Domingo, 22 de outubro de 2017
Da Abrasco
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Por
No
último dia 17 de outubro, a procuradora-geral da República, Raquel
Dodge, emitiu parecer pela inconstitucionalidade da cessão de benefícios
fiscais à compra de agrotóxicos. A decisão está vinculada à análise
pela PGR do Ministério Público Federal (MPF) sobre a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5.553. A Abrasco ingressou como amicus curiae nesta ADI, impetrada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
A ADI 5553 é contra duas cláusulas do Convênio 100/1997, do Conselho
Nacional de Política Fazendária – Confaz, e dispositivos da Tabela de
Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi),
estabelecida pelo Decreto 7.660/2011. A primeira cláusula questionada é a
que reduz 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) de agrotóxicos nas saídas interestaduais. A
segunda autoriza os estados e o Distrito Federal a conceder a mesma
redução nas operações internas envolvendo agrotóxicos. Já o decreto
concede isenção total de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
aos agrotóxicos. Todas as leis compõem o pacote de bondades que o governo Temer tem oferecido à bancada ruralista e empresários da agroindústria como moeda de troca para o apoio político frente aos pedidos de cassação de seu mandato.
No parecer, a procuradora pede a inconstitucionalidade das cláusulas
primeiras (em parte) e terceira do Convênio ICMS 100/97 CONFAZ, e do
Decreto Federal 8.950/16.
O texto da ADI fundamenta-se nos princípios constitucionais do
Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado (art. 225 da CF), do
Direito à Saúde (art. 196) e da Seletividade Fiscal (arts. 153, §3º., I
e 155, § 2º., III, da CF). O documento surgiu a partir de estudos e
articulações entre docentes do Direito e da Saúde Coletiva localizados
no Estado do Ceará, composto por integrantes do grupo Tramas, ligado ao
Departamento de Medicina Comunitária da Universidade Federal do Ceará
(DMC/UFC), de docentes do Centro Universitário 7 de Setembro (CU7S) e de
advogados da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares
(RENAP). A minuta foi levada à direção nacional do PSOL, que acolheu a
ideia e repassou o termo para redação final e ingresso da ADI junto ao
Supremo Tribunal Federal (STF).
“A Procuradora-Geral, em bem fundamentado parecer de 46 laudas, não
só acolheu os pedidos e o embasamento da ação proposta, como trouxe mais
elementos tanto de ordem fática, como doutrinária e jurisprudencial”,
aponta João Alfredo Telles Melo, advogado, professor de Direito
Ambiental do CU7S e um dos articuladores da ADI.
Raquel Dodge destaca no seu parecer que “ao fomentar a intensificação
do uso de agrotóxicos, o Estado descumpre importante tarefa de extração
constitucional, referente à preservação do meio ambiente e afronta
diretamente a melhor compreensão do princípio constitucional do
poluidor-pagador” […]. Portanto, o incentivo fiscal endereçado aos
agrotóxicos traduz prática contrária aos ditames constitucionais de
proteção ao meio ambiente (CR, art. 225) e à saúde (CR, art. 196),
sobretudo dos trabalhadores”. Acesse aqui o parecer da PGR.
“O apoio da Abrasco a essa ADI é uma expressão concreta da nossa
compreensão sobre a determinação social nos processos
saúde-doença-cuidado. É nosso papel como entidade da sociedade civil e
movimento social estarmos atentos a elementos estruturais e
estruturantes da sociedade sobre os quais possamos intervir, gerando
impacto positivo imediato sobre a saúde das pessoas. Se o STF referendar
esse parecer da PGR, teremos a suspensão dos subsídios e,
consequentemente, o encarecimento dos químicos, o que interfere nas
condutas do campo econômico às vezes muito mais do que ações educativas e
de fiscalização, também de suma importância”, diz Raquel Rigotto,
coordenadora do Tramas e dirigente da Abrasco.
Ela destaca também o papel da interdisciplinariedade na construção
dessa ADI, que se apoiou nos argumentos científicos do Dossiê Abrasco
sobre os impactos tão evidenciados do uso dos agrotóxicos na saúde da
população e que ganhou sustentação jurídica oferecida por docentes e
advogados da RENAP. “Essa boa notícia é mais uma prova que nossas ações
de pesquisa em Saúde Coletiva podem e devem estar associadas aos
movimentos sociais e serem compartilhados, fazendo dos conhecimentos
produzidos na academia verdadeiras ferramentas de luta em prol
da promoção da saúde e na garantia dos direitos já conquistados”, aponta
Raquel.
“Nossa luta agora, junto com a Abrasco, é garantir que a Suprema
Corte acolha o parecer favorável da PGR e possamos acabar com essa
imoralidade que são os benefícios fiscais aos agrotóxicos”, completa
João Alfredo Melo, lembrando que esta vitória é também de muitos outros
sujeitos, militantes e movimentos sociais e ambientais organizados na
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida) e em memória
de José Maria do Tomé, líder camponês assassinado com 25 tiros em 2010
por sua luta contra a pulverização aérea em Limoeiro do Norte (CE), e de
Vanderlei Matos, que morreu muito jovem vitimado por câncer causado
pelo uso intensivo e prolongado dos agrotóxicos no seu ambiente de
trabalho”, completa João Alfredo. A peça segue para análise do pleno no
STF, ainda sem data definida para apreciação.