Terça,
3 de março de 2015
Por
Pedro Fuentes
Há
setores da esquerda que com base nos acordos alcançados já dizem que a Syriza
capitulou e que o processo terminou. Que a realidade lhes deu a razão. Esta não
é a nossa opinião. Compartilhamos das críticas às negociações que foram feitas,
mas seria um grave erro usar essas críticas para sepultar o processo encabeçado
pela Syriza e seu governo. A luta segue aberta e o processo não está perdido,
pelo contrário, a luta apenas começou.
Momentos
difíceis se abrem para o governo da Syriza e para o povo grego, e temos que
apostar com nossa ação para que sigam sendo um esteio na longa e difícil luta
para derrotar a troika e a globalização neoliberal.
2. Todos os acordos feitos até agora pelos países
devedores consistiram, falando de forma simples, em uma reestruturação
econômica significou dar o dinheiro de quem trabalha para os bancos, seja
mediante o corte de salários, das pensões, a precarização ou o desemprego para
a juventude, os cortes na previdência, saúde e educação. Os acordos firmados
pelos governos gregos anteriores foram os mais “draconianos”, os que mais dano
fizeram ao país. A Europa, como em seu momento disse Eduardo Galeano sobre a
América Latina, também tem aberto suas veias para que seu trabalho e riqueza
(sobretudo dos países do sul) possam ir para as grandes corporações e os
grandes banqueiros que dominam a eurozona. As imposições (melhor dito que
“acordos”) da troika com os governos da vez têm significado também a liquidação
dos mecanismos democráticos de decisão do povo, e convertido os partidos em
agentes a serviço dos grandes capitalistas, deformando e esvaziando os regimes
democráticos burgueses.
3. A Syriza chegou ao poder levantando um programa
anti-austeridade que se confronta com os planos da troika. O entusiasmo que
causou esse triunfo é compartilhado não apenas por aqueles que elegeram o
partido na Grécia, mas também por milhões em toda Europa e no mundo. O programa
eleitoral que apresentaram pressupunha a permanência na zona do euro com a
política de procrastinar e condicionar o pagamento da dívida ao crescimento do
país, ao mesmo tempo ficando com as mãos livres para aplicar as medidas
anti-austeridade. A contradição lógica que existia e segue existindo é que o
programa de combate à austeridade significava uma negociação com a maldita
troika e seus planos de austeridade.
A impressão que deixava esta política do setor majoritário
do Syriza sob a direção de Tsipras, é que se especulava que haveria certas
fissuras dentro da burguesia europeia entre a ala dura encabeçada por Merkel,
com a social-democracia francesa, e o mesmo Dragui, o que permitiria obter
concessões importantes para ganhar tempo e aplicar minimamente a política
anti-austeridade.
Mas não ocorreu desta maneira. Todos formaram um cerco em
defesa dos bancos alemães e seu governo, em primeiro lugar os países mais
afetados como Portugal, Itália e Irlanda ante o temor que suas cabeças rolassem
agora mesmo caso fosse feito um acordo diferente. Daí que Syriza teve que se
confrontar diretamente com a implacável troika.
4. As negociações terminaram em 24 de fevereiro com as
últimas propostas apresentadas pela Syriza e aceitas pelo eurogrupo. O acordo
mereceu serias críticas da ala esquerda da Syriza. De membros do Comité Central
como Kovelaskys e Manolis Glezos, o velho lutador antifascista que hoje é
deputado aos 92 anos.
É
verdade que nas negociações de sexta a Syriza fez grandes concessões, entre
elas a supervisão das medidas que tomem por parte das instituições europeias, o
reconhecimento da dívida total, o tempo deste acordo que vale para quatro e não
seis meses quando a Grécia terá que pagar 6 milhões de euros ao FMI, entre
outras.
Nas
propostas que fizeram na terça-feira (rapidamente aceitas pelo eurogrupo), as
coisas ficaram mais ambíguas, entre elas não está registrado o superávit do
orçamento. Ficou a impressão que as coisas estão mais abertas e que há
interpretações diferentes sobre vários temas importantes e que a Syriza
conseguirá implumemente nestes três meses medidas de emergencia para combater a
pobreza extrema por parte do governo. Parecia que após as negociações de sexta,
nas quais a Syriza cedeu muito, o novo texto deixa varias questões de forma
ambígua (por exemplo as privatizações onde disse duas coisas diferentes, uma
que vai haver privatizações, e outra que podem não acontecer as que estão em
andamento).
Segundo
o economista Paul Krugman em sua coluna no New York Times “a questão era saber
se a Grécia seria forçada a impor mais austeridade (…) o governo grego anterior
havia concordado em triplicar o superávit primário nos próximo anos (…) Isso
não aconteceu, e a verdade é que a Grécia ganhou nova flexibilidade para este
ano e que a linguagem sobre os excedentes futuros está escura. Isso pode
significar qualquer coisa ou quase nada”.
