Terça, 8 de dezembro de 2015
Siro Darlan*, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.
Um
bebê de um ano e oito meses , Davi Lucas da Silva Pereira ( foto) “é
atropelado por trem na Zona Oeste e morre. Anuncia uma manchete de
jornal.
Mais
uma vida foi ceifada pela negligência do agente público concessionária.
Muitos são os casos semelhantes que chegam aos tribunais buscando a
tardia indenização que custa muito mais do que se o agente tivesse sido
diligente.
A
legislação não é nova e desde o advento das primeiras ferrovias o
legislador tem a firmado a responsabilidade objetiva da empresa de
transporte que tem o dever de cercar e fiscalizar o leito por onde o
transporte se movimenta.
A
falta do cuidado com a vida, sobretudo dos mais desvalidos, operários
que residem à beira dos leitos ferroviários que muitas vezes necessita
se deslocar para a escola, para o trabalho ou para qualquer outra
finalidade e não encontra a ferrovia protegida como a lei impõe com
cercas e passarelas. A jurisprudência dos tribunais tem resistido aos
lobbies empresariais após a série de privatizações e concessões desse
serviço e mantido a responsabilidade objetiva prevista expressamente na
lei.
No
entanto já existe alguma oscilação atribuindo culpas concorrentes ou
exclusivas das vítimas, muito embora não haja previsão legal para tais
interpretações. Não se pode tergiversar com o bem maior a ser protegido,
que é a vida e não há justificativa para cancelas e outras
impropriedades utilizadas pelos caminhos de ferro com imprudência capaz
de ceifar tantas vidas deixando órfãos e viúvas á mercê das
interpretações judiciais e dos inúmeros recursos que retardam o
pagamento das indenizações devidas.
Recentemente
num debate entre ilustres magistrados, registreis os seguintes
comentários: “… não se pode esquecer dos casos (que não são poucos) de
gente morta pelos mais diversos motivos (infartos, crime, etc…) que é
jogada na linha do trem”. Tal afirmação é uma afronta aos peritos
oficiais que atestam as causas das mortes, como se todos fossem venais
ou incompetentes. E outra ainda mais característica do preconceito de
alguns quando afirma: “trem não sai dos trilhos; faz barulho e
trepidação quando vem chegando; anda em velocidade reduzida em áreas
urbanas. Assim a vítima só pode ser atropelada se estiver, distraída,
embriagada ou drogada, agir com extrema imprudência ou pretender
suicídio.”
Nenhuma
sensibilidade com crianças, idosos ou deficientes diante da gritante
negligência de quem tem o dever de cercar e fiscalizar que é nitidamente
poupado pelo poder econômico que representa.
E
para coroar essa ladainha de preconceitos: “Acrescento ainda que, em
100% dos casos, os autores são beneficiários de justiça gratuita, mas
somente para o pagamento das custas processuais”. O que é óbvio porque
os caminhos de ferro não atravessam a zona sul e os pobres estão
sujeitos à separação dos trilhos onde não há a proteção exigida pela
lei. Coincidentemente essas mortes causadas pela negligência das
concessionárias ocorrem nas mesmas áreas onde são maiores as mortes
provocadas pelos chamados “autos de resistência” segundo a Justiça
Global e são ferramentas que têm em comum minimizar o valor da vida de
cidadãos que moram na periferia e são, em sua maioria negra e pobre.
Fonte: Blog do Siro Darlan