Quarta, 27 de abril de 2016
do MPF
Para Ela Wiecko, o modelo da medida provisória é
intrinsecamente precário e inseguro, ao permitir negociações sem a
participação do MP
Foto: Antônio Augusto SECOM/PGR/MPF
“O modelo de acordo de leniência fixado pela medida provisória
(MP 703/2015), pulverizado quanto aos órgãos autorizados a celebrá-lo e
sem parâmetros e condições apropriadas fixadas na lei, sem adequados
mecanismos de supervisão e sem participação necessária do Ministério
Público, permite lesão aos valores da função social da propriedade e da
livre concorrência”. O entendimento é da Procuradoria-Geral da República
em parecer enviado, nessa segunda-feira, 25 de abril, ao Supremo
Tribunal Federal (STF), pela procedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5466) proposta pelo Partido Popular
Socialista (PPS) contra a norma.
A ação destaca que, ao prever que acordo de leniência celebrado com base na Lei Anticorrupção Empresarial produza efeito substancial na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 2 de junho de 1992), com afastamento total da responsabilização que se processa de forma autônoma na esfera cível, a norma colide com a vedação constitucional introduzida em 2001 exatamente para evitar alterações por essa via sem debate no Congresso Nacional sobre matéria que pode fragilizar a atuação do Ministério Público, principal instituição que atua em defesa do patrimônio público.
Em parecer, a procuradora-geral da República em exercício, Ela Wiecko, assinala que a medida provisória, além de não conter fundamentação mínima de urgência, não atende ao requisito formal inerente à provisoriedade da medida. Portanto, a norma é formalmente inconstitucional porque fere os princípios constitucionais da finalidade e da eficiência da ação estatal, ao desfigurar na essência o instituto dos acordos de leniência.
Mérito – Ao analisar o mérito, Ela Wiecko afirma que a Medida Provisória 703/2015 revogou a restrição prevista na Lei 12.846/2013, que permitia o acordo apenas com a primeira pessoa jurídica que nele manifestasse interesse. “Não se pode tratar a leniência como instituto de alcance geral, cujas vantagens potenciais possam vir a ser consideradas como variáveis no cálculo de riscos e bônus dos negócios das pessoas jurídicas”, explica.
Para Ela Wiecko, se qualquer pessoa, física ou jurídica, a qualquer momento, puder celebrar acordo de leniência, “não haverá incentivo a que se rompam os vínculos de silêncio e conivência que caracterizam, em grande medida, os ilícitos cometidos contra a administração pública envolvendo pessoas jurídicas (como nos casos de cartelização e fraude em concorrências, conluio em licitações e com agentes públicos etc.)”.
No parecer, ela compara o acordo de leniência com a colaboração premiada da esfera criminal. Ela explica que, assim como é necessário que, a cada proposta de acordo de colaboração fatos novos e desconhecidos do poder público, acompanhados das respectivas provas, sejam oferecidos à autoridade do Ministério Público responsável pela apuração, não se afigura relevante, para a elucidação do que já se saiba, cooperação que venha a ser prestada tardiamente, sem acrescentar revelações. “Nesse caso, haveria apenas benefício para o infrator (pessoa física ou jurídica), sem ganho para a coletividade. Isso inverte por completo a lógica do acordo de leniência, que também deve resultar em benefício para a sociedade, não apenas para a parte privada”, afirma.
Celebração de acordos – Outro ponto questionado é a alteração imposta pela Medida Provisória para permitir que a União, estados, Distrito Federal e municípios, por meio de órgãos de controle interno, de forma isolada ou com o Ministério Público ou a advocacia pública, celebrem acordo de leniência.
De acordo com o parecer, a competência excessivamente ampla para celebração dos acordos, com reflexos potenciais sobre ações de improbidade e todos os benefícios do artigo 16, parágrafo 2º, da lei alterada pela Medida Provisória, “debilita fortemente o princípio da responsabilidade, deturpa a finalidade do instituto da leniência e fere a eficiência da administração pública na prevenção e repressão de atos ilícitos”.
