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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Portaria do governo Temer que altera conceito de trabalho escravo implica retrocesso na proteção da dignidade humana, afirma PGR

Quarta, 18 de outubro de 2017
Do MPF
Em audiência com o ministro do Trabalho, realizada na manhã de hoje (18), Raquel Dodge afirmou que norma fere a Constituição e deve ser revista
Portaria que altera conceito de trabalho escravo implica retrocesso na proteção da dignidade humana, afirma PGR
Foto: Antônio Agusto/Secom/PGR







Um retrocesso à garantia constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. Assim a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, classificou a Portaria MTB nº1129/2017, editada há dois dias pelo Ministério do Trabalho. A norma tem sido criticada por dificultar a punição ao trabalho escravo no país. Nesta quarta-feira (18), Raquel Dodge recebeu o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, quando oficializou pedido de revogação da portaria.
A procuradora-geral entregou ao ministro ofício em que chama atenção para as violações constitucionais que podem ser efetivadas a partir do cumprimento da norma, além de uma recomendação elaborada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Ao explicar ao ministro os fundamentos que levaram o Ministério Público Federal a reagir ao novo regramento, a procuradora-geral destacou a dignidade humana, garantida na Constituição, e não apenas a liberdade de ir e vir. “A portaria volta a um ponto que a legislação superou há vários anos”, resumiu a PGR, completando que a proteção estabelecida na política pública anterior tem o propósito de impedir ações que “coisificam” o trabalhador, que está na raiz do conceito de escravidão.
Dodge frisou ainda que, na caracterização da condição análoga à de escravidão, é importante verificar a intenção do agente e a combinação de fatores que atentam contra a dignidade humana do trabalhador. “Há casos em que há consentimento do trabalhador, mas em situações como de coação, por exemplo, isso não é válido sob a ótica do direito”, completou.
Sugestões – Raquel Dodge enfatizou a disponibilidade para discutir propostas que criem um marco regulatório que dê segurança a todos, com medidas que não flexibilizem a proteção constitucional ao trabalhador, e que assegurem a punição a quem insiste em manter pessoas em situações análogas à escravidão.
A procuradora-geral sugeriu que a participação da Polícia Federal – prevista na nova portaria – nas inspeções realizadas por auditores do Ministério do Trabalho mantenha o atual caráter de escolta ao auditor fiscal do trabalho e tenha efetivo papel de polícia judiciária da União. “É importante que a Polícia Federal atue para, na condição de polícia judiciária, instaurar inquéritos, avaliar prisões em flagrante, colher depoimentos que podem garantir a punição deste crime que envergonha a todos”, enfatizou.
Recomendação – Nessa terça-feira (17), membros do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho integrantes da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com apoio da Câmara Criminal do MPF (2CCR) e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), elaboraram recomendação para a revogação imediata da Portaria MTB Nº 1129/2017, sob o fundamento de que afronta o artigo 149 do Código Penal e as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O documento, entregue em mãos pela procuradora-geral da República ao ministro do Trabalho, foi acompanhado de ofício em que Dodge acrescentou que o trabalho escravo viola a dignidade e não apenas a liberdade da pessoa humana. “É por esta razão que, ao adotar um conceito de trabalho escravo restrito à proteção da liberdade e não da dignidade humana, a Portaria nº 1129 fere a Constituição, que a garante em seus artigos 1º-III (ao estabelecer que a República tem por fundamento a dignidade da pessoa humana) e 170-caput (ao estabelecer que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna e é fundada na valorização do trabalho humano)”, destacou a PGR.