Do Blog do Vlad
Por Vladimir Aras — Mestre em Direito Público pela UFPE, professor assistente de Processo Penal da Universidade Federal da Bahia e membro do Ministério Público Federal.
Réus estrangeiros gozam de direitos especiais para que lhes seja assegurado o devido processo legal.
Imagine-se sentado no banco dos réus num país estrangeiro. Imagine-se no papel de Richard Gere em Justiça Vermelha (Red Corner, 1997), há uma acusação de homicídio e você não fala mandarim.
Num caso de tráfico de pessoas envolvendo réus africanos (Operação
Coiote), o TRF da 3ª Região, que abrange os Estados de São Paulo e Mato
Grosso do Sul, decidiu que a Justiça Federal pode usar o Google Tradutor para traduzir sentença condenatória proferida contra réu estrangeiro.
A decisão foi proferida pela 1ª Turma do TRF-3, que considerou “válida sentença traduzida para réu estrangeiro por meio do Google” (Apelação Criminal 0006151-21.2009.4.03.6119/SP).
O acusado, de nacionalidade etíope, foi condenado a 11 anos e
10 dias de reclusão por associação criminosa, falsificação e uso de
documento falso e corrupção ativa. Como o réu é estrangeiro, o juiz
mandou traduzir a sentença pelo Google, e o sentenciado alegou em
apelação a violação da ampla defesa no aspecto da compreensão cabal da condenação.
No Expediente Administrativo nº 2011.01.0218 COGE, a Corregedoria Regional da Justiça Federal da 3ª Região autorizou o “uso
do Google Tradutor pelas Varas Federais Criminais da 3ª Região para
traduzir atos processuais e decisões que demandam a citação, notificação
e intimação de eventuais investigados ou réus estrangeiros em seu
idioma pátrio“, o que seria uma “boa prática processual“.
Embora a alegação defensiva na Operação Coiote não seja suficiente para invalidar o ato, o uso do Google é mesmo uma boa prática? O “ó” tem som de “u”?
Onde está o problema? A ferramenta de tradução do Google ainda não é capaz de traduzir textos jurídicos do português a outros idiomas com eficiência e clareza suficientes. Um dia será. Contudo, hoje é temerário confiar um ato processual a uma aplicação de internet ainda precária, que apresenta qualidade sofrível mesmo para o português ordinário. Tal deficiência é ainda mais grave quando é preciso traduzir termos técnicos do jargão forense, o tal juridiquês.