Segundo
Francisco Louçã do Bloco de Esquerda, a Syriza foi às negociações sem um plano
B, é dizer sem um plano de manterem-se firmes em todas as propostas
(inaceitáveis por Merkel), ou seja, que não foram com a espada na mão que
acabaria terminando com sua expulsão da zona do euro e as mais imprevisíveis
conotações que isso abriria. Esta mesma crítica levanta Kouvelaskys.
De
todas as maneiras, a questão decisiva é qual será a atitude do governo nas
negociações em Junho. Se a estratégia é ganhar tempo, este pequeno
prolongamento serve para encarar a emergência social e assim fortalecer-se ante
as massas, mas em Junho a discussão já será outra.
5.
É dizer que a história não acaba com esses acordos. Concordamos que Syriza fez
concessões mas que também ganhou tempo, e deixou muitas ambiguidades
plantadas. Por isso a luta recém começou. Uma ampla maioria do povo grego (80%)
está apoiando os passos que deu Tsipras e isso não pode ser uma casualidade, de
alguma maneira vêm que as coisas estão um patamar diferente ao dos outros
governos e há expectativas. Essas expectativas podem desaparecer segundo o
governo atue nesses meses e particularmente em Junho quando se decidirá mais
claramente o curso que tomarão na situação.
Esquematicamente,
vendo o processo de longe, podemos apresentar duas hipóteses. Uma delas é que o
governo aposte em seguir com este programa mínimo reformista sem comprometer-se
com o superávit do orçamento e tentem passá-lo sem um novo acordo. Em meio à
atual correlação de forças nos parece que esta seria a variante mais utópica, e
como diz Kouvelskys, “não armaria o povo sobre o que está para vir”. O governo
se veria obrigado a adaptar-se às novas exigências para terminar aplicando
medidas de austeridade. (Haveria que se saber se há na Grécia algum setor
burguês soberanista apoiando o governo).
A
outra possibilidade, e em nossa opinião é a mais provável e para a que a Syriza
tem que se preparar, é que o governo sem apoio na Europa
e na burguesía local prepare as massas para uma negociação dura em que termine
com sua expulsão da zona do euro. Isto obrigaria o governo a tomar urgentes medidas
anticapitalistas como a nacionalização de todos os bancos, controle de todos
capitais etc.
Um
elemento fundamental e pelo qual não podemos dar o processo como encerrado é o
terremoto que se iniciou na Grécia (e que não vai parar em pouco tempo) se propague
mais rápido do que o esperado na Espanha, Irlanda, e porque não em Portugal ou
outros países. Não podemos adivinhar o que acontecerá, mas a profunda crise
europeia continua e as condições mudaram após o triunfo da Syriza.
6.
Temos que nos guiar com cautela para compreender as novas situações que vivemos
neste século XXI, em que a Grécia é muito importante. Se trata de não perdermos
as ferramentas políticas e metodológicas. Do ponto de vista metodológico tomar
a realidade em sua totalidade, e não de uma parte dela como costumam fazer os
movimentos ultra ou sectários: já a parte falou (os acordos) e isto determina o
todo (a capitulação definitiva e o fim da Syriza).
E
por outra parte não confundir os momentos desse momento progressista (e/ou
revolucionário, se se quer definir dessa forma) que acontece na Grécia como se
tratasse de uma revolução dos trabalhadores e do povo com seus organismos de
poder prontos. Syriza chegou ao poder através das eleições. Por tras das mesmas
houve um poderoso movimento de mobilização. Mas temos que distinguir entre o
triunfo eleitoral e uma revolução. Temos que tomar a Syriza como o que é para
julgá-los, o que não significa marcar críticas e erros como parece estar
fazendo sua ala esquerda. O terremoto que o governo da Syriza provocou na
Europa não é por serem revolucionários ou reformistas, se não simplesmente
porque propuseram uma política alternativa à da austeridade.
Apostamos
na continuação dessa política, de um processo que pode também ter suas idas e
vindas. Os revolucionários latino americanos temos nosso próprio acúmulo de
experiência graças aos processos antineoliberais que se abriram via eleições
depois das grandes mobilizações que ocorreram no início da década em nosso
continente, seus anos de ascensão e agora de seu declínio. Mas foram anos de
ascensão em que as correntes sectárias ficaram marcadas pelas massas para ficar
totalmente por fora, sem nenhuma incidência nesses anos e nem atualmente.
Os grupos de esquerda críticos que existem na Grécia por
fora da Syriza podem ganhar vários militantes se diferenciando e atacando de
frente ao governo Syriza como responsável de todos os problemas. De nossa
parte, sem deixar de apontar as críticas, afirmamos que é um momento de frente
única e de ação de dentro do processo, da Syriza, de mobilização concreta ao
redor de levar adiante o programa mínimo anti-austeridade e não de pretender
colocar a Syriza loco como inimiga dos trabalhadores. Esta política só
confundiria os trabalhadores e o povo grego e ajudaria a direita grega, a
troika e mesmo os setores neofascistas. É o momento que a principal tarefa é
atuar e apostar para que o processo avance e muito especialmente que contagie a
mais países.
Fonte:
Fundação Lauro Campos