Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Obras do Banco Mundial deixam comunidades do sertão do Ceará sem água potável

Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
por  | 16 de abril de 2015

Moradores atingidos por açudes financiados pelo Banco Mundial foram reassentados sem a garantia de direitos estipulada pelas regras do órgão internacional

“Põe na boca essa água aí”, desafia Paulo Sérgio de Moraes Alves, 34 anos, presidente da Isca (Instituição Sócio-Comunitária da Agrovila), a associação dos moradores da agrovila Gameleira. Obedeço e a língua enrola. A água é sal puro. “Agora você imagina ficar tomando banho com essa água, macho. A pele seca, cheia de ferida. Tem criança que já ficou doente”, protesta Paulo Sérgio.
A revolta é maior porque foi por causa de uma obra de combate à seca que pessoas como Paulo Sérgio perderam, além de suas casas, o acesso à água potável e à luz que tinham antes do reassentamento. Há quase quatro anos – período que coincide com uma seca histórica no Ceará – os moradores foram expulsos de casa e reassentados para dar lugar ao açude Gameleira, localizado na divisa entre as áreas rurais dos municípios de Trairi, Itapipoca e Tururu – distante 150 km da capital, Fortaleza. “Antigamente, a gente morava na beira do rio. Mesmo na época da seca, se o rio secava, dava pra cavar cacimba. Dava pra se adaptar. Aqui a gente tem que ficar usando essa água salgada”, explica Paulo Sérgio.
O agricultor Paulo Sérgio Alves, presidente da ISCA Gameleira, posa para foto à beira do açude. Área era para estar alagada, caso o açude estivesse cheio, o nível de água era inferior 10% quando a reportagem visitou o local (Foto: Ciro Barros)
O Gameleira foi um dos cinco açudes construídos na segunda etapa do PROGERIRH (Projeto de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do Estado do Ceará), uma parceria do governo cearense com o Banco Mundial, que há mais de vinte anos realizam juntos programas de combate à seca no estado. Na primeira etapa do PROGERIRH, em 2000, o Banco Mundial emprestou US$ 136 milhões ao governo do Ceará. Nessa segunda etapa, iniciada em 2008, o banco destinou US$ 103 milhões para o programa.