Sexta, 9 de dezembro de 2016
Da Abrasco — Associação Brasileira de Saúde Coletiva
O
apelo do Sr. Alston às autoridades brasileiras foi endossado também
pelos da Relatora Especial sobre o Direito à Educação, Sra. Koumbou Boly
Barry - Reprodução ONU
Conselho de Direitos Humanos da ONU divulgou nesta sexta-feira para imprensa mundial uma nota oficial sobre os impactos da austeridade no Brasil. Confira o texto na íntegra:
Os planos do governo de congelar o gasto social no Brasil por 20 anos
são inteiramente incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do
Brasil, de acordo com o Relator Especial da ONU para extrema pobreza e
direitos humanos, Philip Alson. O efeito principal e inevitável da
proposta de emenda constitucional elaborada para forçar um congelamento
orçamentário como demonstração de prudência fiscal será o prejuízo aos
mais pobres nas próximas décadas, alertou o Relator. A emenda, que
deverá ser votada pelo Senado Brasileiro no dia 13 de Dezembro, é
conhecida como PEC 55 ou o novo regime fiscal.
“Se adotada, essa emenda bloqueará gastos em níveis inadequados e
rapidamente decrescentes na saúde, educação e segurança social,
portanto, colocando toda uma geração futura em risco de receber uma
proteção social muito abaixo dos níveis atuais.” O Relator Especial
nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou ao Governo
Brasileiro que garanta um debate público apropriado sobre a PEC 55, que
estime seu impacto sobre os setores mais pobres da sociedade e que
identifique outras alternativas para atingir os objetivos de
austeridade.
“Uma coisa é certa”, ele ressaltou. “É completamente inapropriado
congelar somente o gasto social e atar as mãos de todos os próximos
governos por outras duas décadas. Se essa emenda for adotada, colocará o
Brasil em uma categoria única em matéria de retrocesso social”. O plano
de mudar a Constituição para os próximos 20 anos vem de um governo que
chegou ao poder depois de um impeachment e que, portanto, jamais
apresentou seu programa a um eleitorado. Isso levanta ainda maiores
preocupações sobre a proposta de amarrar as mãos de futuros governantes.
O Brasil é a maior economia da América Latina e sofre sua mais grave
recessão em décadas, com níveis de desemprego que quase dobraram desde o
início de 2015. O Governo alega que um congelamento de gastos
estabelecido na Constituição deverá aumentar a confiança de
investidores, reduzindo a dívida pública e a taxa de juros, e que isso,
consequentemente, ajudará a tirar o país da recessão. Mas o relator
especial alerta que essa medida terá um impacto severo sobre os mais
pobres.
“Essa é uma medida radical, desprovida de toda nuance e compaixão”,
disse ele. “Vai atingir com mais força os brasileiros mais pobres e mais
vulneráveis, aumentando os níveis de desigualdade em uma sociedade já
extremamente desigual e, definitivamente, assinala que para o Brasil os
direitos sociais terão muito baixa prioridade nos próximos vinte anos.”
Ele acrescentou: “Isso evidentemente viola as obrigações do Brasil de
acordo com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais que o pais ratificou em 1992, que veda a adoção de “medidas
deliberadamente regressivas” a não ser que não exista nenhuma outra
alternativa e que uma profunda consideração seja dada de modo a garantir
que as medidas adotadas sejam necessárias e proporcionais.”
O Sr. Alston apontou que, nas ultimas décadas, o Brasil estabeleceu
um impressionante sistema de proteção social voltado para erradicar a
pobreza e o reconhecimento dos direitos à educação, saúde, trabalho e
segurança social. “Essas políticas contribuíram substancialmente para
reduzir os níveis de pobreza e desigualdade no país. Seria um erro
histórico atrasar o relógio nesse momento,” disse ele.
O Plano Nacional de Educação no Brasil clama pelo aumento de 37
bilhões de reais anualmente para prover uma educação de qualidade para
todos os estudantes, enquanto a PEC reduzirá o gasto planejado em 47
bilhões de reais nos próximos oito anos. Com mais de 3,8 milhões de
crianças fora da escola, o Brasil não pode ignorar o direito deles de ir
à escola, nem os direitos de todas as crianças a uma educação de
qualidade. O debate sobre a PEC 55 foi apressadamente conduzido no
Congresso Nacional pelo novo Governo com a limitada participação dos
grupos afetados, e sem considerar seu impacto nos direitos humanos. Um
estudo recente sugere que 43% dos brasileiros não conhecem a emenda, e
entre aqueles que conhecem, a maioria se opõe a ela.
O relator especial, que está em contato com o Governo Brasileiro para
entender melhor o processo e a substancia da emenda proposta, ressaltou
que “mostrar prudência econômica e fiscal e respeitar as normas
internacionais de direitos humanos não são objetivos mutuamente
excludentes, já que ambos focam na importância de desenhar medidas
cuidadosamente de forma a evitar ao máximo o impacto negativo sobre as
pessoas.” “Efeitos diretamente negativos têm que ser equilibrados com
potenciais ganhos a longo prazo, assim como esforços para proteger os
mais vulneráveis e os mais pobres na sociedade”, disse ele.
“Estudos econômicos internacionais, incluindo pesquisas do Fundo
Monetário internacional, mostram que a consolidação fiscal tipicamente
tem efeitos de curto prazo, reduzindo a renda, aumentando o desemprego e
a desigualdade de renda. E a longo prazo, não existe evidência empírica
que sugira que essas medidas alcançarão os objetivos sugeridos pelo
Governo,” salientou o relator especial. O apelo do Sr. Alston às
autoridades brasileiras foi endossado também pelos a Relatora Especial
sobre o Direito à Educação, Sra. Koumbou Boly Barry.
Os Relatores Especiais são parte do que é conhecido como
Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos
Especiais, o maior corpo de peritos independentes do sistema ONU para
Direitos Humanos, é o nome dado aos mecanismos independentes para
monitoramento do Conselho. Relatores especiais são especialistas em
direitos humanos apontados pelo Conselho de Direitos Humanos para tratar
de questões específicas de país ou temáticas em todo o mundo. Eles não
são funcionários da ONU e são independentes de qualquer governo ou
organização. Eles servem em capacidade individual e não recebem salário
por seu trabalho.