Sexta, 26 de fevereiro de 2016
Da Auditoria Cidadã da Dívida
O custo da dívida pública, seus mecanismos e efeitos sobre toda a
sociedade brasileira, foram tema da palestra da coordenadora nacional da
Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, durante o II
Congresso da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), com mais de 1.500
participantes.
Realizado em Brasília (DF) nos dias 24 a 26 de fevereiro, o encontro
reuniu representantes de entidades nacionais de diversas categorias,
para debaterem assuntos ligados a realidade dos trabalhadores
brasileiros. O tema “O Sistema da Dívida e o Paradoxo Brasil – realidade
de abundância e cenário de escassez”, relatado por Fattorelli, que é
auditora fiscal aposentada da Receita Federal, demonstrou a contradição
da realidade brasileira.
“Como um país que é a nona economia do mundo, uma potência agrícola,
maior reserva de água potável do planeta, dentre tantas outras
potencialidades, vive hoje um cenário de crise, desindustrialização,
encolhimento do PIB e desemprego? Essa é uma conta que não fecha”,
aponta.
Com gráficos e dados oficiais, a coordenadora mostrou que o rombo das
contas públicas está na dívida. Dados do Sistema Integrado de
Administração Financeira, SIAFI, revelam que em 2014, mais de 45% do
orçamento do país, foram utilizados para pagamento de juros e
amortizações da dívida. Além disso, o orçamento de 2015 aponta uma
diferença: receitas indicadas no Portal da Transparência da CGU estão R$
480 bilhões a mais do que as despesas indicadas no SIAFI.
O Sistema da Dívida opera como um conjunto de engrenagens, onde estão
presentes o modelo econômico, privilégios financeiros, sistema
político, corrupção, grande mídia e organismos internacionais. “Se você
perguntar para as pessoas o porquê do Brasil não dar certo, a maioria
dirá que é devido à corrupção. Pouquíssimos falarão sobre a dívida
pública. E a mídia trabalha para reforçar essa ideia”, lembra.
Nesse jogo de números que confundem a população e enriquecem as
grandes instituições financeiras, o país sofre com a subtração de
recursos que deveriam ser destinados para promover justiça e bem estar
social aos brasileiros. “Como uma dívida que nunca foi auditada, de
valor tão elevado, continua sendo paga?”, questionou a coordenadora, e
completou, “é necessário cobrar que os órgãos de controle (TCU, MPU,
Congresso Nacional, CGU) cumpram seu dever de fiscalizar os gastos
públicos?”.
Em uma situação de crise, o governo piora o cenário ao adotar uma
política econômica que combina juros elevados e redução da base
monetária (volume de moeda em circulação). “Ao retirar dinheiro de
circulação, o governo dificulta o crédito, o investimento e contribui
para o desemprego e a recessão”, destacou Fattorelli.
O exemplo do Equador
O Equador inaugurou uma nova fase em sua história, conquistando autonomia e liberando recursos para investimentos sociais. “Sua experiência bem sucedida na auditoria da dívida, possibilitou a anulação de 70% dos valores devidos, mostrando como os mecanismos que levam ao endividamento público podem ser ilegais e ilegítimos”, reforçou a coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, que participou do levantamento dos documentos e auditoria da dívida equatoriana, junto com membros de organizações sociais e acadêmicas equatorianas e internacionais.
Com a anulação de 70% da dívida externa em títulos, o país pôde
investir principalmente em educação, erradicando o analfabetismo, e em
saúde.
Derruba o veto
Depois de 15 anos de trabalho da Auditoria Cidadã da Dívida, o assunto foi, enfim, incluído no Plano Plurianual de 2016-2019, votado e aprovado pelo Congresso Nacional. Porém, a presidente Dilma Rousseff vetou o item que instituía a realização de uma auditoria da dívida com participação da sociedade civil.
“Instituímos a campanha pela derrubada do veto e precisamos da ajuda de todos. Entrem no site, assinem a petição, enviem e-mail para os parlamentares, liguem, pressionem”.
Mobilização para a mudança
“Nossa estratégia de ação para enfrentarmos o problema passa pelo conhecimento, e apenas por meio dele, alcançaremos a mobilização social”, afirmou Fattorelli. Ela convocou todos os presentes no II Congresso da CSB, para participarem dos trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida e sugeriu a criação de núcleos sobre o tema dentro dos sindicatos.
Maria Lucia ressaltou ainda que o trabalho da entidade não finda com o
levantamento da origem da dívida, pois é preciso criar as
possibilidades para a saída do cenário de escassez que vive hoje o
Brasil. “A emancipação dos oprimidos será obra deles mesmos” (Karl
Marx), finalizou.