Do Blogue Náufrago da Utopia
Por Dalton Rosado
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| Um desabafo de Dalton Rosado | 
O DESVIRTUAMENTO DE PRINCÍPIOS
No
 tempo da ingenuidade, que todos temos pois ninguém nasce experiente, eu
 acreditava que poderia haver partidos políticos que respeitassem as 
opiniões divergentes na busca da melhor solução para os problemas 
sociais. Cheguei à conclusão que isso não é possível, pois o poder 
corrompe e a continuidade no poder corrompe muito mais. 
Foi imbuído do sentimento de credulidade ingênua que ajudei a criar o PT
 em Fortaleza e, por extensão, no Ceará. Era o ano de 1981. A vida nos 
ensina e retira de nós a ingenuidade, mas podemos preservar a pureza de 
sentimentos. É o que tento fazer.
Advogado defensor de quem era preso pela Polícia Federal; de favelados 
despejados de suas moradias; de sindicatos que sofriam intervenções 
ditatoriais; e defensor da anistia aos presos políticos e 
redemocratização, entre outras lutas, vivi um período em que as 
diferenças no campo ideológico da esquerda eram mascaradas por um 
objetivo comum: derrubar o regime militar e restaurar o estado de 
Direito. 
Foi na esteira desses acontecimentos é que o PT de Fortaleza elegeu em 
1985 Maria Luíza Fontenele, que iria governar contra tudo e contra 
todos. Ajudei na coordenação da campanha dirigida por Jorge Paiva. Só 
não imaginava que iríamos governar contra a própria esquerda, pois cedo o
 próprio PT passou a divergir da postura de não conciliação com as 
tradicionais forças conservadoras da elite brasileira (o presidente 
Sarney jamais aceitou receber a prefeita em audiência. Esse mesmo Sarney
 que se tornaria grande aliado do PT, posteriormente). 
A direita e a esquerda se aliaram no ataque á administração popular de 
Maria Luíza, que terminou o seu mandato graças à tenacidade de muitos 
combatentes revolucionários que se ombrearam em sua defesa. Ali já 
ficava claro o rumo político de conciliação com a burguesia que o PT 
iria tomar objetivando o acesso e a tentativa de permanência no poder. 
Fomos expulsos do PT.
Assim, relembremos como Lula respondeu a uma pergunta sobre nós no programa Roda Viva: 
AUGUSTO NUNES:
 Lula, por que o candidato [apoiado por] Maria Luiza [Dalton Rosado, do 
Partido Humanista], nesse caso, teve 3% dos votos? Você acha que o povo 
foi tão ingrato assim?  
LULA:
 Em Fortaleza, a grande briga que houve -e a imprensa publicou com certa
 dosagem de razão-, o grande problema que existia era a briga entre o 
partido e Maria Luiza. Porque a companheira Maria Luiza -eu não tenho 
procuração; não tive para defendê-la, como não tenho para acusá-la- 
entendeu que o partido não existia e não houve relacionamento com o 
partido. 
Ou
 seja, não é que o partido quer administrar, mas o partido tem 
responsabilidade perante a sociedade, porque é ele que responde para a 
sociedade; e, quando o partido tenta elaborar um projeto, o partido não 
elabora um projeto para a prefeita cumprir ou para o prefeito cumprir, o
 partido elabora um projeto para ser discutido no centro da sociedade 
como proposta partidária. E é exatamente aí que trombaram PT e Maria 
Luiza, e é por isso que ela se afastou do partido e saiu muito 
desgastada. 
Está
 aí o resultado. E por que ela saiu do PT? Porque ela imaginava que, no 
PT, ainda se podia fazer política na base do coronelismo, ou seja, 
alguém, por ser famoso, coloca um candidato debaixo do braço e, a partir
 daí, obriga o partido a aceitar. Ela tentou impor um candidato, o 
partido tinha feito uma coligação democraticamente discutida no partido e
 o partido resolveu indicar outro. O que aconteceu? O partido provou que
 estava certo e que a Maria Luiza tinha entrado num barco furado.
ADMINISTRAÇÃO POPULAR x CONCILIAÇÃO 
DO PT COM AS FORÇAS CONSERVADORAS 
 A verdade
 é que Maria Luíza foi a primeira prefeita mulher de uma capital e a 
primeira vitória do PT para um cargo executivo importante. Isto sem 
contar com nenhum vereador e sem que as capitais tivessem autonomia 
financeira (pois funcionavam como secretarias do Estado, uma vez que até
 então os prefeitos eram escolhidos pelos governadores, distorção que 
somente foi superada pela Constituição de outubro de 1988, cuja entrada 
em vigência se deu em 1989, após o fim do seu mandato). 
Assim, lutou com imensas dificuldades e, inclusive, com a oposição de 
parte do PT local e nacional, pois a prefeita não aceitava compactuar 
com métodos de administração tradicionais (o habitual toma-lá-dá-cá). 
Ademais, havia uma divergência ideológica com parte do PT local e 
nacional, pois o grupo de Maria Luíza tinha orientação marxista, e os 
marxistas estavam sendo perseguidos pelo grupo Articulação, do Lula. 
Muitos marxistas aderiram ao lulismo petista (José Dirceu, José Genoíno,
 Tarso Genro, José Guimarães e outros) e escaparam da degola. A expulsão
 da Maria Luíza, juntamente com o seu candidato à sucessão (eu, Dalton 
Rosado), que tinha amplas chances de vitória interna, no diretório 
municipal, deu-se por decisão de cúpula do diretório regional, 
obedecendo a orientação do diretório nacional, pela não aceitação da 
postura política e administrativa do seu grupo.
A conciliação do PT nacional com segmentos tradicionais e seus 
tradicionais métodos começou a se evidenciar a partir daí. Além da 
perseguição petista, da oposição de partidos como o PCdoB e hostilização
 que sofria da imprensa tradicional, a chamada Administração Popular
 sofreu a perseguição dos governos Tasso Jereissati (estadual) e do José
 Sarney (federal) num momento de forte dependência econômica e 
tributária a esses governos. 
Daí decorreram graves dificuldades de administração, que lhe acarretaram
 impopularidade, mas pôde equilibrar as finanças públicas municipais, de
 modo a que o seu sucessor, Ciro Gomes, encontrasse uma prefeitura 
saneada e apta a receber os inúmeros projetos que se encontravam 
encalhados no Governo Federal (além de poder com a nova realidade de 
recursos financeiros estabelecidos na nova Constituição). Ciro Gomes se 
beneficiou dessa condição inicial, pois subiu meteoricamente de prefeito
 para Governador em apenas um ano de mandato.
Assim, não é verdade  que eu, Dalton Rosado, advogado de causas 
populares e militante do PT desde 1981,  secretário de Finanças da 
Administração Popular, fosse um candidato de algibeira, como se diz no jargão dos coronéis do sertão. Os fatos estavam em desacordo com a afirmação de Lula.

 
 
 
