Teça, 1º de julho de 2014
Causou o maior rebuliço na Câmara Legislativa do DF
(CLDF) uma declaração de desembargador da 3ª Turma Cível do
Tribunal de Justiça do DF, quando de seu voto no julgamento de apelação contra
condenação por improbidade administrativa, em primeira instância, de Aylton Gomes, deputado distrital do PR, por sua suposta participação no
‘Mensalão do Dem’. Escândalo também conhecido como ‘Mensalão do Arruda’, ou
operação ‘Caixa de Pandora’. Na semana passada distritais se revezaram na tribuna da CLDF para
criticar o desembargador e exigir uma retratação.
O julgamento dos embargos (em que o distrital tentava reverter a condenação),
e o voto do desembargador ocorreram no dia 7 de maio de 2014, mas o acórdão
(sentença) só foi publicado em 26 de maio.
E o que disse textualmente o desembargador em seu
voto? Afirmou em determinada altura: "Sabemos que a
população brasiliense está profundamente chocada e consternada com a Câmara
Distrital há muito tempo, ou seja, se fôssemos fazer uma espécie de recall, a
população brasiliense talvez abrisse mão dessa autonomia de ter uma Câmara
Distrital, porque essa Câmara que aí está tem sido, até hoje, com raríssimas
exceções, apenas um poço de negociata e de corrupção.” E foi mais contundente ao afirmar que
“...é público e notório, que não se dá "dez centos réis de mel coado"
por qualquer deputado distrital”. Se desejar leia a íntegra do acórdão da 3ª Turma Cível. Essas declarações acima, neste parágrafo, estão na página 44 do acórdão.
Duras palavras, essas as do desembargador do TJDFT.
Mas alguém poderá contestá-las, pelo menos no todo? Claro que não. Podemos
negar que a populacão do DF esteja profundamente, e bota profundamente nisso,
chocada e consternada com a CLDF? Impossível. Não que seja, ou deixe de ser, a Câmara efetivamente
um poço de negociata e de corrupção, como disse o desembargador, mas que uma
parcela muito grande da população do DF vê isso como verdadeiro, vê. Se é
correta a percepção é outra história. O grande mal é que, infelizmente, muita
gente enxerga a Casa com a imagem que o desembargador também tem dela e, mais
infelizente ainda, acha que se deve fechar, acabar, com o Poder Legislativo do
DF. O que é um bruto de um equívoco, uma estupidez contra a democracia.
Histórico
Antes de ir adiante com essas linhas, lembremos do
porquê o distrital Aylton Gomes foi condenado. Ele foi acusado por Durval
Barbosa, ex-presidente da Codeplan e também ex-secretário de Governo do DF, de também
ter recebido grana, muita grana, do esquema do ex-governador José Roberto
Arruda, no chamado Mensalão do Arruda. É, neste momento, um condenado por improbidade administrativa.
Teria, segundo a
acusação feita pelo Ministério Público do DF (MPDF), recebido dinheiro "para prestar apoio político às ações e
planos do Governo José Roberto Arruda e Paulo Octávio, na Câmara Legislativa do
Distrito Federal e no GDF". O distrital, ainda segundo a acusação, passou a receber R$ 40.000,00 (quarenta
mil reais) por mês, no exercício do mandato de deputado distrital. Isso não seria negociata? Não seria
safadeza? Uma sem-vergonhice?
O distrital foi,
assim, condenado pelo juízo da primeira instância, condenação confirmada em
grande parte pela sentença de segunda instância. Na sentença de primeiro grau o
deputado Aylton Gomes foi condenado a:
a)
“perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao seu patrimônio, nos termos do art. 12, inc. I, da Lei nº
8429/92, equivalente ao montante de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil
reais), correspondente ao recebimento de doze parcelas mensais no valor de R$
40.000,00 (quarenta mil reais), com a devida atualização monetária no período
de recebimento, mês a mês, e acrescido de juros de mora a partir da citação do
réu;
b)
suspensão dos direitos políticos do réu
por dez (10) anos, e, por consequência, proibição de ocupar cargo público pelo
mesmo período;
c)
pagamento de multa equivalente a três
vezes o valor do acréscimo patrimonial ilícito obtido, no total de R$
1.440.000,00 (um milhão, quatrocentos e quarenta mil reais), com juros e
correção monetária a partir do trânsito em julgado da presente;
d) proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia,
pelo prazo de dez (10) anos;
e) Pagamento de danos morais, nos
termos da fundamentação supra, no montante de R$ 1.000.000,00 (um milhão de
reais), a ser depositado em um fundo criado especialmente para esse fim, no
âmbito do Distrito Federal, nos moldes do art. 13 da Lei nº 7347/85, consoante
futura indicação a ser feita pelo MPDFT;
f) O réu arcará ainda com o pagamento das
custas processuais. Sem honorários.”
Em resumo, é isso (leia aqui a íntegra da sentença de condenação de Aylton Gomes).
