Quinta, 28 de abril de 2016
Do Correio da Cidadania
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Escrito por Hamilton Octavio de Souza — jornalista e professor
O governo Dilma Rousseff está acabado, foi arrasado pela crise
econômica, pelo descontentamento da população e pelo Congresso Nacional
que ajudou a eleger ao abrigar no “presidencialismo de coalizão”
políticos conservadores e partidos de direita. Mesmo com todo o
fisiologismo praticado pelo Palácio do Planalto para assegurar uma base
parlamentar contra o impeachment, o processo foi aprovado por 367 a 137
votos. Como governar com essa minoria e com ampla e massiva desaprovação
na sociedade?
Por trás da queda estão, evidentemente, as forças do capital, os
grupos que disputam o gerenciamento das políticas neoliberais, as
classes médias empenhadas na manutenção de seu padrão de vida, os
políticos oportunistas que topam qualquer parada para agradar eventuais
donos do poder e ao mesmo tempo seus currais eleitorais – e as classes
trabalhadoras e setores populares não organizados que estão na moita em
cauteloso distanciamento. Como governar diante de tamanha confluência de
interesses pelo impeachment?
Mas, também, o governo Dilma acabou por seus próprios erros, pela
desatenção com os reais problemas do povo brasileiro e pelo
distanciamento de compromissos programáticos, por não ter dado o devido
respeito aos desvios éticos que campearam nas diferentes instâncias da
administração praticados por seu partido e por demais partidos da
coalizão ou não. Em nenhum momento os casos revelados pela imprensa e
pelas instituições da República (Polícia Federal, Ministério Público e
Judiciário) foram devidamente repudiados e condenados. Ao contrário, o
PT e o governo focaram mais na inconveniência das delações e vazamentos
do que no mérito das denúncias.
Não cola mais na sociedade a visão maniqueísta do bem e do mal, de
que “nós” não praticamos crimes e defendemos a democracia e que “eles”
são de direita, corruptos e golpistas. O desgaste político do governo
Dilma e do PT começou bem antes das eleições de 2014, quando apenas 38%
dos eleitores votaram pela reeleição, enquanto 62% dos eleitores ficaram
com Aécio, branco, nulo e abstenção. Começou bem antes das fantasias
criadas pelo marketing eleitoral para encobrir a real situação da
economia e bem antes do racha com o PMDB e demais siglas da chamada base
aliada.
Alienação
Em seus primeiros pronunciamentos após a aprovação do processo de
impeachment na Câmara dos Deputados, dias 18 e 19 de abril, a presidente
Dilma tratou o episódio como se fosse tão somente um problema de
conspiração, traição e golpe contra ela, apenas uma perseguição pessoal
para puni-la por um crime que não cometeu. Fez questão de dizer que se
sente injustiçada e indignada, que é vítima da truculência da oposição.
Insiste no papel de vítima. Não fez qualquer referência à inabilidade
política e aos enormes equívocos administrativos e políticos de seu
governo. Atua dessa forma por decisão tática, cinismo ou alienação da
realidade?
Da mesma maneira, não fez qualquer referência ao crescente
descontentamento da população com seu governo, notadamente desde os
protestos de 2013. Também não se referiu ao prolongado sofrimento da
população, que paga caro com o terrível aumento de desemprego, arrocho
salarial, inflação, inadimplência e perda de proteção social nos
serviços públicos e nos programas do Estado. Em nenhum momento das
entrevistas dadas aos jornalistas brasileiros, dia 18, e aos jornalistas
estrangeiros, dia 19, a presidente fez qualquer referência aos danos
causados por seu governo aos milhões de trabalhadores brasileiros – e ao
povo em geral – nos últimos três anos. Tratou a crise econômica apenas
como um desdobramento da crise internacional.
