Domingo, 3 de dezembro de 2017
Quem deve estar
sorrindo de algum lugar nos pampas alados, com aquela cara de “eu
avisei”, é o caudilho Leonel Brizola. Ninguém questionou mais o
monopólio do grupo e ameaçou mais vezes caçar a concessão da Globo do
que o quixote gaúcho.
Por Ricardo Miranda - Os Divergentes / Foto: Richest Celebrities Net Worth
e Portal ContextoExato
Lula e Bolsonaro, líderes nas pesquisas de intenção de voto para
presidente, têm mais em comum do que supõe nossa vã cultura política.
Neste fim de semana, ambos mandaram recado duro para o maior grupo de
comunicação do país. Capa da revista Carta Capital, com o título “Lula
contra o mercado e a Globo”, ilustrada internamente com foto de Roberto
Irineu Marinho, presidente do Conselho de Administração da corporação, a
matéria diz que, desta vez, se conquistar um terceiro mandato, Lula vai
promover a chamada democratização dos meios de comunicação – algo meio
incerto que pode ir da criação de um conselho paraestatal para regular o
setor até a improvável cassação de suas concessões. O discurso, no
entanto, tem sido duro. Lula está irritado com o fato de ser vendido
pela grande mídia como um perigo para o “mercado”, mesmo já tendo sido
presidente duas vezes. O mesmo “mercado” que, ressalvas de praxe, parece
admitir Bolsonaro, que nunca governou uma cidade. “Eu, inclusive, estou
pedindo a Deus que a Rede Globo tenha um candidato. Porque, se tiver um
candidato, a gente vai colocar o logotipo da Globo na testa dele para
derrotá-lo nas urnas, nas eleições”, disse Lula, há alguns dias, em um
comício na mineira Diamantina.
Mas não foi só Lula quem elegeu a Globo como alvo da hora – algo que
não se via desde a campanha vitoriosa a prefeito de Marcelo Crivella, no
Rio. O bispo do PRB e da Igreja Universal atacou grupos de comunicação,
como Globo e Abril, mas algum tipo de paz conveniente acabou sendo
selada entre todos depois que ele foi eleito.
Bolsonaro segue na mesma rota. Em um vídeo publicado em seu perfil no
Facebook, o deputado-capitão afirmou que, caso seja eleito presidente,
irá “fazer justiça” e reduzir a verba publicitária para “O Globo”. Não
fica claro se ele se refere apenas ao jornal ou a todos os veículos do
grupo. “Vocês aí têm uma audiência de 40%, do ‘Globo’. Mas pegam 80% da
propaganda oficial do governo, que em grande parte, sustenta a mídia. Se
eu chegar lá, vou fazer justiça, vão perder metade disso, vão ganhar só
40%”, afirmou, em vídeo.
Será que a disposição de Lula e Bolsonaro seguirá firme até o fim? Com
Bolsonaro, nada é seguro – nem a própria democracia. Mas um sinal de
que, no mínimo, o PT quer fustigar o grupo em um momento de baixa
imunidade é que o partido pediu ao Ministério Público Federal, ao
Ministério das Comunicações e ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) que investiguem a Globo e seu presidente Roberto Irineu
Marinho. Como justificativa, um julgamento em Nova York sobre
bandalheiras na CBF que expôs fragilidades éticas de quem cobra métodos
republicanos dos outros.
Uma testemunha, o argentino Alejandro Burzaco, ex-executivo de uma
offshore atuante com esporte, acusou a Globo de pagar propina pelos
direitos de transmissão de Copas do Mundo e Libertadores da América. A
denúncia foi reforçada perante o tribunal do júri, no dia 29/11, por um
ex-braço direito dele, Jose Eladio Rodríguez. No Senado, o PT aprovou a
proposta de fazer um debate sobre o escândalo com a presença de um
dirigente da Globo e de um ex-executivo, Marcelo Campos Pinto, outrora
todo-poderoso nos negócios esportivos da emissora. A Globo nega tudo e
tem tentado fazer uma “cobertura imparcial” do caso – se é que isso é
possível.
Quem deve estar sorrindo de algum lugar nos pampas alados, com aquela
cara de “eu avisei”, é o caudilho Leonel Brizola. Ninguém questionou
mais o monopólio do grupo e ameaçou mais vezes caçar a concessão da
Globo do que o quixote gaúcho. Ao longo de toda a sua trajetória,
Brizola sofreu feroz oposição da Globo, com veto ao seu nome e imagem,
censura rompida há quase um quarto de século com um histórico direito de
resposta, lido ao vivo no Jornal Nacional pelo então apresentador Cid
Moreira. “Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de
imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com
os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos, que dominou o nosso
país. Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder
imperial e suas manipulações”, diz, em trecho, a carta de Brizola que
gelou o país.
Lula e Bolsonaro, que por enquanto só conhecem o discurso anti-Globo, têm muito o que aprender.