Quinta, 25 de fevereiro de 2016
Sayonara Moreno - Correspondente da Agência Brasil*
As operações da Polícia Federal, além da
repercussão pela investigação e prisões, ganham fama também por conta
dos nomes inusitados. Dessa vez, a 23ª fase da Lava Jato, batizada de
Operação Acarajé, gerou revolta entre os movimentos negros da Bahia e as
baianas do acarajé.
Se para alguns o acarajé é apenas uma iguaria, para os adeptos do candomblé é uma comida ritual para a orixá Iansã.
“Não
é simplesmente vender acarajé. Tem um ritual, a hierarquia da família, a
história do acarajé. Porque todas as baianas do acarajé são filhas de
Iansã, porque ninguém trabalha com o acarajé a toa”, explicou a baiana
Dulcimari de Jesus.
De acordo com a Polícia Federal, o nome foi
escolhido em alusão ao termo utilizado por alguns investigados dessa
fase para nominar o dinheiro em espécie envolvido no esquema de
corrupção. A coordenadora da Associação Nacional das Baianas de Acarajé
(ABAM), Rita Santos, considerou a a associação do termo a um assunto
negativo uma ofensa à tradição religiosa.
“Foi difícil de ver a
associação de uma oferenda de um orixá a um grupo de ladrões. Não vai
ter impacto na hora de a baiana vender, mas vai haver [impacto] no mundo
todo, porque sempre que se falar em acarajé, as pessoas vão ligar uma
coisa à outra”, avaliou.
Nota de repúdio
A
organização não governamental Coletivo Entidades Negras publicou nota
de repúdio contra o uso do nome acarajé para a operação, que prendeu
pessoas suspeitas pagamento de propina esta semana, entre elas o
publicitário João Santana, responsável por campanhas eleitorais do PT.
Na
nota, a organização alega que “nada justifica a escolha deste nome para
a operação” e pondera que o acarajé “é alimento sagrado para as pessoas
que, em todos o país, cultuam os orixás”. A entidade diz que a escolha
da PF demonstra “total desrespeito religioso a um elemento sagrado do
candomblé, desrespeitando toda a tradição e história da religião no
Brasil”.
A entidade ingressou no Ministério Público com um pedido de mudança no nome da operação.
“Estamos
fazendo o diálogo com o Ministério Público, para essa mudança no nome
[da operação da PF], por compreender o nosso valor histórico, por
compreender o valor da mulher e a ligação com o acarajé que, para a
gente, é uma iguaria muito importante, também. Mas, sobretudo, retrata a
resistência das mulheres negras”, explicou o diretor do Coletivo
Entidades Negras, Adailton Borges.
Além de oferenda aos orixás, o
acarajé era comercializado, no período colonial do Brasil, pelas
chamadas escravas de ganho ou negras libertas, como forma de
sobrevivência, após a abolição da escravatura.
Saiba Mais
*Com a colaboração da TV Educadora da Bahia (TVE)