Será que ela se esqueceu das promessas feitas logo após os protestos
de junho de 2013, quando já estava claro o forte descontentamento na
sociedade? Será que ela se esqueceu das promessas feitas na campanha
eleitoral de 2014 e que foram anuladas por atos do governo logo após a
divulgação do resultado das urnas? Será que ela se esqueceu de que
aprovou mudança no seguro-desemprego, no auxílio-doença, na pensão por
morte e no auxílio-social? Será que ela se esqueceu do congelamento do
Bolsa-Família e dos cortes realizados no Minha Casa Minha Vida, ProUni,
Pronatec e FIES? Será que ela se esqueceu de que havia colocado na ordem
do dia a volta da CPMF para tirar mais dinheiro do povo e a Reforma da
Previdência para reduzir direitos dos trabalhadores? Será que ela se
esqueceu da escalada dos juros da Selic e da enorme explosão da dívida
pública? Será que ela se esqueceu dos tarifaços divulgados logo após as
eleições nos preços dos combustíveis e da energia elétrica? Será que ela
se esqueceu do brutal estrago feito durante os governos do PT ao
patrimônio da Petrobras?
Enfim, após ser desbancada da presidência da República em polêmico
processo de impeachment, Dilma Rousseff quer ser eterna vítima de um
golpe da direita (de seus aliados até recentemente), fala em resistir e
lutar até o último momento para recuperar o cargo, mas em nenhum momento
procura verificar porque o seu governo perdeu respaldo na sociedade e
no Congresso Nacional. Por quê? Onde a coisa desandou? Por que os
eleitores e os parlamentares da base aliada passaram a desaprovar o
governo e a torcer pelo impeachment? Não dá para colocar toda a culpa na
conspiração do vice Temer, na ação nefasta da grande mídia, nas
manobras de Cunha e nas investigações da Operação Lava Jato.
Inconsequência
Sem a realização de uma profunda avaliação crítica da derrocada do
governo Dilma e das forças de esquerda que embarcaram no lulismo, desde a
Carta ao Povo Brasileiro, em 2002, torna-se inconsequente contestar o
golpe político-institucional aplicado pela Câmara dos Deputados no dia
17 de abril, assim como a abertura do processo no Senado, assim como
defender a democracia focada na volta da Dilma, assim como defender a
cassação de todos os políticos beneficiados com os recursos roubados da
Petrobras, assim como lutar por reformas estruturais, assim como
defender eleições gerais para tentar superar a crise política.
A luta de resistência dos trabalhadores e de defesa da democracia
dificilmente terá ampla credibilidade na sociedade se toda a culpa do
processo continuar sendo atribuída à maquinação diabólica da oposição de
direita. A luta terá maior respaldo popular e das classes trabalhadoras
se a presidente Dilma Rousseff e o PT realizarem uma profunda
autocrítica de seus próprios erros e deslizes em todo esse processo.
Afinal, Dilma e PT tiveram mais votos do que Aécio Neves nas eleições
presidenciais de 2014, ganharam mais quatro anos de mandato. Mas por que
não tiveram competência política para se conservar no governo? Por que
não conseguiram ampliar o apoio na sociedade? Por que não adotaram
medidas de interesse dos trabalhadores e dos setores populares?
Não basta colocar a culpa na oposição. Nem dá para alegar
desconhecimento das regras do jogo e do perfil dos jogadores. Para
apostar no futuro, Dilma e PT precisam admitir primeiro quais foram os
seus erros – políticos, econômicos, administrativos e éticos. É o mínimo
que se espera de quem pleiteia representar parcelas dos trabalhadores e
se colocar no campo da esquerda. Sem fazer autocrítica, Dilma e o PT
persistem na trilha da despolitização e do alheamento que estão
trilhando de forma explícita e acelerada desde os protestos massivos de
2013. A construção de processo de luta e a reviravolta política em
defesa das classes trabalhadoras passam pelo resgate do compromisso
ético, coerência programática, autenticidade da representação,
articulação das forças de esquerda e apresentação de projeto de poder
expurgado dos erros do passado.