Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Na Rede, Carta aberta sobre o discurso do governador Ibaneis na CLDF

Quarta, 5 de fevereiro de 2020
É preciso dizer a verdade
Como de regra, o governador do Distrito Federal esteve na Câmara Legislativa para transmitir a mensagem de abertura do ano legislativo. Discursou por quase 50 minutos. Tentou convencer os deputados e a população sobre os resultados do seu primeiro ano de mandato. No entanto, esqueceu que tratar de fatos é muito diferente de promessas. Governar é diferente de fazer campanha. Na campanha, projeta-se. É possível desejar e fantasiar. Uma vez no poder, não há mais espaço para ilusões, pois contra fatos não há argumentos. 
Sendo assim, escrevo essa carta aberta para ajudar a restabelecer a verdade sobre algumas coisas ditas pelo governador a respeito de um DF que não existe na realidade. Começo pela saúde, mais especificamente pelo modelo duvidoso e antes criticado por Ibaneis, hoje representado pelo IGES-DF. Ao relembrar a primeira votação dessa legislatura, às pressas e em regime de urgência, o chefe do executivo destacou o “debate instaurado” para a aprovação do Instituto. Vale lembrar que o projeto sequer passou pelo Conselho de Saúde e foi votado pelos deputados sem sequer uma audiência pública ou escuta dos servidores, que sempre foram contra. O governo atropelou, tendo constituído uma maioria que sequer teve coragem de defender a proposta em plenário. Hoje assistimos a denúncias de fraudes no processo seletivo e supersalários de seus diretores. Acho que não deu certo.
Ibaneis disse que está fazendo uma “revolução na saúde”. De fato. Trata-se de um desmonte do SUS nunca antes visto na história da cidade, representado pelo esfacelamento da atenção primária. Aliás, até hoje ninguém viu o planejamento da secretaria para essa área. O governador teve a ousadia de dizer que falta de insumos e atendimento acontecia em “casos pontuais”. Convido Ibaneis a andar pelas unidades de saúde comigo. Só nesse início de ano, visitei mais de uma dezena delas e o que vi foi o contrário: estrutura precária, servidores exaustos, equipes incompletas e muita gente na fila. Em algumas, chega a faltar soro e outros itens básicos.  
Disse também que construiria mais dois hospitais até o fim do mandato, sendo que os existentes estão caindo aos pedaços. Destaque para o Hospital Regional da Ceilândia, que mais parece um acampamento de guerra. No início do ano, após uma visita, pedi uma auditoria ao TCDF para apurar o caos. É muito sofrimento. Por que não reformar os hospitais que já temos e recompor os quadros de servidores? O pior é o governador desconsiderar que não há solução sem investimento na atenção primária, responsável por 85% da resolutividade na saúde pública. Qualquer principiante em gestão pública sabe disso. Estruturar as equipes e núcleos de apoio de saúde da família, reformar e construir UBS’s. Isso seria uma revolução. 
Mas o que me espantou mesmo foi o que Ibaneis falou acerca da Educação. Anunciou o cartão para os gastos do PDAF, visando facilitar a prestação de contas por parte dos diretores. Mas de que adianta se o GDF não transfere os recursos em dia? Alguns diretores chegam a se endividar para manter a escola de pé, pois nunca sabem quando chegará o recurso, que deveria cair na conta das escolas no início e no meio do ano. Exaltou a “reforma” de aproximadamente 600 escolas. Em 2019, visitei mais de 80 delas e posso dizer que não vi nenhuma reformada. O pouco que encontrei foram os reparos feitos pelos próprios diretores para evitar que elas desabassem, a exemplo do aconteceu com o CASEB após um incêndio. Visitei também as 10 escolas apontadas por relatório do TCDF como em “estado crítico”. Tirei fotos e entreguei para a Secretaria de Educação. Após esse tempo, algumas delas seguem inclusive interditadas, como o CAIC do Gama.
Defendeu a falaciosa proposta das escolas cívico-militares, desafiando os críticos a apresentarem um novo modelo para ser implementado com os mesmos recursos financeiros e de pessoal. Ora, se o governador conhecesse as escolas públicas do DF, saberia que as melhores práticas estão justamente ali. Comunidades de aprendizagem, escolas empreendedoras, ensino integral com foco em ciência, arte e cultura são alguns exemplos reais e que poderiam ser multiplicados. Mas, ao invés de valorizar nossos professores inovadores, apostou nos militares da reserva, alguns afastados por problemas psicológicos. Se essas escolas são tão boas assim, por que o governador não matricula seus filhos lá? 
Afirmou que Educação é prioridade. Ora, se fosse não teria deixado de executar quase metade dos recursos que os deputados enviaram para as escolas públicas. O fato é que a visão pedagógica do governador é muito limitada. Ainda acredita que comprar tablets vai melhorar a qualidade da aprendizagem e que voucher vai resolver o problema da oferta de vagas em creches. Sugiro ouvir mais os professores e especialistas. Sem educação de qualidade, não há futuro para o DF. 
Ainda tocou em assuntos importantes como feminicídio, alegando que a forma pela qual a mídia divulga os casos acaba por incentivar novos. Pergunta: de onde ele tirou isso? Algum estudo, pesquisa ou evidência? Sobre segurança pública, apontou a abertura das delegacias 24h como o grande trunfo. Mas como anda o policiamento comunitário? O que foi investido em prevenção? O que diz sobre o caos no nosso complexo penitenciário da Papuda? Como advogado que se orgulha de ser, qual proposta tem para diminuir a reincidência no DF? Sobre isso, nada. 
Destacou os investimentos na malha asfáltica, que provavelmente foram poucos e mal feitos. Vide a buraqueira que a cidade se encontra. Na área econômica criticou a suposta intervenção estatal, dizendo que “socialismo” não deu certo em lugar nenhum do mundo. Mas não justificou porque cancelou a PPP do autódromo, que agora será gerido pela Terracap. Diferentemente da campanha, voltou a defender a privatização da CEB. Exaltou o BRB e se colocou como o maior agente de relacionamento do banco. Confesso que fiquei com uma pulga atrás da orelha sobre isso e farei uma análise sobre eventuais conflitos de interesse. 
Sobre a assistência social, sequer uma palavra. Talvez tenha sido melhor, pois se há uma pasta nesse governo que está precarizada, é a Secretaria de Desenvolvimento Social.  Os CRAS e CREAS estão acabados. As unidades de acolhimento lembram os campos de concentração, tamanha a desumanização. Tanto dos usuários quanto dos  servidores. A verdade é: não existe política de assistência social no DF hoje. Com isso, aumenta a vulnerabilidade, a miséria e a violência. 
Esses foram os tópicos centrais da fala de um governador que segue descumprindo promessas de campanha sob a justificativa de “mudar de ideia”. O maior estelionato eleitoral da história política de nossa cidade se revela diariamente. Um grupo muito pequeno de deputados fiscaliza esse governo com intensidade. Me incluo nele. Entendo que os poderes devem ser independentes. Queremos o melhor para Brasília, mesmo quando esta não é a vontade do governador. Não tenho cargos no governo e votarei sempre com a minha consciência. Luto para que a CLDF não seja um puxadinho do Buriti. Precisamos ter compromisso com a verdade, mesmo quando o governador não demonstra ter. 
Leandro Grass

Deputado distrital
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Do Gama Livre: O distrital Leandro Grass é da Rede Sustentabilidade