Do Blogue Náufrago da Utopia
LÁGRIMAS DA ESQUERDA
O que me surpreende nessa novela do impeachment é que a esquerda ainda defenda a desastrada gestão de Dilma Rousseff.
O governo do PT meteu-se com esquemas pesados de corrupção e mostrou-se
administrativamente incompetente. Alega-se que Dilma, como pessoa
física, é honesta –com certeza mais honesta do que muitos dos que agora a
condenam. Não duvido. Mas isso é muito pouco para transformá-la num
modelo de virtude cívica.
Ou bem a presidente é uma tonta, que não viu que pessoas ligadas ao
partido e ao governo estavam se locupletando, ou então foi conivente com
a corrupção. É verdade que os esquemas já existiam antes de ela chegar
ao Planalto, mas a posição virtuosa aqui teria sido a de detoná-los
publicamente, não tolerá-los em nome da governabilidade.
Para tornar o quadro ainda mais dramático, acho complicado até mesmo
afirmar que as administrações do PT buscaram implementar políticas de
esquerda. Parece mais preciso descrevê-las como populistas. Enquanto os
ventos sopraram a favor, elas distribuíram benesses para todos –muito
mais dinheiro foi destinado para empresários do que para os pobres,
registre-se.
Em 13 anos de governos petistas, pautas históricas da esquerda, como o direito ao aborto e a descriminalização das drogas, foram tratadas como tabu pelo Executivo. O PT tampouco hesitou em sacrificar bandeiras que lhe eram caras, como a educação sexual nas escolas, sempre que seus aliados religiosos chiavam.
O caso do sindicalismo chega a ser grotesco. Nada foi feito pra
implementar a convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho,
aprovada no longínquo ano de 1948, que estabelece a liberdade sindical e
que era defendida com unhas e dentes por Lula e pela CUT até chegarem
ao poder.
Se há alguém que não deveria derramar nenhuma lágrima pelo governo Dilma, é justamente a esquerda.
MEU COMENTÁRIO – Desta
vez, o filósofo Schwartsman acertou na mosca. Não há nada,
absolutamente nada, a contestar. Permito-me, apenas, acrescentar una cosita y otra cosita...
O
pecado original do Partido dos Trabalhadores, do qual derivaram quase
todos os outros, foi cometido em 2002, quando o Zé Dirceu se reuniu com
os donos do Brasil e, em nome do Lula, pactuou com eles: se dessem o
consentimento e as bençãos para o PT finalmente chegar à Presidência da
República, a política econômica que os favorecia seria mantida e seus
interesses sempre priorizados.
João
Goulart fez concessão semelhante em 1961: como vice, tinha o direito de
assumir a presidência com poderes plenos quando da renúncia do titular
(Jânio Quadros), mas aceitou que estes fossem limitados pela introdução
do parlamentarismo em setembro daquele ano. Depois, contudo, convocou um
plebiscito e o presidencialismo foi restabelecido em janeiro de 1963.
Lula,
pelo contrário, resignou-se a ser presidente pela metade até o último
dia dos seus sucessivos mandatos: obedecia ao grande capital na tomada
das decisões macroeconômicas e só tinha autonomia para gerir as
miudezas do varejo.
Isto
explica a postura, bizarra para um partido de esquerda, de possibilitar
que os bancos lucrassem como nunca ao longo dos seus governos. E o pior
foi que ele próprio o reconheceu, na cara dura, ao queixar-se da ingratidão dos banqueiros!
Mesmo
sendo um período bom para as commodities brasileiras, não havia o
suficiente para satisfazer a gula insaciável dos ricaços, dar algumas
migalhinhas a mais para o povão e melhorar a vida da classe média. Lula
optou pelos extremos: agradou àqueles a quem deveria servir para
continuar no poder e àqueles que enchiam as urnas com votos para o PT.
Mandou a classe média às urtigas.
A consequência foi esta, segundo o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad:
"...os ricos se tornaram mais ricos, os pobres se tornaram menos pobres e uma certa classe média tradicional viu sua posição relativa em relação a essas duas outras camadas prejudicada. A classe média perdeu status. Os ricos se distanciaram e os pobres se aproximaram".
O
que Lula não levou em conta, com seu tosco pragmatismo, é ser a classe
média o contingente do qual brotam os formadores de opinião (além de ser
também importante para os partidos de esquerda como celeiro dos seus
quadros dirigentes). O preço de haver colocado a classe média
acentuadamente contra si foi a perda das ruas a partir de 2013 e o
gradativo convencimento dos mais pobres, de que o governo não prestava.
O
estelionato eleitoral de 2014 e a agudização da crise econômica deram
aos novos líderes da classe média os argumentos que lhes faltavam para
moldar a opinião do povo, no sentido de que a grande culpada por sua
penúria era Dilma. Isto feito, a consumação do impeachment se tornou
mera questão de tempo.
Mais do que qualquer tramoia sinistra ou golpe
inverossímil (pois o episódio atual é idêntico ao de 1992, que não foi
considerado pelo povo nem passou à História como golpe), a queda
iminente de Dilma se deve à descaracterização do PT, que quis porque
quis gerenciar o Brasil para os capitalistas, mesmo que isto implicasse
sua total descaracterização como partido de esquerda.
De
que outra forma podemos avaliar o abandono da luta de classes, trocada
pela conciliação de classes? Ou o fato de ter deixado de encarar a
burguesia como a grande inimiga a ser derrotada, enquanto a vacilante classe média poderia, pelo menos em parte, ser conquistada? Para
qualquer marxista digno deste nome, é totalmente estapafúrdia a
proximidade maior com o inimigo de classe do que com os segmentos
intermediários da sociedade.
Mas,
se o petismo é inescrupuloso e desastroso em termos estratégicos, tem
enorme habilidade para manipular seguidores por meio da mais falaciosa
propaganda enganosa, seguindo as pegadas de Joseph Goebbels, o ministro
da Propaganda do Reich nazista. Foi o que se viu na eleição presidencial
de 2014 e é o que está se vendo agora.
Então, já sem esperança nenhuma de reverter a derrubada de Dilma, consegue, com a fábula do golpe, fazer passarem por tragédia as agruras de um governo que está, meramente, caindo de podre.
É
do que precisa para tentar manter sua hegemonia na esquerda face aos
questionamentos que inevitavelmente advirão do seu retumbante fracasso.
Será a marcha para a irrelevância. (Por Celso Lungaretti)