Ela Wiecko explica que os frequentes ilícitos com recursos públicos passariam a estar sujeitos a acordos de leniência firmados por órgãos submetidos a governantes – não raro responsáveis pelos próprios ilícitos –, sem necessidade de revisão interna nem acompanhamento do Ministério Público.
De acordo ela, é essencial que acordos de leniência tenham participação do Ministério Público, seja como parte, seja como fiscal da ordem jurídica (custos legis), a fim de que possa ter conhecimento de seus termos e impugnar judicialmente aqueles que se divorciarem da Constituição e das leis. “A possibilidade de acordos de leniência sem participação nem fiscalização do Ministério Público é contraproducente para a própria finalidade da Medida Provisória 703/2015”, conclui.
Segundo a procuradora-geral da República em exercício, “essa possibilidade gera insegurança jurídica para as próprias empresas potencialmente interessadas, pois os benefícios acordados poderiam vir a ser suspensos ou cassados e seus dirigentes poderiam ser acusados criminalmente, a depender das circunstâncias”. Para Ela Wiecko, talvez essa seja uma das causas para não ter havido, até agora, nenhum acordo de leniência firmado com base na medida provisória. “As empresas potencialmente interessadas percebem que o modelo da medida provisória é intrinsecamente precário e inseguro, ao alijar o Ministério Público das negociações”, comenta.
Ela Wiecko acrescenta que em investigações, sobretudo as complexas, com possibilidade de
emprego de instrumentos como a colaboração premiada (regida pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013), é fundamental a participação do Ministério Público nos acordos de leniência, a fim de que possa julgar os efeitos globais do acordo sobre a responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas, para além da esfera administrativa. “Apenas o Ministério Público pode ter visão de conjunto dos fatos, por conhecer as investigações criminais, naturalmente mais amplas e com possibilidade de conterem elementos até então sigilosos”, destaca.
Medida cautelar – O parecer também manifesta-se pela procedência do pedido de medida cautelar (liminar) por entender que o perigo na demora processual consiste precisamente na grave situação de insegurança jurídica gerada pela aplicação imediata do modelo de acordo de leniência da Medida
Provisória 703/2015, tanto para o poder público e para o Ministério Público quanto para as partes celebrantes.
O parecer será analisado pela minisitra Rosa Weber, relatora da ação no STF.
Íntegra do parecer
A ação destaca que, ao prever que acordo de leniência celebrado com base na Lei Anticorrupção Empresarial produza efeito substancial na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 2 de junho de 1992), com afastamento total da responsabilização que se processa de forma autônoma na esfera cível, a norma colide com a vedação constitucional introduzida em 2001 exatamente para evitar alterações por essa via sem debate no Congresso Nacional sobre matéria que pode fragilizar a atuação do Ministério Público, principal instituição que atua em defesa do patrimônio público.
Em parecer, a procuradora-geral da República em exercício, Ela Wiecko, assinala que a medida provisória, além de não conter fundamentação mínima de urgência, não atende ao requisito formal inerente à provisoriedade da medida. Portanto, a norma é formalmente inconstitucional porque fere os princípios constitucionais da finalidade e da eficiência da ação estatal, ao desfigurar na essência o instituto dos acordos de leniência.
Mérito – Ao analisar o mérito, Ela Wiecko afirma que a Medida Provisória 703/2015 revogou a restrição prevista na Lei 12.846/2013, que permitia o acordo apenas com a primeira pessoa jurídica que nele manifestasse interesse. “Não se pode tratar a leniência como instituto de alcance geral, cujas vantagens potenciais possam vir a ser consideradas como variáveis no cálculo de riscos e bônus dos negócios das pessoas jurídicas”, explica.
Para Ela Wiecko, se qualquer pessoa, física ou jurídica, a qualquer momento, puder celebrar acordo de leniência, “não haverá incentivo a que se rompam os vínculos de silêncio e conivência que caracterizam, em grande medida, os ilícitos cometidos contra a administração pública envolvendo pessoas jurídicas (como nos casos de cartelização e fraude em concorrências, conluio em licitações e com agentes públicos etc.)”.
