Quarta, 18 de outubro de 2017
Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
Em protesto contra a mudança nas regras de
fiscalização e combate ao trabalho análogo à escravidão e ao que
classificam como uma tentativa de “esvaziamento” de suas atribuições,
fiscais do trabalho de pelo menos 17 estados decidiram suspender as
ações de vigilância até que o Ministério do Trabalho revogue a Portaria 1.129, publicada nesta segunda-feira (16).
Segundo
o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho
(Sinait), Carlos Fernando da Silva Filho, os coordenadores estaduais das
17 unidades da federação em que a categoria aprovou a suspensão da
fiscalização notificaram o Ministério do Trabalho hoje (18). O
ministério, no entanto, afirma ainda não ter sido oficialmente informado
sobre protestos ou paralisações.
“Vão ser concluídas apenas
algumas operações que já estavam em curso ou prestes a ser deflagradas.
Todas as demais fiscalizações vão ser paralisadas até que o ministro
revogue esta portaria absurda”, declarou Filho à Agência Brasil.
Para
os fiscais, as novas regras para a caracterização de trabalho análogo
ao escravo e para atualização do cadastro de empregadores que tenham
submetido pessoas a essa condição (a chamada lista suja do trabalho
escravo) interferem no trabalho de fiscalização, gerando maior
insegurança para os auditores exercerem seu trabalho.
Saiba Mais
Entre
as mudanças resultantes da publicação da portaria está a previsão de
que só o ministro do Trabalho pode incluir na chamada Lista Suja do
Trabalho Escravo os nomes dos empregadores que submeterem pessoas às
condições semelhantes à escravidão. Só o ministro poderá autorizar a
divulgação da relação. Antes, a inclusão dos empregadores flagrados e a
divulgação da lista era feita pelos técnicos.
A portaria
ministerial também estabelece novas regras para a caracterização de
trabalho escravo. Enquanto o artigo 149 do Código Penal classifica como
crime submeter alguém a realizar trabalhos forçados ou a cumprir
jornadas exaustivas em condições degradantes de trabalho, a portaria
exclui a possibilidade do fiscal autuar ao flagrar trabalhadores
expostos à condições degradantes ou jornadas exaustivas caso não fique
configurada restrição a sua liberdade de ir e vir. Ou seja, segundo a
portaria ministerial, a escravidão se caracterizaria apenas pela coação
ou cerceamento da liberdade de ir e vir, patente quando se verifica a
presença de seguranças armados para limitar a movimentação dos
trabalhadores ou pela apreensão de documentos.
“Essa portaria é
descabida e ilegal, pois fere o ordenamento jurídico brasileiro e as
convenções internacionais de que o Brasil é signatário. O ministro não
pode interferir assim no trabalho dos fiscais. Como a legislação
estabelece que nenhum servidor está obrigado a cumprir uma ordem ilegal,
estamos seguros quanto ao acerto da paralisação”, disse Filho, prevendo
que o debate em torno da portaria ministerial vai “dividir aqueles que
estão preocupados com a dignidade dos trabalhadores daqueles que se
valem da exploração do trabalho escravo”.
Procurado, o
ministério informou que não foi “oficialmente” comunicado sobre
paralisações ou protestos de auditores fiscais do trabalho. Em nota
divulgada na segunda-feira (16), a pasta defendeu que a portaria vai
“aprimorar e dar segurança jurídica à atuação do Estado”.
Segundo
o ministério, as novas disposições sobre os conceitos de trabalho
forçado, jornada exaustiva e condições análogas a de escravo servem à
concessão de seguro-desemprego para quem vier a ser resgatado em
fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho.
“O
combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de Estado,
que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com
resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e
na inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais
básicos princípios da dignidade da pessoa humana”, sustenta o
ministério.
Ontem (17), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram
ao Ministério do Trabalho que revogue a portaria, classificada por
procuradores que assinaram a recomendação como um ato “ilegal” que
afronta o Código Penal e decisões da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e do Supremo Tribunal Federal (STF). “A referida portaria
traz conceitos equivocados e tecnicamente falhos dos elementos
caracterizadores do trabalho escravo, sobretudo de condições degradantes
de trabalho e jornadas exaustivas”, afirmam os procuradores.