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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Por Salin Siddartha. A possiblidade de um novo golpe militar no Brasil

Sexta, 13 de outubro de 2017

Por Salin Siddartha. A possiblidade de um novo golpe militar no Brasil

Ledo engano.

Do Portal ContextoExato

Por Salin Siddartha
 
Uma intervenção militar no Brasil seria a culminação do caos em um desastre político efetivador da quebra do Estado e das instituições garantidoras da ordem pública. Não haveria sustentação legítima e constitucional da Nação no quadro mundial e a desmoralização total seria imediata. Como se não bastasse o desgaste que o País sofre no contexto internacional, a própria governança mundial repeliria qualquer governo militarista por não representar o modelo estatuído pelas organizações multilaterais, pelos Estados Unidos, pela União Europeia, pelo (B)RICS e pelos demais parceiros comerciais de nossa pátria.

O cenário conjuntural e estrutural de hoje é completamente diferente do que redundou no Golpe de 1964. Naquela época, acontecia a “Guerra Fria”, estabelecedora de princípios restritivos ao alinhamento dos países no contexto global. O Governo de João Goulart era considerado uma ameaça à política de Washington para a América Latina.

A quebra da hierarquia, com a rebelião de sargentos do Exército, bem como de cabos e soldados da Marinha, foi o principal fator de descontentamento dos oficiais com João Goulart, que tomou partido favorável aos praças, foi ao ato de protesto dos sargentos na sede do Automóvel Clube do Brasil e não puniu os fuzileiros navais rebelados no Sindicato dos Metalúrgicos, em Niterói. Paralelamente, existia um confronto ideológico aberto entre os oficiais-generais que extrapolava a caserna e ganhava a opinião pública.

Além disso, o empresariado demonstrava grande desconforto com a reforma agrária radical implementada pelo Presidente da República e com as reformas de base de cunho progressista e esquerdista anunciadas no famoso Comício de 13 de Março de 1964, na Central do Brasil. Contrapondo-se àquele Comício, a Igreja, com medo de que apologistas do ateísmo terminassem por ganhar a hegemonia do poder, realizou uma enorme passeata em São Paulo, conclamando as Forças Armadas a implementar um governo próprio: foi a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.

A economia andava mal das pernas, com inflação de 93,3% ao ano. Governadores como Carlos Lacerda (GB), Ademar de Barros (SP), Magalhães Pinto (MG) e parlamentares (principalmente da UDN) clamavam publicamente pela intervenção militar.

Resultado: a IVª Frota dos Estados Unidos deslocou-se para o litoral do Estado do Espírito Santo, a fim de apoiar belicamente a empreitada golpista, em caso de fracasso da operação de deposição de Goulart; os militares tomaram o poder, implantaram a mais sangrenta ditadura da História do Brasil, limitaram e, por vezes, anularam a atuação do Legislativo e do Judiciário, eliminaram o instituto do “habeas corpus” para quem enfrentasse a Lei de Segurança Nacional, extinguiram as eleições diretas para Presidente da República, Governadores, Prefeitos de capitais e de mais de 200 Municípios considerados como área de segurança nacional.

A censura à imprensa, a generalização da arapongagem e do grampeamento telefônico clandestino impediam que a população tomasse conhecimento dos desmandos e malfeitos dos mandatários. Quem se arriscasse a ludibriar a censura era sumariamente preso e tinha o jornal, rádio ou TV empastelados. O General Antônio Bandeira afirmou, certa vez, durante o Governo Geisel: “Houve uma guerra no interior do Brasil, e ninguém ficou sabendo.” Ele se referia à Guerrilha do Araguaia que, durante 5 anos, mobilizou uma tropa com mais de 10 mil soldados para combater cerca de 80 guerrilheiros nas florestas do Bico do Papagaio, situado na confluência dos Estados de Tocantins, Pará e Maranhão. Nenhum jornal, nenhuma rádio ou canal de TV soltou uma nota ou teceu um comentário sequer – ninguém, naquela época, ficou a par do acontecido, com exceção de pouquíssimos jornalistas e alguns parlamentares proibidos de divulgar ou denunciar o que se passou por lá.

Assim, acobertados pela “omertà” dos governantes, a corrupção também grassou impune naquele regime, apesar do vazamento de muitos casos, como a Camargo Correa, a Odebrecht e várias empreiteiras terem sido beneficiadas pelo governo da Ditadura em diversas licitações e concorrências. Foram tantas ocorrências de corrupção que é impossível enumerá-las todas neste artigo, melhor caberiam em um livro. Citamos apenas alguns exemplos como o caso Coroa-Brastel, os benefícios dados pelo BNH ao Grupo Delfim, a roubalheira presente na construção da Ponte Rio-Niterói e os desvios de verba pública nas obras da inconclusa Transamazônica (denunciados em livro pelo General Hugo Abreu, Ex-Chefe da Casa Militar), as propinas pagas pela multinacional General Electric ao Governo de Ernesto Geisel para poder vender locomotivas à Rede Ferroviária Federal, o caso Lutfalla, o escândalo agropecuário da CAPEMI (falida fraudulentamente), a propinagem na Embaixada do Brasil na França (denunciada pelo Coronel Grael, que foi reformado sem chegar ao posto de General devido a ter tornado público o conhecimento daquela ladroagem), a ligação entre o Delegado Luís Paranhos Fleury e sua equipe repressiva do DOI-CODI paulista – Operação Bandeirante – com o tráfico de drogas, o envolvimento de um grupo de oficiais lotados no DOI-CODI do Rio de Janeiro, liderados pelo então Capitão Guimarães (na época interrogador militar no PIC do 1º BPEx e, hoje, banqueiro do jogo do bicho) com contrabandistas e contraventores. E ninguém foi punido.

