Pedro Augusto Pinho*
Aqueles que chegaram ao século XXI no entorno dos 55 anos nasceram, estudaram e viveram sob o ideal de progresso, do crescimento, do desenvolvimento das sociedades. Nos anos 2000, com o poder financeiro hegemônico, equilíbrio fiscal como meta, contenção de gastos, taxas de juros e câmbio fixadas pelo mercado e baboseiras semelhantes, determinadas por um conjunto de assalariados das finanças, em novembro de 1989, em Washington, capital dos Estados Unidos da América (EUA), num documento que ficou conhecido como “Consenso de Washington”, aquele ideal foi eliminado das pautas políticas, dos programas de partidos e associações mais abrangentes, que passaram a se fixar em “minorias identitárias” e “questões ambientais”, restritivas ou alheias ao desenvolvimento do conjunto da sociedade.
Porém muitas questões ficaram em aberto. E delas que trataremos neste artigo que, de algum modo, é uma continuidade de “O Ideal da Distopia” (Portal Pátria Latina, 26/09/2021).
Todos já sabemos o quanto corruptor é o sistema financeiro, em especial após as desregulações, ocorridas na década de 1980, quando passou a acolher os capitais marginais, oriundo das drogas, dos contrabandos e de todas as ilicitudes, muitas vezes legalizadas por este poder das finanças, corrompendo o sistema político nos legislativos, judiciários e executivos.
Quando vejo uma reunião de presidentes, ex-presidentes, diretores de bancos centrais, fico imaginando que estão todos pensando: se gastar um bilhão para corromper as forças armadas, em quanto tempo terei meu capital de volta à taxa de 50% a.a.? Pois é a única explicação para a aeronáutica transportar drogas em seus aviões, as fronteiras internacionais estarem abertas aos contrabandos de bens e de pessoas quer pela via terrestre quer fluvial ou lacustre.
Duas questão se impõe, de início: o que é desenvolvimento, e tem este um único caminho?
Diríamos que o desenvolvimento, como tantas formas de dominação de parcelas das sociedades humanas por outras, decorre das condições culturais, estas na compreensão antropológica. E mais. Sendo instrumento de dominação, eles irão surgir em pares, pois é a maneira mais simples, mais primitiva, de se colocar uns contra outros.
O desenvolvimento medieval europeu era uma ascese, pois subir aos céus era o maior desejo. A este comportamento se opunha a vida de prazeres, dos gozos carnais, um perfeito par antagônico ao autocontrole do corpo e do espírito.
Se observarmos outras sociedades, asiáticas, africanas, insulares do Pacífico ou caribenhas, americanas pré-colombianas, encontraremos diversos “desenvolvimentos”, não só diferentes dos europeus medievais, mas dos que se seguiram na teoria e na prática mercantilista.
Devemos ressaltar uma dualidade comum a praticamente todas as filosofias do poder: o particular e o universal. De onde os nacionalismos sempre encontraram oposições, foram permanentemente combatidos seja por religiões, por sistemas econômicos, políticos ou desejos coloniais de toda ordem.
E como se formam os ideais de desenvolvimento, do melhor bem estar das sociedades? Pelas particularíssimas relações daquela sociedade com o meio em que vive e de onde tira seus recursos.A história traz além dos desenvolvimentos autóctones, aqueles colonizadores, tomados de uma sociedade por outra ou, mais precisamente, de um poder sobre os demais. Nesta sequência de poderes/desenvolvimentos, no que se convencionou, erroneamente, designar ocidental cristão — pois nem está limitado nem compreende todo ocidente geográfico, nem teve origem com e no cristianismo — melhor diríamos euro-sionista-estadunidense, passamos do poder fundiário para o mercantil, deste para o financeiro, para o industrial e regredimos no século atual ao financeiro. Porém suas características não são nem foram homogêneas por todo período de dominação.
Em seu mais recente livro – “Como o Racismo Criou o Brasil” (Estação Brasil, RJ, 2021) – Jessé Souza discorre sobre as “variáveis padrão”, de Talcott Parsons (1902-1979) e Edward Shils (1910-1995): “um conjunto de pares dicotômicos de orientação valorativa, permitindo a orientação de cada um de nós em qualquer situação concreta”. E acrescenta: “essas variáveis padrão serviriam como uma espécie de “mapa social” para compreender a singularidade de qualquer sociedade específica” e exemplifica, entre outros, com os pares:
Afetividade x Neutralidade afetiva;
Auto-orientação x Orientação coletiva;
Atribuição x Realização e, obviamente,
Particularismo X Universalismo.
Cuidemos da vida brasileira, neste século XXI, que é nossa maior preocupação.
