Quinta, 19 de outubro de 2017
Da Tribuna da Internet
Jorge Béja
Passou despercebido um erro procedimental crasso e que invalida a
decisão do Senado que devolveu a Aécio Neves (PSDB-MG) o exercício do
mandato de senador da República. Vamos à explicação: em 26/09/2017, no
julgamento da Ação Cautelar nº 4327, a Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF), por 3 a 2, decidiu impor a Aécio as medidas
cautelares de afastamento do exercício do mandato e o seu recolhimento
noturno, em razão do inquérito em que o tucano é investigado a partir
das delações premiadas de executivos da JBS.
Foi uma decisão soberana? Sim. Recorrível? Não. A Primeira Turma
também decidiu pela remessa dos autos, em 24 horas, ao Senado, para
“resolver” sobre as medidas impostas, mantendo-as ou revogando-as, tal
como acontece com as prisões em flagrante de deputados e senadores por
crime inafiançável? Não, a Primeira Turma, no dia seguinte, 27/09/2017,
apenas enviou ofício ao presidente do Senado comunicando a decisão para
que a mesma fosse cumprida. E assim terminou a tramitação daquela Ação
Cautelar nº 4327, de 4 volumes.
AÇÃO DOS PARTIDOS – Por coincidência ou não, no dia
11/10/2017, o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5526, proposta em 2016 pelo PP, PSC e
Solidariedade, tendo como causa de pedir a suspensão do exercício do
cargo do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), ordem que foi determinada pelo STF naquele ano de 2016.
Seis ministros acolheram parcialmente a ação – com cinco votos contra
– e decidiram que o STF pode impor medidas cautelares contra
parlamentares. Porém, em qualquer medida que impossibilitar, direta ou
indiretamente o exercício regular do mandato parlamentar, a restrição
(ou as restrições) deverá ser submetida, em 24 horas às Casas
Legislativas respectivas, para aprová-las ou não, tal como acontece com a
prisão em flagrante de deputados e senadores por crime inafiançável.
CADÊ OS AUTOS??? – Foi aí que ocorreu o erro
procedimental. O Senado, por conta própria e sem que os autos de 4
volumes da Ação Cautelar nº 4327, que impôs medidas cautelares ao
senador Aécio, fossem enviados pela Primeira Turma àquela Casa
Legislativa, o Senado aproveitou aquela decisão de 6 a 5 da ADI
5526/2016 e resolveu, de ofício, negar aval à decisão que o STF, por sua
Primeira Turma, impôs a Aécio. De ofício, porque o Senado assim votou e
assim decidiu sem ter os autos judiciais em seu poder.
Os senadores votaram e decidiram sobre um processo que eles próprios
desconhecem. Os autos da Ação Cautelar nº 4327 continuam lá na 1ª Turma
do STF, de onde nunca saíram.
Daí o acerto, involuntário, do protesto do senador Roberto Rocha
(PSDB-MA) que reclamou “como podemos julgar Aécio se nem conhecemos o
processo, nem temos os autos do processo”.
ERRO FUNDAMENTAL – O inconformismo do referido
senador, e que nada mais era do que uma justificativa para votar pelo
retorno de Aécio, acabou sendo, sem ele saber, corretíssimo e de
acertado cunho jurídico. O Senado não poderia negar ou conceder aval às
restrições cautelares impostas ao senador tucano pelo STF sem que os
autos de 4 volumes (físicos ou eletrônicos) estivessem em poder da
presidência e da mesa do Senado.
E quando o Senado, sem ter sido provocado e sem conhecer o processo
judicial, decide aprovar ou não medidas cautelares penais que a Suprema
Corte impôs a um de seus membros, o Senado decidiu de forma abstrata,
sem os autos, sem examinar as provas, sem conhecer a fundamentação da
decisão que, cautelarmente, impôs restrições ao exercício do mandato de
um de seus membros.
Enfim, decidiu contra a própria determinação contida naquele 6 a 5,
quando o plenário estabeleceu a necessidade da remessa dos autos pelo
STF à Casa Legislativa, não apenas nos casos de prisão em flagrante por
crime inafiançável de senador ou deputado, bem como no caso da
decretação de qualquer medida cautelar que impossibilite, direta ou
indiretamente o regular exercício do mandato parlamentar.
CABE AO RELATOR – O processualmente correto,
constitucional e obediente àquela decisão do 6 a 5 seria este: em 12 de
outubro passado, dia seguinte à sessão plenária do 6 a 5, cumpria ao
relator da Primeira Turma encaminhar, de ofício, os 4 volumes da Ação
Cautelar nº 4327 ao Senado para que os senadores resolvessem sobre as
restrições impostas a Aécio Neves. Caso a Primeira Turma não remetesse
os autos ao Senado, cumpria, então, ao presidente do Senado avocá-los,
oficiando à Primeira Turma do STF para tal fim. O certo é que nenhuma
coisa nem outra aconteceu.
Os senadores se reuniram e decidiram não cumprir a decisão do STF,
sem os autos do processo judicial e, consequentemente, sem examinar
provas e conhecer a fundamentação da decisão da Primeira Turma. No plano
constitucional, foi desrespeitado o princípio da harmonia entre os
Poderes da República. E no plano processual, a votação dos senadores que
desaprovou a decisão judicial do STF e trouxe Aécio de volta ao
exercício do mandato, é tão inválida quanto inócua.
DECISÃO NULA – Era preciso que os autos da Ação
Cautelar nº 4327 da 1ª Turma fossem remetidos ao Senado. Sem os autos e
diante do completo desconhecimento do que neles contém, a votação no
Senado foi aleatória. Nula, portanto.
É certo que agora o presidente do Senado oficiará, se é que não já
oficiou, ao presidente da Primeira Turma do STF comunicando que os
senadores não referendaram as cautelares impostas a Aécio. E é
perfeitamente possível, plausível e justo que a Primeira Turma do STF
responda que a votação não tem validade e que as restrições continuam
vigentes, isto porque os autos do processo cautelar, de 4 volumes, nem
chegaram a ser remetidos ao Senado, para que as cautelares restritivas
impostas fossem ou não referendadas, lacuna que invalida a votação,
sendo necessária sua repetição, desta vez com os autos em poder do
Senado.