Quarta,
8 de abril de 2015
Da
Tribuna da Imprensa
Por
PATRICK GRANJA - Via A Nova Democracia

Na
história da humanidade, o espião sempre foi uma figura essencial para a
obtenção de informações estratégicas para inúmeros fins e segmentos. Como
mostram os polêmicos relatórios da NSA vazados por Edward Snowden, fato que
ganhou repercussão internacional, a espionagem é uma ferramenta utilizada tanto
no ambiente militar, quanto nos meios corporativos — a chamada espionagem
industrial. Para fins de inteligência policial, a espionagem é utilizada no
mundo todo, inclusive aqui no Brasil. Como manda a lei 12.850 de agosto de
2013, a espionagem feita por agentes infiltrados pelas polícias brasileiras
deve cumprir inúmeros pré-requisitos legais, começando pela autorização e
monitoramento da infiltração por um juiz.
Nos
protestos que sacudiram o país de junho de 2013 até a Copa do Mundo de 2014, as
inteligências das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro utilizaram
inúmeras ferramentas de espionagem contra organizações políticas: escutas,
vigílias e quebra de dados eletrônicos. Além dessas, um agente da guarda
pretoriana de Dilma (Força Nacional), o policial Maurício Alves da Silva, foi
infiltrado nos protestos e no ambiente social de alguns manifestantes. Segundo
denúncias divulgadas por AND meses atrás, o policial teria,
inclusive, mantido relações sexuais com algumas das investigadas. Tudo feito de
forma completamente ilegal e sem o consentimento de um juíz, como previsto no
artigo 10 da lei 12.850.
Dessa
infiltração e de um emaranhado de informações coletadas através dos outros
mecanismos de espionagem utilizados pela DRCI (Delegacia de Repressão aos
Crimes de Informática), foi montado um inquérito que culminou na decretação da
prisão preventiva de 23 ativistas na véspera da final da Copa do Mundo de 2014
no Rio de Janeiro.
Com a
ajuda do advogado do povo, Dr. Marino D’Icarahy, a maior parte das supostas
provas apresentadas pelo Estado foram limadas uma a uma pela defesa dos
acusados e, pouco a pouco, o processo como um todo foi se mostrando uma
verdadeira inquisição, judicializada pela sanha do monopólio da imprensa e das
classes dominantes contra a justa luta popular.
O advogado
Marino D’Icarahy conversou com nossa reportagem sobre a infiltração ilegal do
agente Maurício Alves da Silva, interrogado pela segunda vez — agora pelos
advogados do povo — em Brasília no mês de março.
— O
relatório circunstanciado é parte das exigências que devem ser prestadas pelo
policial infiltrado ao juiz, que por sua vez deveria previamente ter autorizado
essa infiltração. Esses relatórios não existem. Nada disso foi cumprido no caso
do Maurício Alves — afirma o advogado.
— Ele
ficava praticamente todos os dias no Centro Integrado de Comando e Controle,
interagindo com todos os setores de inteligência de todos os níveis do aparato
de repressão do Estado: polícias Civil e Militar, forças armadas, Abin, Força
Nacional e Polícia Federal. Ele fazia questão de trabalhar todos os dias, pois
ele ganhava por diária. Além de filmar ao vivo as manifestações direto para o
CICC, ele monitorava o perfil do Facebook dos suspeitos que investigava e fazia
relatórios de suas atividades para o capitão Panisset, seu superior — afirma.
O advogado
disse que sua viagem a Brasília para interrogar o agente foi extremamente
vitoriosa, mas que a luta foi dura, coberta de animosidades e pressões.
— A
audiência em Brasília na qual concluímos a oitiva do Maurício Alves foi coberta
de êxito. Ficou claro para nós que isso tudo é parte de uma articulação
política para incriminar esses jovens. Eu fui alvo de tentativas de
intimidação, me senti cerceado na defesa, porque a testemunha foi completamente
blindada pelo promotor, que impugnava a maior parte das minhas perguntas.
Sempre que eu problematizava, entrava na sala uma meia-dúzia de seguranças,
alguns dos quais ficavam olhando fixamente para mim, com um olhar intimidador.
As perguntas que eram impugnadas eu refazia com duas ou três formulações
diferentes, até que fossem aceitas—denunciou.