Mas em razão de ser (ou não ser) a CLDF “um poço de negociata e de corrupção” deve ela ser fechada? A resposta deve ser um profundo e retumbante
“NÃO”. Mesmo com o agravante de se encontrar ali ainda o empreguismo que campeia solto naquela
Casa legislativa, onde, para se ter uma ideia, hoje existem muito mais
servidores de livre provimento do que os concursados da CLDF. E não venham
dizer que isso se justifica. Não se justifica. Ter um ou outro servidor especialista de
livre provimento que não é concursado para o quadro efetivo da CLDF, até vá lá
que se entenda. Mas na proporção que existe, é, de fato, uma indecência, um apadrinhamento, um 'caboeleitoralismo' (não sou o ex-ministro Magri, o do 'imexível', mas me dou o direito de inventar essa palavra. Se é que já não existe)
E veja que lá na Casa que o povo chama também de Casa
da Mãe Joana, além dos 24 deputados distritais também mandam, e desmandam, o que é pior, o
governador e vice-governador de plantão, além de muitas outras autoridades do executivo.
Observe-se que cabe aos senhores distritais não só legislar, mas também, e
principalmente, FISCALIZAR os atos dos governantes, secretários, dirigentes de empresas,
autarquias públicas etc. Como alguém pode bem fiscalizar se está submisso, amarrado, àqueles a que deve fiscalizar?
Que o quadro existente na CLDF, como disse o
desembargador do TJDF, causa repulsa, causa. Ou pelo menos deveria causar. Mas também
poderia causar repulsa se fosse de domínio da população em geral o fato narrado
pela ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon. Segundo
suas declarações de final de julho de 2012, relatório de inspeção realizada pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Tribunal de Justiça do DF
indicou que 46 dos 464 servidores comissionados do tribunal têm parentesco com
juízes ou desembargadores da Corte. Isso daria praticamente 10 por cento do
total. E mais, desses parentes, 41 por cento estavam lotados na presidência,
vice-presidência ou corregedoria do tribunal.
Descabido seria alguém propor, por esse tipo de coisa,
ou qualquer outra coisa, o fechamento do TJDFT. Saliente-se que o tribunal daqui também não foge muito à
regra do restante da Justiça brasileira em termos de lentidão, triste e prejudicial lentidão.
"A corrupção no
Judiciário é muito deletéria, muito perversa", chegou a declarar em uma
oportunidade a ministra Eliana Calmon. Quem não se lembra da forte declaração
da ministra de que bandidos se escondiam atrás das togas? Esses fatos, que temos
que admitir são verdadeiros, não pode justificar o “fechamento” da Justiça brasileira. E
também pela corrupção que grassa no Congresso (vide o Mensalão e outros
escândalos, antigos e recentes) se justificaria a eliminação do Senado e da Câmara? Claro que não.
É verdade que tem muita gente aí, saudosa do autoritarismo, que volta e meia
defende o fechamento do parlamento. Posição perigosa, mas que não é tão rara
assim.
E olha que se observarmos a composição, e o que acontece por baixo dos tapetes luxuosos do Congresso, essa tentação maluca pode vir na cabeça de muitas outras pessoas.
E quem não se lembra da esclarecedora,
e gravíssima, declaração, agora em maio de 2014, do procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, de que “metade do Congresso tem pendências criminais”?
Segundo entrevista dele à Revista Congresso em Foco, o ultimo levantamento
divulgado em setembro de 2012 apontava 224 congressistas respondendo a 542
acusações no STF. De acordo com Janot, esse número tem aumentado muito,
sendo hoje “um pouco menos de 300”. Com isso, quase metade dos 594
parlamentares federais (deputados e senadores) é hoje alvo de inquérito ou ação
penal no Supremo Tribunal Federal.
Isso justificaria o
fechamento do Parlamento? Claro que não. Justifica, isso sim, o julgamento de
todos os parlamentares acusados, inocentando os inocentes e condenando, e mandando para a cadeia, os
culpados, jamais o fechamento do Parlamento Federal. Existem negociatas, e das
brabas, de bilhões e bilhões de reais, sim. É o que a imprensa, que alguns querem calar, divulga dia sim, e outro também.
E quem julga as ações judiciais? A Justiça, claro. E
porque julga lentamente? E por que as investigações policiais são também
lentas? Falha a Justiça e falha o Executivo pelos seus órgão de investigação. E
mais, o Mensalão federal foi promovido por autoridades do governo do Brasil; o
Mensalão da Caixa de Pandora foi, segundo as denúncias, estimulado, promovido,
realizado, pelo governo do Distrito Federal; as dezenas (talvez centenas de
outros mensalões pelo Brasil a fora) são mensalões que envolvem, pelo menos, os
executivos e legislativos locais. E por isso devemos defender o fechamento da
Justiça, do Executivo, do Legislativo? A defesa dessa tese, na minha opinião, seria coisa de doido, uma
posição inconsequente para a democracia e o futuro do país.
O Tribunal de Justiça do
Distrito Federal deveria, assim, tomar providências para que o julgamento dos
distritais (e autoridades do Executivo também), se desse num tempo razoável.
Num tempo que fosse justiça pois, como já dizia o baiano Rui Barbosa, ‘Justiça tardia nada mais é do que injustiça’.
E que a Câmara Legislativa
do DF também cumpra seu papel, cortando na carne, ou estrangulando o pescoço político
(político, só político, eu disse). Que não procrastine, não adie, não postergue, as decisões
que tenham que tomar no que diz respeito aos distritais, que são vários, que
respondem a processo de quebra de decoro. E contra aqueles que devem responder e que, por corporativismo, ficam de fora de qualquer investigação.
Que continuem existindo, mas
purificados, os três poderes: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Mas
que sejam independentes, nenhum submisso ao outro, nenhum com maracutais. E que
cumpram de modo diligente as suas missões constitucionais.