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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Cardozo não honra a condição de Chefe da Advocacia-Geral da União (AGU)

Sexta, 22 de abril de 2016
Por Aldemario Araujo Castro
Advogado, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB
 
Brasília, 22 de abril de 2016

A Advocacia-Geral da União (AGU) é uma instituição de Estado. A AGU: a) representa, judicial e extrajudicialmente, a União, suas autarquias e fundações (portanto, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) e b) realiza a assessoria e consultoria jurídicas do Poder Executivo Federal. Integram, a organização, quase 8.000 (oito mil) advogados públicos federais concursados (Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central).

Ocorre que a importância e a respeitabilidade da instituição e de seus membros são diariamente atacadas pelo comportamento profundamente equivocado do atual Advogado-Geral da União, o senhor José Eduardo Martins Cardozo.

Não discuto, nem censuro, nesta sede e neste momento, as várias medidas judiciais e extrajudiciais patrocinadas pela AGU e pelo AGU no processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff e em questões paralelas e relacionadas (como a nomeação do ex-Presidente Lula para cargo de Ministro de Estado). Com efeito, o exercício das competências constitucionais da AGU abrange a defesa de agentes públicos e seus atos institucionais, praticados nos marcos da juridicidade, sem desvio de finalidade. A Lei n. 9.028, de 1995, explicita esse desdobramento lógico das competências constitucionais da AGU. A Portaria AGU n. 408, de 2009, regulamenta os procedimentos a serem observados nesses casos.

O que precisa ficar muito claro é que a AGU e seus membros não defendem sempre e em qualquer caso os agentes públicos e os atos praticados por eles. Existem procedimentos e critérios (como a ausência de desvio de finalidade) a serem observados com rigor. Aliás, um dos aspectos a serem disciplinados em uma nova e moderna lei orgânica da AGU, marcada pela gestão democrática, participativa e afastada das cadeias de comando e obediência construídas em torno de cargos comissionados, é justamente a definição de espaços colegiados de avaliação da pertinência da defesa de agentes públicos em relação a atos por elas praticados.

Sem uma avaliação cuidadosa dos elementos pertinentes, notadamente os pedidos formulados pelas autoridades, especificamente a Presidente da República, e as análises formais realizadas pelos órgãos e autoridades competentes da AGU, não tenho como, de forma responsável, qualificar como indevidas as atuações da AGU e do AGU no processo de impeachment em curso e nos casos diretamente relacionados.

Entretanto, é perfeitamente possível condenar de forma veemente a conduta adotada pelo Advogado-Geral da União nas últimas semanas. Testemunha-se uma postura inequivocamente incompatível com a condição de dirigente máximo de uma instituição de Estado com a missão constitucional de representar, com igual empenho e eficiência, os três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Com efeito, o senhor José Eduardo Martins Cardozo, na condição de Advogado-Geral da União, assume uma defesa estridente, passional e nitidamente política da Presidente da República e inúmeros personagens políticos que gravitam em torno de seus interesses não institucionais. Nessa linha, o Advogado-Geral da União: 

a) repete palavras de ordem (“não vai ter golpe” e “não passarão”) construídas no seio das instâncias político-partidárias. Curiosamente, participa ativamente do processo de impeachment e da formação de decisões qualificadíssimas dos Poderes da República (concorrendo para legitimá-las). Digo e repito. Esse tal "golpe" não passa de uma peça de marketing defensivo do PT e do Governo (marcado pela profunda traição aos interesses populares - foi e é um governo para os poderosos - e pela condução de um projeto de poder pelo poder baseado na mais despudorada corrupção);

b) participa de reuniões em estrita defesa política de autoridades e aspirantes a autoridades;

c) apresenta-se como porta-voz do governo (o “nosso governo”, como ele diz) em entrevistas para a imprensa de conteúdos preponderantemente políticos;

d) anuncia o manejo de recursos e impugnações judiciais contra atos e decisões ainda não adotadas por órgãos específicos do Poder Público;

e) faz a defesa da atuação política do Partido dos Trabalhadores (sintomaticamente em entrevista concedida nas dependências físicas do gabinete de trabalho do AGU);

f) permite, e até estimula, a utilização escancaradamente política dos meios de comunicação institucional da Advocacia-Geral da União;

g) esquece que a instituição que lidera tem responsabilidades de atuar institucionalmente em defesa de atos dos poderes constituídos que podem carregar conteúdos visceralmente opostos aos efusivamente declarados e festejados pelo Advogado-Geral da União. Anote-se, nesse sentido, que a AGU pode ser chamada a fazer a defesa judicial da Câmara dos Deputados que autorizou a abertura de processo de impeachment, no Senado, em relação à Presidente Dilma Rousseff.

Portanto, a discrição e parcimônia que deveriam ser os guias do comportamento do Advogado-Geral da União são solenemente ignorados. Por conta dessa postura profundamente equivocada, cresce, em várias instâncias sociais, em especial no âmbito da própria Advocacia-Geral da União, a censura aos padrões de atuação do senhor Cardozo. Eis alguns importantes exemplos: a) a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) (Disponível em <http://unafe.org.br/index.php/nota-publica-22/>); b) o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ) (Disponível em: <http://www.sinprofaz.org.br/…/nota-do-sinprofaz-pfns-exerce…>); c) a Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF) (Disponível em: <http://www.conjur.com.br/…/oab-df-faz-representacao-cardozo…>); d) as entidades representativas dos advogados públicos federais (Disponível em: <http://anafenacional.org.br/nota-de-repudio>) e e) o Partido Popular Socialista (PPS) (Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/…/geral,acao-de-lider-do-pps…>). 

A Constituição de 1988 definiu que a Advocacia-Geral da União (AGU) é uma instituição de Estado qualificada como Função Essencial à Justiça e apartada dos poderes políticos clássicos (Executivo, Legislativo e Judiciário). Assim, impôs o constituinte originário uma profunda mudança de paradigmas na identidade e na atuação da Advocacia Pública por seus membros e dirigentes. Decididamente, a AGU não se constitui num corpo de advogados à disposição, para toda e qualquer providência, de interesse dos gestores de plantão.

O desenvolvimento da nova identidade da Advocacia Pública como Advocacia de Estado, e não como advocacia de governo ou de partido, não é um processo fácil e rápido. Várias questões delicadas precisam ser enfrentadas e equacionadas. Esse penoso caminho passa necessariamente: a) pela fixação das prerrogativas pertinentes para a atuação eficiente e republicana dos integrantes da instituição; b) pela aprovação da PEC 443 (que fixa a paridade remuneratória entre as carreiras integrantes das Funções Essenciais à Justiça); c) pela aprovação da PEC 82 (que define uma responsável autonomia para as instituições da Advocacia Pública); d) pela escolha do dirigente máximo da instituição mediante lista tríplice formada e composta pelos membros da AGU e e) pela edição de uma nova e moderna lei orgânica.

A construção e consolidação do projeto da Advocacia de Estado interessa à sociedade brasileira e à cidadania. Somente uma Advocacia de Estado poderá exercer na plenitude sua missão, notadamente preventiva, de combate sem tréguas a todas as formas de corrupção e barrar as tentativas de captura da instituição para viabilizar interesses escusos de governos, governantes e partidos políticos.