julho de 2014
O brasileiro nunca sofreu tanta humilhação, jamais foi envergonhado dessa maneira
Com o fracasso da seleção na Copa da Fifa, apanhando de 7 a 1 para a Alemanha e de 3 a zero para a Holanda, a mídia de um modo geral abriu manchetes tipo: ‘Vergonha!’, ‘Humilhação!’, ‘Frustração!’, ‘Tristeza!’, Decepção!’ ‘Desonra’, ‘Mancha!’, ‘Vexame!’, ‘Consternação!’, ‘Desapontamento!’.
E acompanhando as manchetes, uma infinidade de fotos de torcedores chorando, roendo as unhas, desesperados.
Logo após a derrota para a Alemanha aparece na TV uma torcedora declarando, com choro, que ‘A gente nunca sofreu tanta humilhação’. Outra, desolada, afirma que ‘Esta foi a maior vergonha que o Brasil já nos deu’.
Coisas de torcedor no calor da derrota.
Humilhação maior:
  • É quando vemos nossos vergonhosos índices sociais 
  • É o abandono da saúde pública
  • É o abandono e deterioração da educação
  • É o crescimento avassalador da criminalidade
  • É o abandono de nossas crianças e adolescentes que são obrigadas a viverem, e serem assassinadas, nas ruas
  •  É o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, um dos piores entre todos os piores do planeta. Uma vergonha.
  •  É o Brasil se submeter, como se submete, aos banqueiros do sistema financeiro internacional que, hoje, dominam quase todos os bancos privados do país, e embolsam do povo 54 por cento de todo o gasto federal;
Vergonha é:
  • Se constatar pobres miseráveis perambulando pelas ruas a pedir a piedade das pessoas; a velhinha desnutrida implorar na porta de um restaurante por um pouco de comida; a mãe chorar por uma ajuda para comprar a comida de seu pequeno filho; o paciente na porta do hospital pedir um dinheirinho para comprar o remédio que o hospital não tem ou para pagar o ônibus de volta da viagem em que não foi atendido pelo hospital, pois não havia médico ou equipamentos e suprimentos de materiais de consumo.
  • Ver, ou saber, que brasileiros morreram à espera de uma vaga em UTI da rede pública de saúde.
  • A falta de remédios para quase todas as doenças. E crítica é a falta de remédios para doenças de maior complexidade.
Decepcionado, frustrado, humilhado, fica o brasileiro:
  • Quando viaja no ineficiente serviço de trens urbanos, e metrôs, pendurado, espremido que nem sardinha em lata, desrespeitado. Quando dia sim e outro também o trem e o metrô pifam e o deixa abandonado nos trilhos da incompetência e da falta de investimentos.
  • Quando é vítima do caos no sistema de ônibus urbanos, onde não é cumprido horário, não existe frota adequada em quantidade e qualidade e só os empresários cartelizados, e alguns políticos corruptos, ganham.
  • Quando depois de muito tempo esperando a implantação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) descobre que tudo não passou de promessa de políticos demagogos. E isso tanto aqui quanto alhures.
Ferido na sua honra se sente o brasileiro:
  • Quando vê esse monte de políticos que só pensam em se locupletar, enriquecer, roubar. Que, uma vez na vida e outra na morte, alguns são apanhados, mas logo depois “recuperam” seu prestígio e voltam a dar as cartas, dominando partidos e casas do Legislativo, e o Executivo. Ferido em sua honra fica o eleitor que vê um governador ser preso, ser filmado pegando propina, ser condenado em segunda instância e ainda assim querer voltar ao antigo cargo, talvez para repetir tudo de criminoso que cometeu.
  • Quando presencia os vários mensalões federal, estaduais e municipais, e percebe como são brandas as penas dos raríssimos mensaleiros que até hoje foram condenados. Penas menores, muitas vezes do que a da pobre miserável que furtou uma mamadeira num supermercado.
Consternação é o sentimento que atinge o brasileiros:
  • Quando ocorre os sistemáticos assassinatos de favelados, sejam crianças, jovens ou velhos. E o extermínio também de outras populações pobres, tanto no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e em todas as grandes cidades brasileiras. E não só nas grandes cidades.
Mancha, vergonha, humilhação sente o brasileiro:
  • Que estuda ou tem seus filhos em escolas públicas, inclusive universidades, escolas que caem aos pedaços, não possuem equipamentos necessários, onde falta material didático e não há quadro completo de professores.
  • Quando vê que reforma agraria é na boca dos politicos tradicionais apenas uma peça de demagogia e de ludibriação do eleitor. Que a reforma agrária nunca vem como deveria vir. O que avança é a grilagem de terras por latifundiários e empresários do agronegócio que cada dia mais exigem mais terras para produzir tão somente para exportação. A produção de alimentos para consumo do brasileiro fica ao abandono. Recebe, quando recebe, migalhas.
  • Envergonhado, humilhado, não deve ficar o brasileiro pela derrota da seleção de futebol, mas pelo aparelhamento do Estado pelos grandes grupos econômicos, o que ocorre especialmente com os grupos financeiros e do ramo de empreiteiras, essas últimas que lucraram bilhões e bilhões de reais com o dinheiro público despejado desnecessariamente para a realização dessa Copa da Fifa.
  • Envergonhado, humilhado, não pela perda da taça, mas por ser o Brasil o país do trambique. Do trambique contra os cofres públicos, e contra os interesses do povo.
  • Envergonhado, humilhado, não pela seleção tomar 7 a 1 da Alemanha, mas por ser o Brasil o país do apadrinhamento de cabos eleitorais, gerando empreguismo (não emprego) e desvalorizando o servidor publico concursado.
  • Envergonhado, humilhado, não por ter ficado em quarto lugar na Copa da Fifa, mas por ver que o que chamam de terceirização não passa de uma estratégia privatista, e que se presta a encher as burras dos empresários amigos, que retribuem muitas vezes com propina. E também empregando cabos eleitorais.
  • Envergonhado, humilhado, não por fracassar o time de Felipão, mas pelos crimes de colarinho branco que nunca, ou quase nunca, são julgados pela lenta Justiça brasileira. Crimes que seus autores nunca são colocados trancafiados no xadrez, e também jamais devolve a grana roubada do povo.
A vergonha, a humilhação, não é pelo resultado da seleção. É por essas coisas mencionadas acima.
É, também, pelos governantes e políticos que temos.