Terça, 10 de dezembro de 2013
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Bruno Bocchini, repórter da Agência Brasil
São Paulo – Testemunhas ouvidas hoje (9) pela Justiça Federal
confirmaram a participação do coronel reformado do Exército, Carlos
Alberto Brilhante Ustra, no sequestro de Edgar de Aquino Duarte,
ocorrido em 1973 durante a ditadura militar (1964-1985). Duarte
permanece desaparecido até hoje.
Ação penal, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em 17 de
outubro do ano passado, acusa o coronel reformado e os delegados de
Polícia Alcides Singillo e Carlos Alberto Augusto pelo sequestro
qualificado de Duarte. Ustra comandou o Destacamento de Operações de
Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São
Paulo no período de 1970 a 1974. Esta é a primeira ação penal com
instrução criminal de crimes cometidos por agentes do Estado durante a
ditadura militar.
Prestaram depoimentos hoje os ex-presos políticos José Damião de Lima
Trindade, Artur Machado Scavone e Pedro Rocha Filho. Eles falaram na
presença de dois dos três acusados. Ustra não compareceu. Ele alegou
doença e morar em Brasília. No entanto, não apresentou nenhum laudo
médico.
“[O que ficou claro nos depoimentos foi que] o Edgar foi preso
totalmente em uma situação ilegal, clandestina, no DOI- Codi. Não era
uma prisão legal, é uma situação clara de sequestro mesmo, porque a
prisão dele era clandestina, sem ordem judicial, sem nenhum tipo de
acusação formal. Ele nunca pertenceu a grupos armados, nunca participou
de luta armada, não tinha nenhuma acusação contra ele”, disse o
procurador da República Sérgio Suiama, que assina a ação junto com mais
seis procuradores.
Segundo o MPF, Duarte ficou preso ilegalmente nas dependências do
DOI-Codi e, depois, no Departamento de Ordem Política e Social de São
Paulo (Dops-SP) até meados de 1973. Ele era amigo de José Anselmo dos
Santos, o Cabo Anselmo, que tinha acabado de retornar de Cuba e com quem
passou a dividir um apartamento no centro de São Paulo. A tese do
Ministério Público é que Duarte foi sequestrado pelos agentes da
ditadura porque conhecia a verdadeira identidade de Cabo Anselmo, que
passara a atuar como informante dos órgãos de repressão.
“O Edgar ficou conosco durante alguma coisa perto de, eu imagino, um
mês, um mês e meio, em 1972. Ustra nos visitava, ele passava nas celas,
ele tinha domínio não só sobre os fatos, tinha domínio sobre o que
ocorria lá dentro. O que nós fazíamos, o que era feito conosco ali. Ele
tinha poder de ascendência sobre tudo que acontecia lá”, disse Artur
Machado Scavone, uma das testemunhas.
Durante as investigações, os procuradores encontraram documentos do
2º Exército que atestavam a prisão de Edgar de Aquino Duarte, que ele
não pertencia a nenhuma organização política e que atuava como corretor
de valores. A tese usada pelo Ministério Público Federal é a de que
Duarte foi sequestrado e permanece desaparecido, crime que, portanto,
não prescreveu e não se encontra sob a Lei de Anistia. Para o MPF,
enquanto não se souber o paradeiro da vítima e o corpo não for
encontrado, o crime de sequestro perdura. A Lei de Anistia não se aplica
ao caso porque os crimes continuaram a ser cometidos após a lei ter
sido editada, em 1979.
“Eu não sabia o nome dele, mas me chamou muito a atenção porque
várias ocasiões quando os membros do DOI-Codi o chamavam, o chamavam de
Ivan [nome de guerra de Edgar], e ele sistematicamente falava: 'Meu nome
não é Ivan, meu nome é Edgar de Aquino Duarte'. Essa é uma situação
inusitada. Disso eu nunca me esqueci, e, anos depois, quando eu fui
solto, eu vi a fotografia dele nos jornais como desaparecido político”,
disse José Damião de Lima Trindade.
“Não resta a menor dúvida de que, entre 17 de fevereiro de 1972, e os
45 dias subsequentes em que estive no DOI-Codi, nesse período, Edgar de
Aquino Duarte estava sob a custódia do coronel Carlos Brilhante Ustra,
atualmente coronel, naquele tempo major”, acrescentou.
Os advogados de defesa tentaram anular a denúncia do Ministério
Público alegando inépcia, inexistência de provas, prescrição do crime,
obediência hierárquica e ocorrência de anistia. Mas, em outubro deste
ano, a Justiça Federal rejeitou essas alegações e determinou
prosseguimento da ação penal. As audiências hoje foram conduzidas pelo
juiz titular da 9ª Vara Criminal, Hélio Egydio Nogueira.
O acusado Carlos Alberto Augusto declarou não conhecer Edgar, e
rebateu os questionamentos sobre tortura e assassinatos por partes dos
agentes do Estado durante a ditadura. “Vocês jornalistas já foram, desde
pequenos, preparados. Mentiram para vocês nas escolas, nas
universidades. A verdade vai começar a aparecer agora com os meus
depoimentos. São fatos de 1976. Se tivesse ocorrido crime estava
prescrito. Depois disso, estão desrespeitando Lei de Anistia. A imprensa
que quer me condenar? De jeito nenhum”, disse ao fim da sessão.
“Estão me submetendo aqui a essa humilhação de estar sentado no banco
dos réus. Tanto a Justiça Federal como os procuradores estão sendo
manipulados pelo governo federal”, acrescentou.
O acusado Alcides Singillo também negou a participação no sequestro e
em tortura e assassinatos. “Sou completamente inocente, não serei
preso, não fiz nada. Apenas trabalhei, salvei a pátria do proletarismo,
fazendo inquéritos. Tenho orgulho de ser democrata, nunca soube de
tortura”, declarou.
Amanhã (10), mais três testemunhas de acusação deverão ser ouvidas:
Ivan Seixas, Lenira Machado e César Augusto Teles. Na quarta-feira (11),
Maria Amélia de Almeida Teles e Virgílio Egydio Lopes Enei deverão
testemunhar sobre o desaparecimento de Duarte.