Quarta, 2 de agosto de 2017
Delito ocorre quando funcionários
públicos concedem ou prometem vantagem indevida em troca de pagamento ou
ao menos de uma oferta de compensação
Por Veja.com Foto: Reprodução/Divulgação/Marcos Corrêa/Pr/ Fotos Públicas
Blog do Sombra
Quase um ano após a sua posse definitiva na Presidência da República,
em agosto de 2016, Michel Temer (PMDB) enfrenta uma pecha diferente da
que gostaria: é o primeiro chefe de estado brasileiro a ser denunciado
por crime comum. A acusação, apresentada pela Procuradoria-Geral da
República (PGR) e que requer a autorização da Câmara dos Deputados para
ser analisada pela Justiça, é a de corrupção passiva.
O crime é definido pelo artigo 317 do Código Penal, que prevê o
seguinte: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. É
um delito que só pode ser cometido por funcionários públicos e que fica
caracterizado quando este oferece ou aceita um benefício em troca de um
favorecimento indevido, que só seja possível pela função que ocupa.
No caso da acusação contra o Temer, o procurador-geral Rodrigo Janot
afirma que o presidente e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures,
funcionários públicos, promoveram vantagens irregulares para a JBS em
troca de pagamentos em dinheiro por parte do grupo. Nesse caso, o
empresário Joesley Batista, dono do grupo empresarial, estaria na outra
ponta, com o delito de corrupção ativa, que é justamente prometer ou
concretizar esses pagamentos aos agentes do poder público. O empresário,
no entanto, não vai responder pelo crime – o acordo de colaboração
premiada firmado com a Procuradoria prevê que ele não seja processado de
nenhuma forma.
Uma das principais alegações de defesa do presidente, a de que ele não
recebeu nem um real de Batista, não é suficiente para invalidar a
acusação, explica Fernando Castelo Branco, especialista em direito penal
econômico e professor do Instituto de Direito Público de São Paulo
(IDP-SP). “Para a consumação do crime basta que a pessoa solicite a
vantagem, mesmo que não a receba diretamente”, afirma.
Narrativa
Trata-se, portanto, de um enquadramento diferente da concussão, que
prevê que o acusado exija o pagamento ou a vantagem. Castelo Branco, no
entanto, ressalta que a PGR precisa apresentar “uma sequência lógica de
fatos” para validar a denúncia dentro desta definição, esclarecendo o
caminho pelo qual a vantagem foi oferecida pelos corruptores e aceita
pelos corruptos. Na peça apresentada por Janot, a narrativa é a que
segue:
Os fatos, segundo Janot
1. Em 06/03, Joesley Batista e Rodrigo Rocha Loures se reuniram em São Paulo e combinaram um encontro do empresário com o presidente Michel Temer.
2. Em 07/03, Joesley Batista foi ao Palácio do Jaburu, em Brasília, ser
recebido por Temer. Ele relatou diversos assuntos para os quais
dependeria de ajuda, ao que o presidente indicou o próprio Rocha Loures
como seu representante.
3. Em 13 e 16/03, Joesley Batista e Rocha Loures se encontraram duas
vezes. No primeiro dia, Joesley informou Loures que Temer autorizou que
ele intercedesse em seu favor. No segundo, relatou qual era o benefício
de que necessitava: uma atuação junto ao Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade), que analisava uma questão de gás natural de
interesse da JBS. No mesmo dia e com o telefone em viva voz, Loures
telefona para Gilvandro Vasconcelos, presidente do Cade, que teria
“entendido perfeitamente” o que deveria fazer – como não teria a
influência necessária para tal, conclui Janot, Loures falou com o
executivo em nome de Temer. E o empresário estabelece em 5% a comissão a
ser paga, o que representaria entre 19 e 38 milhões de reais até
dezembro.
4. Em 13/04, a Petrobras e a EPE Cuiabá – empresa do grupo JBS –
firmaram um contrato de compra e venda de gás natural, que atendia aos
interesses de Joesley Batista e de Ricardo Saud, executivo da JBS. Na
sequência, a Petrobras pediu ao Cade que extinguisse o processo.
5. Em 24/04, Loures e Saud se encontram em uma cafeteria em São Paulo.
Saud combina o valor da propina, que poderia ser de R$ 500 mil ou R$ 1
milhão por semana, dependendo do preço do gás.
6. Em 28/04, em uma pizzaria também de São Paulo, Loures recebeu de
Saud, em ação controlada registrada pela PF R$ 500 mil em uma mala de
dinheiro.
A conclusão de Janot: Batista e Saud prometeram a Loures e Temer um
pagamento em dinheiro. Em troca, Loures, em nome de Temer, prometeu
vantagens ilícitas para a JBS, comprovadas pela interferência do
ex-assessor no Cade e pelo contrato entre a Petrobras e a EPE Cuiabá.
Para o procurador, já que Loures não tem poderes para dar ordens ao
presidente do Cade ou a dirigentes da Petrobras, só pode ter agido com a
autorização de Temer. Portanto, avalia, fica configurado o crime de
corrupção passiva.
Na análise de uma denúncia de corrupção passiva, portanto, deve-se
levar em conta se a sequência de fatos apresentada, entre o oferecimento
de uma vantagem e o recebimento de uma contrapartida, é consistente e
tem elementos suficientes para que seja aceita e julgada.
Por se tratar de uma denúncia contra um presidente da República por
atos ocorridos no decorrer do mandato, o trâmite é diferente do
tradicional. Após a apresentação da peça pelo Ministério Público Federal
(MPF), caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final
sobre a aceitação, ou não, do pedido. No entanto, o STF só pode aceitar a
denúncia com a autorização da Câmara dos Deputados. Os deputados devem
decidir sobre isso na quarta-feira.
O relatório que será votado, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), é
contra a concessão de autorização para que Temer se torne réu. Se o
parecer for rejeitado e a Câmara, portanto, der o aval, o caso vai para o
Supremo. Se a Corte decidir receber a denúncia, o presidente é afastado
do cargo por até 180 dias, período em que a Justiça deve julgá-lo. Se
for considerado culpado, é cassado em definitivo e pode ser condenado a
uma pena que varia entre dois e doze anos de prisão em regime fechado, o
mesmo para Rocha Loures. No entanto, se a Câmara não autorizar o
prosseguimento da denúncia ou o STF não aceitá-la, a acusação é
arquivada.