No domingo, 26 de setembro de 2021, o editorial de O Estado de S. Paulo, “A política e a esperança”, considera que: “os governos petistas e o bolsonarista parecem ter minado a esperança de um futuro melhor por meio da política. Diante do histórico recente do País, seria ingenuidade — esta é a impressão amplamente difundida — nutrir alguma expectativa de dias melhores por meio da política”. E ao final clama: “é gritante que a população prefere ter outras opções políticas”. Como diria minha avó, nascida no século XIX: “quem não o conhece que o compre”.
Além das dualidades parsonianas, óbvias no editorial, há a camuflagem típica do atual pensamento financista neoliberal. Brevemente o seu contexto histórico.
As finanças perderam nas duas grandes guerras, no início do século XX, seu poder dominador mundial. Londres deixou de ser a capital financeira do mundo, entregando este título ao capitalismo industrial e sua sede na Bolsa de Valores de Nova Iorque (EUA).
Mas as finanças, melhor do que as indústrias, compreenderam a riqueza de oportunidades que a “Teoria Matemática da Comunicação”, de Claude Shannon (1916-2001), proporcionava para sua reconquista do poder. E, além do investimento na comunicação de massa, procurou dominar todas as etapas que ligam a emissão da mensagem até sua recepção: codificadores, decodificadores e canais, com ruídos ou prevenindo toda sorte de ruídos: físicos e culturais.
Nos trabalhos permanentes, que começam nos anos 1920 e não pararam até hoje, um século de pesquisas e aplicações, as finanças — banca, gestores de ativos — em suas diversas máscaras e fantasias, associadas a capitais de todas e quaisquer origens, comprando, corrompendo, subornando, deturpando, confundindo, criando dualidades que Talcott Parsons jamais imaginou, transformaram-se no maior poder mundial. Este, no entanto, um poder escravizador, supressivo, excludente, eliminatório, extraordinariamente concentrado.
Apenas as manchetes do “Monitor Mercantil”, na semana de 20 a 26/09/2021, mostram a devastação que as finanças estão provocando no Brasil e no mundo: “Saúde e Educação são os que mais perderam recursos no Orçamento”, “Importações sobem 60% e derrubam superávit”, “Comissão do Senado deve votar BR do Mar hoje” (que eliminará fortemente o mercado para os caminhoneiros e transportadores rodoviários autônomos), “Quase 2 milhões morrem por ano de causas relacionadas ao trabalho”, “Alta de 20,9% nos serviços paulistas no 1º semestre”, “Site público expõe milhões de dados pessoais, CNPJs e placas de veículos”, “Juros sobem 1 ponto e caminham para 8%”, “FED segue com juros zero e incerteza sobre ativos”, China privilegia infraestrutura de informação para crescimento sustentável”, “Alimentos são direito, não mercadoria, diz ONU”, “Governo dos EUA se prepara para paralização”, “China bane criptomoedas e derruba cotações”, “Inflação em setembro deve ultrapassar 2 dígitos” e “Aumento de ataques hackers encarece apólices de seguro cibernético”.
Mas o Brasil, não esclarece o “Estadão”, atua na dualidade, onde há uma esquerda, que assim não se reconhece, e uma direita, “tremendamente evangélica”, que se vê transformadora.
Na realidade, o Brasil só teve um momento de desenvolvimento efetivo em sua história, que se fundamentou na cultura de seu povo, na miscigenação encontrada em quase a totalidade da população e na riqueza natural única no mundo. Este intervalo de desenvolvimento se deu na Era Vargas, entre 1930 e 1945, foi golpeado pelo interesse estrangeiro associado à pequena parcela de uma elite racista, embora miscigenada, ignorante, fútil e vaidosa, em 1945; retornou pelo voto do povo em 1950, foi novamente golpeado pelos mesmos interesses e levado ao suicídio em 1954. Posteriormente, sem o mesmo apoio popular, mas com projetos que Getúlio Vargas provavelmente endossaria, entre 1974 e 1979, o País foi governado por Ernesto Geisel, um desenvolvimentista nacionalista.
As finanças, temendo que o exemplo Geisel se espalhasse, invadiu a formação militar, a comunicação de massa, os partidos de oposição e da situação, academias, sindicatos e, a partir de 1990 vem governando o Brasil.
A oposição Lula x Bolsonaro é muito mais de estilos e de alguns interesses menos poderosos, hoje excluídos, do que antagônicos como quer mostrar a imprensa comercial dominante. Também nenhum pretende retomar o desenvolvimento com as raízes mais duradouras que Vargas promoveu.
Será a mais nova vitória dos capitais apátridas, marginais, concentradores de ativos e de rendas.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.