Quinta, 11 de fevereiro de 2016
"Apenas uma coisa é certa. Se este povo for às ruas em 2016 não será para tirar selfies com a tropa de choque."
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Do Náufrago da Utopia
Celso Lungaretti
Mais uma vez os articulistas de esquerda começam a chegar onde estou há um bom tempo. Em julho de 2015 eu alertava:
"O arrocho fiscal do Joaquim Levy vai matar brasileiros de fome e consequências da miséria, literalmente. Temos de procurar uma saída heterodoxa para o buraco em que estamos. A ortodoxa é impraticável, vai gerar um tsunami social.
...se [a política econômica] não mudar, este país vai pegar fogo..."
Bem, o malfadado austericídio
continua aí, só mudou o encarregado de no-lo impor. Nisto admito ter
cometido um erro de autoria: o ajuste fiscal, com todas as suas mazelas e
injustiças, deve ser creditado inteiramente à Dilma; não era do Levy
nem é do Barbosa, meros executantes.
E o quadro de convulsão social não chegou com a rapidez que eu imaginava, mas está cada vez mais próximo de nós.
É
o que o Guilherme Boulos, do MTST, adverte, com a sensibilidade aguçada
de quem, como eu, está muito próximo das ruas e bem longe dos palácios.
DA CRISE POLÍTICA À
CRISE SOCIAL (trechos)
...Se 2015 ficou marcado pela crise política, tudo indica que 2016 será lembrado pela crise social.
...Dilma segue obstinada em aplicar a estranha fórmula de recuperação da
popularidade com medidas impopulares. Saiu Levy, ficou o ajuste. Nem
parece que 2015 acabou.
Na semana passada o Credit Suisse
publicou um relatório em que afirma que o Brasil vive a pior recessão
de sua história. Nunca o país teve três anos seguidos de retração
econômica, o que possivelmente se completará em 2017. Mesmo o atual
biênio recessivo (2015-16) só tem precedentes há mais de 80 anos, no
contexto da crise de 1929. Em 2015, a queda do PIB foi próxima a 4%. A
expectativa do Credit Suisse é de uma nova queda de 4% este ano e mais
uma em 2017, desta vez entre 0,5% e 1%.
Mesmo que possamos considerar pessimista a avaliação do banco de
investimentos suíço, é inquestionável que o país está afundado numa
recessão gravíssima. Se considerarmos que a queda da economia começou já
no segundo trimestre de 2014, o triênio recessivo está ainda mais
próximo. No caso do estado de São Paulo já é realidade. Segundo dados da
Fipe, o PIB paulista caiu 2% em 2014, 4% no ano passado e a previsão é
de uma nova queda de 2,6% neste ano.
Mais do que os números, importa seu impacto na situação social do país. A
economia despencando significa aumento do desemprego, redução da renda
do trabalhador e também da arrecadação –que, por sua vez, estanca
investimentos públicos e políticas sociais.
Em 2015 foram fechados 1,5 milhão de postos de trabalho. A massa
salarial caiu 12,2%, maior recuo desde 2003. E a arrecadação do governo
caiu 5,6%. A previsão do Credit Suisse é que o Brasil possa chegar em
2017 a uma taxa de desemprego superior a 13%, índice alarmante.
A isso podemos somar a anunciada saturação dos serviços públicos, em
especial da saúde. Uma das primeiras coisas que o trabalhador que
ascendeu à dita classe C
fez foi buscar um plano de saúde privado e, por vezes, colocar seus
filhos em escolas particulares de pequeno e médio portes, que cresceram a
olhos vistos nas periferias. A primeira coisa que este mesmo
trabalhador já está fazendo ante a deterioração do orçamento familiar é
voltar para o SUS e para a escola pública. Precisamente num momento em
que os investimentos tendem a ser comprimidos pelo ajuste fiscal.
Ou seja, o cenário de 2016 provavelmente será de desemprego crescente,
arrocho salarial, precarização dos serviços públicos e enfraquecimento
dos programas sociais. Não será surpresa se isso se traduzir em fortes
mobilizações populares.
E aqui não estamos falando dos desfiles cívicos na avenida Paulista.
Estamos falando da massa trabalhadora, vinda do asfalto esburacado das
periferias, que, embora até aqui insatisfeita, ainda não entrou em cena
de forma ruidosa.
Com o desemprego em dois dígitos e fortes sinais de perda das conquistas
que teve no último período, é possível que o andar de baixo comece a se
movimentar mais em 2016. O aumento expressivo das greves e ocupações
registrado nos últimos anos já tem dado este sinal.
A força e o alcance disso é algo incerto. Assim como os rumos que um
processo como este poderá tomar, principalmente, dada a dimensão da
atual crise econômica e social. Há ainda o agravante da descrença
generalizada de que o governo –e, pior, a oposição– possam apresentar
saídas populares para a crise.
Apenas uma coisa é certa. Se este povo for às ruas em 2016 não será para tirar selfies com a tropa de choque.