Sábado, 23 de fevereiro de 2013
Na semana em que a presidente Dilma anunciou o fim da pobreza extrema no país, famílias que ganham Bolsa-Família catavam comida no lixo da Esplanada - o que nos leva à pergunta: o que é ser miserável no Brasil?
Às 11h da manhã de terça-feira, o sol abrasador do verão brasiliense
invadia, com raios e calor, as frestas do barraco de papelão da catadora
de papel Maria Madalena. Ela preparava a refeição das cinco filhas e do
marido. O almoço seria farto na favelinha conhecida como invasão da
garagem do Senado: havia uma panela com arroz branco, outra com feijão e
uma terceira com carne moída. Lá, cerca de 50 almas vivem distribuídas
em oito barracos de madeira e papelão, montados sobre um pequeno chão de
terra - menor, por exemplo, do que o plenário do Senado. Quase todos
pertencem à mesma família, que emigrou de Tabira, em Pernambuco, para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília,
há 25 anos. Maria Madalena, uma mulher de 28 anos e poucos dentes, e
Rodrigo, seu marido, calculam ganhar R$ 300 reais por mês com a venda de
lixo reciclável, além de receber R$ 394 do programa Bolsa Família.
Rosa, irmã de Maria Madalena, que também mora na invasão, não recebe
Bolsa Família e tira R$ 130 reais com a venda de lixo. Para o governo,
Rosa, Maria Madalena e Rodrigo não são miseráveis. Miserável, ou
“extremamente pobre”, pelos critérios dos burocratas de Brasília, é quem
sobrevive com menos de R$ 70 por mês. Naquela manhã de terça, a menos
de um quilômetro dali, a presidente Dilma Rousseff
anunciava, numa cerimônia no Palácio do Planalto, que o governo
aumentaria os gastos com o Bolsa Família, de modo que todos inscritos no
programa venham a receber ao menos R$ 70 reais a partir de março. “Com o
ato que assino hoje, o Brasil vira uma página decisiva na nossa longa
história de exclusão social. Nessa página, está escrito que mais 2
milhões e 500 mil brasileiros e brasileiras estão deixando a extrema
pobreza”, disse Dilma. Enquanto ministros, governadores e parlamentares
aplaudiam Dilma, as meninas de Maria Madalena - as pequenas Giuli, de
oito meses, Pamela, de 3 anos, Giovana, de seis anos, Kevelyn, de 9
anos, e Juliana, de 11 anos - preparavam-se para comer o pratinho do
dia. Não era comida de supermercado. Era comida achada num lixo da
Esplanada, no dia anterior. “A ideia inicial por trás deste ato hoje é
esta: por não termos abandonado o nosso povo, a miséria está nos
abandonando”, disse Dilma. Mais aplausos.
É do lixo que os não-miseráveis, ou pobres - ou seja lá como o governo
queira qualificar agora as famílias como a da invasão - sobrevivem. Do
lixo eles tiram o sustento - e do lixo, amiúde, tiram também as
calorias. Homens e mulheres catam papel nas lixeiras dos ministérios da
Esplanada. Cada um tem seu carrinho para fazer o serviço, feito de
madeira e pneus velhos. Não há cavalos para empurrar o carrinho: é um
trabalho braçal. Começa às seis da manhã e não tem hora para terminar. A
cada quinze dias, eles vendem o lixo a uma empresa de reciclagem.
Ganham R$ 0,26 por cada quilo de papel branco e R$ 0,10 por cada quilo
de papel de jornal ou papelão. O quilo do plástico paga melhor: R$ 0,30 o
quilo. Dependendo do mês, pode render R$ 150. Para os catadores, é um
bom dinheirinho. Nada que se compare, vá lá, aos gastos de publicidade
do governo com o ato que anunciou o fim da miséria. Somente no evento de
terça no Planalto, o governo gastou R$ 275 mil, na criação de banners,
folders e na decoração do palco - a conta desconsidera os gastos com
publicidade. À guisa de ilustração, esse gasto bancaria um mês de Bolsa
Família para 1.900 ex-miseráveis. Rosa, por exemplo, teria que trabalhar
176 anos para ganhar algo parecido. Isso nos meses de maior movimento
em Brasília. Em janeiro e fevereiro, quando os parlamentares pouco ou
nada trabalham, a produção de lixo cai muito - e, com ela, o sustento
das famílias. “Se eles (parlamentares) não trabalham, não tem trabalho para nós”, diz Maria Madalena.