No parecer, ela compara o acordo de leniência com a colaboração premiada da esfera criminal. Ela explica que, assim como é necessário que, a cada proposta de acordo de colaboração fatos novos e desconhecidos do poder público, acompanhados das respectivas provas, sejam oferecidos à autoridade do Ministério Público responsável pela apuração, não se afigura relevante, para a elucidação do que já se saiba, cooperação que venha a ser prestada tardiamente, sem acrescentar revelações. “Nesse caso, haveria apenas benefício para o infrator (pessoa física ou jurídica), sem ganho para a coletividade. Isso inverte por completo a lógica do acordo de leniência, que também deve resultar em benefício para a sociedade, não apenas para a parte privada”, afirma.
Celebração de acordos – Outro ponto questionado é a alteração imposta pela Medida Provisória para permitir que a União, estados, Distrito Federal e municípios, por meio de órgãos de controle interno, de forma isolada ou com o Ministério Público ou a advocacia pública, celebrem acordo de leniência.
De acordo com o parecer, a competência excessivamente ampla para celebração dos acordos, com reflexos potenciais sobre ações de improbidade e todos os benefícios do artigo 16, parágrafo 2º, da lei alterada pela Medida Provisória, “debilita fortemente o princípio da responsabilidade, deturpa a finalidade do instituto da leniência e fere a eficiência da administração pública na prevenção e repressão de atos ilícitos”.
Ela Wiecko explica que os frequentes ilícitos com recursos públicos passariam a estar sujeitos a acordos de leniência firmados por órgãos submetidos a governantes – não raro responsáveis pelos próprios ilícitos –, sem necessidade de revisão interna nem acompanhamento do Ministério Público.
De acordo ela, é essencial que acordos de leniência tenham participação do Ministério Público, seja como parte, seja como fiscal da ordem jurídica (custos legis), a fim de que possa ter conhecimento de seus termos e impugnar judicialmente aqueles que se divorciarem da Constituição e das leis. “A possibilidade de acordos de leniência sem participação nem fiscalização do Ministério Público é contraproducente para a própria finalidade da Medida Provisória 703/2015”, conclui.
Segundo a procuradora-geral da República em exercício, “essa possibilidade gera insegurança jurídica para as próprias empresas potencialmente interessadas, pois os benefícios acordados poderiam vir a ser suspensos ou cassados e seus dirigentes poderiam ser acusados criminalmente, a depender das circunstâncias”. Para Ela Wiecko, talvez essa seja uma das causas para não ter havido, até agora, nenhum acordo de leniência firmado com base na medida provisória. “As empresas potencialmente interessadas percebem que o modelo da medida provisória é intrinsecamente precário e inseguro, ao alijar o Ministério Público das negociações”, comenta.
Ela Wiecko acrescenta que em investigações, sobretudo as complexas, com possibilidade de
emprego de instrumentos como a colaboração premiada (regida pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013), é fundamental a participação do Ministério Público nos acordos de leniência, a fim de que possa julgar os efeitos globais do acordo sobre a responsabilidade de pessoas físicas e jurídicas, para além da esfera administrativa. “Apenas o Ministério Público pode ter visão de conjunto dos fatos, por conhecer as investigações criminais, naturalmente mais amplas e com possibilidade de conterem elementos até então sigilosos”, destaca.
Medida cautelar – O parecer também manifesta-se pela procedência do pedido de medida cautelar (liminar) por entender que o perigo na demora processual consiste precisamente na grave situação de insegurança jurídica gerada pela aplicação imediata do modelo de acordo de leniência da Medida
Provisória 703/2015, tanto para o poder público e para o Ministério Público quanto para as partes celebrantes.
O parecer será analisado pela minisitra Rosa Weber, relatora da ação no STF.
Íntegra do parecer