— Ficou
claro que ele não tem absolutamente nada contra os acusados Rafael Caruso e
Elisa Quadros. Apesar de tê-los citado nominalmente em seu primeiro depoimento,
nomes completos, dessa vez ele não se lembrava dos nomes e nem mesmo pôde
reconhecê-los. Eu acredito que ele usou a estratégia das esquivas de comparecimento
esse tempo todo para estudar o caso e ainda criar o argumento de que, passado
esse tempo, ele já não lembra da maioria dos detalhes. Em um primeiro momento,
ele disse que a Elisa era uma liderança dos protestos, depoimento usado para
estruturar esse inquérito e perseguir esses jovens, o que não é verdade. Dessa
vez, questionado por nós, ele voltou atrás e disse que ela era só mais uma
manifestante no meio da multidão — diz.
Marino
completou dizendo que, em Brasília, o agente foi pego de surpresa por inúmeros
questionamentos feitos pelos advogados do povo na tentativa de evidenciar as
contradições entre os fatos e o depoimento que Maurício prestou anteriormente à
polícia.
— Ele
ficou nervoso, pois, em seu depoimento à polícia, ele tinha um roteiro, ele já
sabia o que ia dizer, pois estudou o caso e recebeu orientação de seus
superiores. Dessa vez, nós que fizemos as perguntas, portanto ele chegou lá sem
saber o que o esperava. Surpreendentemente, ele não conseguiu demonstrar a
mesma memória e segurança que demonstrou na delegacia. Dezenas de nomes e
supostos fatos citados por ele em depoimento à polícia, nem ao menos foram
citados dessa vez. O tempo passado foi usado por ele para justificar o
esquecimento — relata.
Segundo o
Dr.Marino, o depoimento do PM da Força Nacional em Brasília é só mais uma
evidência da fragilidade dos argumentos estruturados pelo inquérito contra os
23 ativistas. Depoimentos passionais de testemunhas, algumas visivelmente com
problemas de saúde mental, a completa falta de materialidade, além dos recursos
ilegais utilizados para espionar a vida de ativistas e até de advogados, como
aconteceu com o DDH (Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos). Uma grave
violação da prerrogativa desses advogados.
— Já está
mais do que evidente que esse processo como um todo é uma grande farsa, uma
grande mentira, uma perseguição política. Basta ouvir os depoimentos dos
acusados nas últimas audiências, palavras emocionadas que mostram o
brilhantismo de cada um, de uma juventude lutadora, de grandes ideais. O
depoimento do Igor Mendes, cheio de convicção e emoção, comoveu a todos na
audiência. Jornalistas, funcionários e advogados, todos foram às lágrimas. Além
de várias outras evidências: todas as fragilidades que nós conseguimos apontar
em cada um dos meios de acusação, a atuação vergonhosa das polícias, tanto a
Civil quanto a Militar, os depoimentos das testemunhas de acusação, perdidas,
jogando umas para as outras a responsabilidade pelas informações do inquérito.
Todas essas são provas de que é tudo fundamentado em um disse-me-disse, um
monte de fofocas —denuncia.
Vítimas
dessa farsa, o jovem Igor Mendes segue preso e as jovens Elisa Quadros e
Karlayne Moraes seguem vivendo na clandestinidade. Além de Caio Silva e Fábio
Raposo — enfim libertados no dia 20 de março —, outros 20 ativistas seguem
sendo perseguidos, vigiados e processados pela “justiça” do velho Estado.
— Nós
temos uma grande equipe, grandes advogados, advogadas e assistentes que
trabalham em defesa dos direitos do povo que estão entrosados com esse processo
e estão dando o seu melhor para desmantelar essa farsa montada pelo Estado.
Para nós só há uma explicação: isso é uma grande maldade, uma grande
perseguição política, pessoas más, que mantém um jovem preso, duas meninas
vivendo na clandestinidade, outros sendo acusados e perseguidos. Tudo fruto da ação
de todos os níveis de governo, desde a Polícia Militar do governo estadual, até
a Força Nacional da presidente Dilma Roussef. Essa luta tem sido travada nos
porões de uma ditadura que as pessoas nem sabem que existe — conclui o advogado do povo.
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Veja vídeo com infiltrados da PM do Rio de Janeiro nas manifestações de 2014:
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Veja vídeo com infiltrados da PM do Rio de Janeiro nas manifestações de 2014: