Terça, 5 de abril de 2016
Por Fabrizio de Lima Pieroni - Revista Consultor Jurídico //// Blog do Sombra
No dia 22 de março foi apresentado pela Presidência da República,
com solicitação de urgência na tramitação, Projeto de Lei Complementar
257/2016 (PLP 257/2016) que “estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e
ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal;
altera a Lei 9.496, de 11 de setembro de 1997, a Medida Provisória
2.192-70, de 24 de agosto de 2001, a Lei Complementar 148, de 25 de
novembro de 2014, e a Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000; e dá
outras providências”. ...
Em meio à crise econômica e política que assola o país, o projeto,
concebido nos ministérios da Fazenda e do Planejamento, conta com apoio
de diversos governadores, pois estabelece condições para o
refinanciamento das dívidas dos Estados e do Distrito Federal com a
União, com alongamento do prazo para pagamento em até 240 meses,
mediante celebração de aditivo contratual, com redução de até 40% no
valor das prestações nos 24 meses posteriores à celebração do acordo.
Além disso, autoriza as instituições públicas federais a repactuarem
financiamentos concedidos aos estados e Distrito Federal, com recursos
do BNDES e com dispensa da verificação dos requisitos exigidos para a
realização de operações de crédito e concessão de garantia pela União,
inclusive aqueles definidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC
101/2000).
O projeto ainda altera 38 disposições da Lei de Responsabilidade
Fiscal, o que, por si só, mereceria detida análise, pois soa no mínimo
estranho que alteração de tal magnitude ocorra sem ampla discussão, em
regime de urgência.
Este breve estudo, no entanto, frisará as contrapartidas e
condicionantes estabelecidas no projeto para adesão ao plano de auxílio,
pois, boa parte delas atingem em cheio a autonomia dos entes federados,
impondo limitações na capacidade destes de autoadministração, com
violação do pacto federativo, cláusula pétrea de nossa Constituição da
República.
Para adesão ao plano de refinanciamento, o projeto exige, no prazo de
até 180 dias da assinatura dos termos aditivos contratuais, que os entes
sancionem e publiquem leis determinando a adoção durante os 24 meses
subsequentes de diversas medidas para redução de suas despesas, sob pena
de revogação dos benefícios concedidos, das quais destacamos:
Não conceder vantagem, aumento, reajustes ou adequação de remunerações a
qualquer título, ressalvadas as decorrentes de atos derivados de
sentença judicial e previstas constitucionalmente;
Vedar a edição de novas leis ou a criação de programas que concedam ou
ampliem incentivo ou benefício de natureza tributária ou financeira;
Suspender admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título,
inclusive por empresas estatais dependentes, por autarquias e por
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, ressalvadas as
reposições decorrentes de vacância, aposentadoria ou falecimento de
servidores nas áreas de educação, saúde e segurança, bem como as
reposições de cargos de chefia e direção que não acarretem aumento de
despesas;
Instituição do regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do artigo 40 da Constituição;
Elevação das alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores e
patronal ao regime próprio de previdência social para 14% e 28%
respectivamente;
Reforma do regime jurídico dos servidores ativos, inativos, civis e
militares, para limitar os benefícios, as progressões e vantagens ao que
é estabelecido para os servidores da União
Em um cenário de queda significativa de receita, os governadores, “com a
faca no pescoço” diante da iminente paralisação de atividades
essenciais e serviços fundamentais prestados ao cidadão, têm exercido
enorme pressão para aprovação do PLP 257/2016, visto como panaceia para
este momento de deterioração orçamentária e financeira dos entes
federados.
No entanto, a autonomia do Estado membro, elemento essencial à
configuração do Estado federal, não pode ser objeto de renúncia, muito
menos de um contrato que determine, de forma compulsória e coercitiva a
sanção e publicação de leis idealizadas pelo ente central.
Não é preciso discorrer sobre o relevo que a autonomia do Estado membro
mantém na configuração do federalismo para concluir pela
inconstitucionalidade dos dispositivos citados que limitam capacidade de
autoadministração dos entes federados ao arrepio da Constituição
Federal.
Basta destacar que a autonomia do Estado membro, no Direito
Constitucional brasileiro, apresenta três elementos: capacidade de
auto-organização, exercido por meio do seu poder constituinte
decorrente; autogoverno, exercido pela escolha direta de seus
representantes no Legislativo e Executivo, sem subordinação ou tutela da
União; e autoadministração, pelo exercício de suas competências
administrativas, legislativas e tributárias, definidas
constitucionalmente.
É a Constituição Federal o texto matriz do princípio da autonomia e, ao
mesmo tempo, a fonte de suas limitações, na feliz expressão de Raul
Machado Horta.
A imposição aos entes federados por lei infraconstitucional de
sancionar e publicar leis previamente definidas pelo ente central por si
só viola o pacto federativo. No entanto, quando se analisa o teor das
medidas obrigatórias, nota-se a brutal invasão da União na autonomia dos
Estados.
Com efeito, apenas para exemplificar, o inciso I do artigo 4º do PLP
257/2016 impõe aos Estados a instituição do regime de previdência
complementar, o qual, a teor do artigo 40, §§ 14 e 16 da CF/88, é
facultativo.
E mais, o inciso IV do artigo 4º do PLP 257/2016 determina a aprovação
do aumento da alíquota da contribuição previdenciária dos Estados e
Distrito Federal, ao passo que o artigo 149, §1º da CF/88, estabelece
que esta alíquota apenas não pode ser inferior à cobrada pela União de
seus servidores.
E como se falar em autonomia e autoadministração em um cenário de
imposição pela União aos Estados de vedação de reajustes remuneratórios,
suspensão de admissão de pessoal, reforma de regime jurídico de
servidores? E o que dizer da imposição aos Estados de limitação de
benefícios, progressões e vantagens ao que é estabelecido para os
servidores federais?
Sendo a forma federativa de Estado cláusula pétrea, nem mesmo emenda
constitucional poderia absorver tamanho terreno de autoadministração dos
Estados membros.
Aqui não se discute se as medidas são boas ou ruins, pertinentes ou
impertinentes para o enfrentamento da crise financeira, mas apenas a
forma como estão sendo impostas pela União em detrimento dos
enfraquecidos Estados, aniquilando o princípio federativo.
As obrigações e condicionantes previstas no PLP 257/2016 para adesão
dos Estados ao refinanciamento de suas dívidas atentam contra a própria
federação e esperamos sejam rejeitadas pelos parlamentares.
Fabrizio
de Lima Pieroni é procurador do Estado de São Paulo. Diretor Financeiro
da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp).