Domingo, 14 de fevereiro de 2016
Da Tribuna da Internet / O Globo
Francisco Leali
O Globo
O Globo
Dilma Rousseff anunciou uma coisa e assinou outra
Foi tudo muito rápido. Em menos de 20 minutos,
estava sacramentada a
medida provisória com novas regras para acordos de leniência fechados
entre empresas envolvidas em atos de corrupção e o governo. O texto
assinado pela presidente Dilma Rousseff numa solenidade no Palácio do
Planalto no dia 18 dezembro do ano passado mudava a chamada Lei
Anticorrupção, em vigor há pouco menos de dois anos. A partir dali, as
empresas não mais precisavam admitir prática de crime para aderir ao
acordo. Quem assinasse passou a ficar liberado para voltar a contratar
com o governo. Quinze dias antes da rápida cerimônia palaciana, o texto
era diferente: tinha dois pontos importantes para assegurar punição dos
envolvidos, mas eles acabaram desaparecendo da MP 703.
A versão original determinava que as empresas teriam que reparar
integralmente o dano causado aos cofres públicos. No jargão oficial,
essa era a “obrigação necessária” para a assinatura de um acordo de
leniência em que companhia envolvida em irregularidades pudesse pagar
pelos atos de corrupção, e começar de novo a operar com o setor público.
Também sumiu da versão final outro trecho estabelecendo que forma,
prazo e condições da reparação deveriam constar dos termos do acordo. Na
solenidade daquele dia 18, a exigência de reparação integral chegou a
ser citada no discurso de Dilma:
— Nossa tarefa é garantir reparação integral dos danos causados à
administração pública e à sociedade sem destruir empresas ou fragilizar a
economia. Essa é a prática adotada internacionalmente.
EXIGÊNCIAS DESAPARECEM
Mas o texto que foi para o Diário Oficial da União diz apenas que a
reparação — a palavra “integral” sumiu — considerará a capacidade
econômica da empresa. A lei anticorrupção que a MP modificou continua
prevendo que empresas são obrigadas a reparar o dano, mas a ideia de
isso ser condição fundamental para assinatura de acordos de leniência
foi guardada numa gaveta na Esplanada dos Ministérios.
A versão da gaveta, que tem data do dia 3 de dezembro de 2015, tinha
um segundo ponto relevante. Quando listava o que deveria estar entre os
compromissos assumidos pela empresa, a MP ditava que “administradores ou
dirigentes” das pessoas jurídicas poderiam ser afastados de seus postos
por até cinco anos, contados a partir da data da assinatura da
leniência. Esse assunto era grafado como o parágrafo 2º-A — que não
existe na versão Diário Oficial.
As duas exigências que desapareceram da MP não eram pontos
desimportantes. Tanto é que o próprio governo destacou as medidas na
minuta de Exposição de Motivos que, segundo a versão obtida pelo Globo
via Lei de Acesso, foi assinada eletronicamente pelo então ministro do
Planejamento e hoje ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. O texto
explicava por que o governo iria propor tais regras: “Admite-se a
reparação integral do dano como obrigação necessária para a celebração
do acordo de leniência, resolvendo-se a questão da reparação, sua forma e
condições no próprio acordo, dando maior celeridade ao ressarcimento do
agente público lesado, e certeza jurídica nos efeitos da leniência”,
dizia o texto ao se referir a uma regra que não vingou.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Logo em seguida, a Exposição de Motivos enaltece outra inovação que
até aquele momento era importante para o governo: “Destaca-se como um
dos aperfeiçoamentos, a possibilidade do acordo de leniência prever o
afastamento dos administradores ou dirigentes, evitando-se a
continuidade do uso da pessoa jurídica como instrumento de ilícito”.
Procurado, Nelson Barbosa não se manifestou. Em nota, o Ministério do
Planejamento diz que o texto da MP corresponde ao do projeto aprovado
no Senado. “A MP, na linha do projeto de lei, prevê a reparação do dano
como condição necessária para a celebração do acordo de leniência.(…)
Não houve alteração da lei na parte que estabelece que a aplicação de
sanções não exclui a reparação integral do dano. A novidade, com a MP, é
a reparação do dano ser condição para a celebração do acordo de
leniência. Sem reparação do dano não há acordo”, diz. Procuradores
ouvidos pelo Globo informaram, no entanto, que a MP abriu brecha para
que o ressarcimento integral deixe de ser rápido, para se estender numa
discussão judicial.
JUSTIFICATIVA EM SIGILO
Boa parte dos documentos usados para justificar a edição de uma
medida provisória está sob sigilo. O Ministério do Planejamento
classificou os papéis sob argumento de que a divulgação de seu conteúdo
poderia “oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou
monetária do país”. Pareceres e ofícios e notas mantendo a papelada
longe de consulta pública até 2020.
###
Nota da redação da Tribuna da Internet – Não há dúvida de que se trata de crime de responsabilidade. O governo não pode anunciar uma medida legal contendo determinados dispositivos e alterá-la subrepticiamente ao enviar o texto ao Congresso Nacional, para proteger empresários corruptos. É uma denúncia muito grave. Se os parlamentares tiverem um mínimo de dignidade, certamente usarão a mudança da MP para robustecer o processo de impeachment de Dilma Rousseff, com crime de responsabilidade flagrantemente cometido no mandato atual. Quanto ao ministro Nelson Barbosa, é um fantoche, não manda nada e ainda acha que a MP já foi aprovada pelo Senado... (C.N.)
Nota da redação da Tribuna da Internet – Não há dúvida de que se trata de crime de responsabilidade. O governo não pode anunciar uma medida legal contendo determinados dispositivos e alterá-la subrepticiamente ao enviar o texto ao Congresso Nacional, para proteger empresários corruptos. É uma denúncia muito grave. Se os parlamentares tiverem um mínimo de dignidade, certamente usarão a mudança da MP para robustecer o processo de impeachment de Dilma Rousseff, com crime de responsabilidade flagrantemente cometido no mandato atual. Quanto ao ministro Nelson Barbosa, é um fantoche, não manda nada e ainda acha que a MP já foi aprovada pelo Senado... (C.N.)