Domingo, 14 de fevereiro de 2016
Do Esquerda.Net
Por Francisco Louçã
Os economistas devem ser mais
modestos, evitando as certezas que frequentemente exibem e sobretudo a
confiança nos mercados, que os deixam ficar sempre muito mal. Muitos se
enganaram redondamente e arriscam-se a voltar a cair no mesmo erro. Por
Francisco Louçã.
Irving Fisher
O
filme “The Big Short”, em português “A Queda da Wall Street”, de Adam
Mckay (2015), conta a história de vários homens que adivinharam o fim da
bolha financeira do início do século e apostaram sobre a sua derrocada,
tendo lucrado quando todos os outros faziam contas às perdas. Alguns
desses personagens dirigiam fundos financeiros de maior ou menor
dimensão, outros estavam a entrar no negócio – e todos se referem a
casos reais. Eles anteciparam o que ninguém nem via nem pressentia,
porque o efeito de manada arrastava todos os agentes financeiros numa
vertigem de otimismo e de confiança que parecia imparável. Todos se
imitavam e todos transbordavam de entusiasmo, exceto os céticos ou
pessimistas que descobriram a fraude que estava em marcha.
Os economistas devem portanto ser mais modestos do que foram até essa
crise, evitando as certezas que frequentemente exibem e sobretudo a
confiança nos mercados, que os deixam ficar sempre muito mal. Muitos dos
mais engenhosos, dos melhores matemáticos, e certamente os entusiastas
dos mercados financeiros, todos apostaram num crescimento imparável das
valorizações bolsistas e dos preços dos ativos financeiros. Nenhum
problema, nenhum iceberg em nenhum Titanic poderia interromper esta
senda gloriosa. Enganaram-se redondamente e arriscam-se a voltar a cair
no mesmo erro nos dias que correm.
Irving Fisher não compreendeu que os mercados financeiros são pelo menos como o relógio parado: haverá sempre uma hora certa para a crise e terá que se passar por ela. Estamos agora mais próximos dessa hora e os economistas deslumbrados com a engenharia financeira podiam perceber que lhes vai bater à porta; é portanto melhor irem vendendo as ações e desconfiarem um pouco mais dos mercados sacrossantos para não caírem nas aflições de Fisher.
Lembro-lhes por isso um exemplo passado, o do economista
norte-americano Irving Fisher (1867-1947). Fisher estudou economia
matemática na Alemanha, voltou aos Estados Unidos e foi o primeiro e
principal impulsionador da economia neoclássica no seu país. A sua
doutrina econômica viria a tornar-se dominante na academia e foi o
primeiro presidente da Sociedade Econométrica, o núcleo de investigação
que se tornou o padrão de excelência para a sua disciplina. Foi um homem
de vida cheia, era conceituado e foi estudado.
Uma das suas virtudes era a imensa curiosidade técnica e a
perspicácia inovadora: inventou uma cadeira articulada e, mais
importante, um sistema de ficheiro com cartões indexados, que foi
vendido por mais de meio milhão de dólares a uma empresa que viria a ser
a Remington Rand. Economista famoso, professor admirado, empresário e
inventor afortunado, herdeiro rico, Fisher não podia pedir mais às suas
aventuras.
Mas foi mesmo como economista que perdeu a sua auréola. Prevendo nas vésperas do crash
bolsista de 1929 que a Bolsa e os mercados financeiros caminhariam para
um equilíbrio pacato, Fisher foi investindo a sua herança e os seus
proveitos em ações, convidando os seus colegas a fazerem-no e, ao
chegar ao dia do colapso, perdeu tudo. Dez milhões, parece ter sido o
volume das suas perdas com a crise de 1929. A sua irmã, que nada
percebia de finanças (mas tinha biblioteca), geriu melhor a sua parte da
herança e foi ela quem teve que acudir ao famoso economista que se
tinha enganado acerca da economia e desbaratado o seu pecúlio.
A Universidade de Yale, onde trabalhava, também veio em seu auxílio e
comprou a sua casa, para evitar que fosse expulso por falta de
pagamento. Fisher continuou a não pagar a renda aos novos senhorios e
propôs depois a anulação da dívida, o que foi aceite (a curiosidade é
que os economistas que são discípulos de Fisher ou ignoram ou recusam
este artifício negocial que salvou o seu inspirador). Ficou, no fim da
vida, como uma curiosidade de um passado glorioso e de um erro colossal.
Fisher não compreendeu que os mercados financeiros são pelo menos
como o relógio parado: haverá sempre uma hora certa para a crise e terá
que se passar por ela. Estamos agora mais próximos dessa hora e os
economistas deslumbrados com a engenharia financeira podiam perceber que
lhes vai bater à porta; é portanto melhor irem vendendo as acções e
desconfiarem um pouco mais dos mercados sacrossantos para não caírem nas
aflições de Fisher.