Desmoralizada pelos desmandos e pelas falcatruas, a Ditadura Militar foi perdendo o apoio internacional, dos empresários, da Igreja e do povo, até ser obrigada a devolver o poder aos civis em 1985, com a maior inflação da nossa história (225,9% ao ano) e a maior dívida pública nunca dantes contraída pela nossa Pátria. Essa “herança” deixada pelos governos militares somente foi corrigida pelo Plano Real, no Governo de Itamar Franco, 8 anos após o fim da tutela política exercida pelas Forças Armadas.

Logo, é fácil observar que o panorama do Brasil de hoje é bem diferente do que se apresentava em 1964, pelas seguintes razões: 1º depois do fim da União Soviética, não existe mais “guerra fria” que justifique a exigência de ditaduras militares para manter a segurança da ordem mundial no Ocidente; 2º o Governo de Michel Temer, apesar das denúncias de corrupção que pairam sobre ele e das nítidas demonstrações de incompetência, não se caracteriza como uma ameaça à política de Washington para a América Latina; 3º não tem havido quebra de hierarquia nas Forças Armadas, muito menos incentivada pelos governos civis que se sucederam de 1985 até os dias atuais, inclusive; 4º o Brasil não passa por nenhuma reforma agrária ou urbana radical que esteja a alarmar o agronegócio; 5º as reformas implementadas por Temer e as que estão programadas pela sua equipe econômica se encontram alinhadas com o anseio do mercado; 6º não há confronto ideológico público dividindo os oficiais-generais; 7º a Igreja é oficialmente contrária a qualquer atitude intervencionista militar na política brasileira (do PAPA até a CNBB); 8º não se contempla manifestação de multidões em passeatas nas ruas dos centros urbanos pedindo golpe militar; 9º a inflação não é galopante nem está descontrolada; 10º não há Governadores de Estados, Prefeitos de capitais nem Parlamentar algum conclamando os Generais a intervirem na política (exceto Jair Bolsonaro, é evidente!); 11º os oficiais sabem o quanto as três FFAA saíram desgastadas da Ditadura.

Então, falta motivo plausível para que o Alto Comando decida tomar o Poder. Qualquer tentativa nesse sentido não conseguiria governabilidade que durasse mais que alguns meses, quiçá algumas semanas, comprometendo o elevado conceito de que a instituição desfruta na consciência da população brasileira. A menos que os Generais tenham perdido o juízo.

Afora esses aspectos, a candidatura de Jair Bolsonaro atua como freio a barrar a intervenção, pelo menos no curto prazo. Apesar de ele estar longe de ser uma unanimidade nos quartéis (o apoio que recebe resume-se ao demonstrado pelo efetivo docente e discente das escolas militares), os intervencionistas bolsonarenses preferem aguardar as eleições de 2018, na esperança de que o ex-capitão vença as eleições presidenciais e implante uma doutrina militarista em nossa Nação.

Embora este seja o painel que se descortina, é verdade que se planeja um golpe militar no Brasil. E buscam um pretexto. No episódio protagonizado pelo General Mourão em solenidade levada a cabo em Loja do Grande Oriente do Brasil, o Comandante do Exército, General Villas Boas, deu sinais de que está perdendo prestígio e poder no Alto Comando. É que em uma democracia estável, na qual as Forças Armadas se mantenham no estrito cumprimento de suas funções constitucionais, a indisciplina cometida por aquele General seria imediata e exemplarmente punida.

Assim também o Comandante Militar do Sul, General Edson Leal Pujol, em palestra na Associação Comercial de Porto Alegre, conclamou a população brasileira a ir às ruas em peso pedir uma intervenção militar. É uma tentativa que um setor do generalato faz com o objetivo de preparar uma aparência de legitimidade que sirva de pretexto para a tomada do Poder pelas Forças Armadas.

Se continuar assim, o Comandante do Exército não terá outra saída e será compungido a apoiar e liderar uma intervenção militar. Seria ação aventureira, já que a política externa atual dos Estados Unidos e da nova governança mundial não municia apoio a golpes militares, mesmo quando as classes dominantes perdem o controle da situação institucional, como é o caso do Brasil, atualmente.

Por outro lado, a esquerda brasileira fecha os olhos para essa realidade. Ela se recusa a discutir esse risco, porque crê que a democracia brasileira esteja consolidada.

Ledo engano.

Cruzeiro-DF, 12 de outubro de 2017

SALIN SIDDARTHA