Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 3 de outubro de 2017

MPF/MG defende direito de pessoas internadas compulsoriamente para tratamento de hanseníase

Terça, 3 de outubro de 2017
MPF/MG defende direito de pessoas internadas compulsoriamente
 Casa de saúde Santa Izabel - Foto: MPF/MG

Do MPF
 
Lei editada em 2007 concedeu pensão especial a pessoas que foram submetidas à política de isolamento em hospitais-colônia para tratamento de hanseníase, mas algumas têm tido seus requerimentos negados pela União
 
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para que a Justiça Federal em Belo Horizonte (MG) obrigue a União a conceder, em favor de nove pessoas, a pensão especial prevista na Lei 11.520/2007.
A condição para o recebimento do benefício é que as pessoas tenham sido submetidas, até 31 de dezembro de 1986, a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia de tratamento para hanseníase.

Os hospitais-colônia funcionavam como verdadeiras cidades isoladas e tinham o objetivo de receber pessoas que as autoridades de saúde consideravam que deveriam ser internadas compulsoriamente para evitar a propagação da doença no país.

Em Minas Gerais, um dos símbolos dessa época é a Colônia Santa Izabel, localizada na zona rural de Betim, na Região Metropolitana da capital, criada para abrigar 1.500 pessoas, mas que chegou a isolar quase o triplo - sete mil pessoas com hanseníase -, que ficavam impedidas de manter qualquer contato com o mundo exterior.

"Para conter os pacientes internados compulsoriamente dentro dos hospitais-colônia, os estabelecimentos contavam com rigoroso controle de acesso, cercas e muros, além de agentes públicos responsáveis por impedir a saída dos internos, bem como por recapturar, com auxílio de agentes de polícia sanitária ou policiais civis ou militares, aqueles que escapavam da colônia. (...) Nesse contexto, além dos graves problemas que a doença acarretava ao indivíduo, durante muito tempo a hanseníase trazia como consequência o isolamento social e os problemas psicológicos naturalmente decorrentes, o que contribuiu para reforçar o estigma e o preconceito que cercavam as pessoas acometidas do bacilo de Hansen", relata na ação o procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto, Edmundo Antônio Dias.

A prática perdurou por vários anos e só começou a ser abandonada gradualmente no país no final da década de 1960. Em Minas Gerais, apenas a partir de 1986 é que os internos começaram a poder exercer seu direito de ir e vir, sem ter que pedir autorização aos diretores das colônias.

Ministério Público - Para o procurador Edmundo Dias, que esteve na Casa de Saúde Santa Izabel e colheu depoimentos de ex-internos durante a instrução do inquérito civil, "a política de saúde pública do Estado brasileiro, durante o século XX, em vários campos, violou direitos humanos de incontável quantidade de pessoas, como ocorreu com as internações compulsórias, que as impediram de ter contato com familiares e de viver uma vida normal em sociedade".

No ano de 2007, reconhecendo a responsabilidade do Estado pela violação dos direitos humanos das pessoas com hanseníase que foram submetidas a internações compulsórias, o então presidente da República editou medida provisória, posteriormente convertida na Lei 11.520, autorizando o Poder Executivo Federal, por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a conceder a essas pessoas uma pensão mensal, vitalícia e intransferível.

O problema, conforme apurado pelo MPF, é que a execução da medida encontrou vários óbices, entre eles, procedimentos de apuração que se limitavam a requisitar documentos a órgãos estaduais de saúde, deixando de realizar diligências necessárias, que poderiam permitir aos requerentes comprovar que foram atingidos pela internação compulsória.

"No caso dos requerentes que foram internados compulsoriamente em Minas Gerais, as informações prestadas pelos órgãos de saúde sempre se mostraram incompletas. Não há sequer registro confiável sobre todas as pessoas internadas compulsoriamente nesses hospitais. Consequentemente, as informações que podem ser prestadas atualmente por órgãos públicos são, na maior parte dos casos, insuficientes para recuperar a história dos pacientes, impondo aos requerentes o ônus de apresentar documentos que comprovem que foram atingidos pela política de internação compulsória para terem direito à pensão criada pela Lei n.º 11.520/2007", relata a ação.

Por outro lado, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República também não garantia a efetividade do direito ao contraditório e a adequada participação dos interessados durante a instrução dos processos, os quais só tinha ciência da decisão de indeferimento do pedido ao final, sem que se lhes fosse aberta a possibilidade de prestar esclarecimentos que ajudassem na produção das provas.

Para o MPF, "a obrigação de reparação de direitos humanos decorre do princípio geral de direito que impõe ao responsável por um dano o dever de repará-lo ou, na impossibilidade de reparação, de compensá-lo. Por isso, por constituir medida de reparação a reiteradas e continuadas violações de direitos humanos, o ônus de comprovação dos requisitos legais para a concessão do benefício não deve recair sobre os atingidos pela política de internação compulsória. Ao contrário, cabe à União adotar todas as medidas para identificar as pessoas que devem receber a reparação".

Pedidos - No caso das nove pessoas que motivaram o ajuizamento da ação - com idades, hoje, que variam entre 51 e 74 anos - a SDH indeferiu os pedidos com fundamento apenas na ausência de provas documentais, sem realizar quaisquer diligências adicionais, sem colher seus depoimentos ou ouvir testemunhas.

O Ministério Público Federal defende que só o fato de a pessoa ter continuado a viver no local da internação ou de ter sido acometida pela doença nos anos em que a internação era compulsória constituem indicativos seguros de ter sido submetida à política de isolamento.

Na ação, o MPF requer ao Poder Judiciário a concessão de liminar, para que as nove pessoas cujos casos foram mencionados na petição inicial passem a receber a pensão especial a que têm direito desde a edição da Lei 11.520/2007.

Além desse pedido específico, a ação também pede que a União seja obrigada a revisar todos os demais pedidos formulados por pessoas de todo o país que afirmaram ter sido vítimas da política de internação compulsória, e que o fizeram com fundamento na Lei n.º 11.520/2007, mas que tiveram os respectivos requerimentos de pensão especial indeferidos. O objetivo é que seja realizada uma análise cuidadosa e proativa, devendo ser colhidos, em todos os casos, o depoimento pessoal dos requerentes e realizada oitiva de testemunhas, estudos sociais e demais diligências cabíveis.


(ACP nº 1007656-76.2017.4.01.3800)

Clique aqui para ter acesso à íntegra da inicial.