Segunda, 7 de
julho de 2014
José Luiz Naves troca jornal por dinheiro
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Do TJDF
O juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública do DF condenou o
ex-secretário de Planejamento do DF, José Luiz Vieira Naves, nas penas do art.
12, inciso I da Lei de Improbidade Administrativa, nº 8.429/92. O condenado
terá que devolver R$ 8,4 milhões ao cofres públicos, incluindo neste montante
o que acrescentou ilicitamente ao patrimônio (R$ 1,6 milhões); multa cível (R$
4,8 milhões) e danos morais coletivos (R$ 2 milhões). Além disso, o réu está
impedido de contratar com o Poder Público ou de receber benefício ou incentivos
fiscais pelo prazo de 5 anos, bem como com os direitos políticos suspensos pelo
prazo de 8 anos.
A sentença do magistrado se deu na Ação de Improbidade
ajuizada pelo MPDFT, na qual José Luiz Vieira Naves é acusado de participação
no esquema de desvio de dinheiro público do DF conhecido por Mensalão do DEM,
desbaratado no final do ano de 2009, pela Operação Caixa de Pandora da Polícia
Federal, que levou à prisão do então Governador José Roberto Arruda.
Segundo o órgão ministerial, o réu teria recebido de 2005
a 2006 a quantia de cerca de R$ 1,6 milhões, paga pelo então Secretário de
Assuntos Sindicais, Durval Rodrigues Barbosa. Os extratos bancários de José
Luiz Naves comprovam que durante esse período centenas de depósitos em
espécie foram efetuados na sua conta corrente, no BRB – Banco de Brasília.
Entre as provas, estão também gravações feitas por Durval Barbosa, delator do
esquema, nas quais José Naves aparece recebendo dinheiro.
Em depoimento prestado à Justiça, Durval esclareceu o
motivo pelo qual o réu recebia mesada e sobre sua importância para a
organização criminosa: “Caso o Sr. José Luiz Vieira Naves deixasse de receber
os valores pagos por ele, não seriam feitas as liberações para o pagamento das
empresas que mantinham o referido esquema de pagamento de propina desvendado
pela Caixa de Pandora. (...) Esses recursos entregues a José Luiz Vieira Naves
e a outros eram recolhidos pelo depoente junto às empresas prestadoras de
serviços de informática ao GDF; (...) que na condição de Secretário de
Planejamento, José Luiz Vieira Naves tinha controle sobre as liberações dos
recursos relacionados a cada serviço de informática demandado pelo GDF (...);
que José Luiz Vieira Naves negociava a alocação de recursos no orçamento
(...)”.
José Naves apresentou contestação defendendo, em
preliminar, a ilicitude das provas. No mérito, afirmou que os depósitos
em dinheiro na sua conta eram decorrentes de “diversas atividades econômicas”
desenvolvidas por ele, dentre elas a de pecuarista. Quanto aos valores
recebidos das mãos de Durval (gravações em vídeo), alega que foram destinados à
campanha eleitoral do ano de 2006, da então candidata Maria de Lourdes Abadia
ao governo do DF. Pediu a improcedência da ação.
Quanto à licitude das provas, o juiz destacou: “ As
alegações do réu a respeito da suposta ilicitude das provas não se mostram
consistentes. Como se sabe, a prova, para servir de sustentáculo para uma
decisão judicial, há de ser obtida por meios lícitos, funcionando como um
mecanismo de legitimação das decisões. No caso dos autos, verifica-se a
ocorrência de gravação de áudio e vídeo, na qual um dos interlocutores
gravou a conversa mantida com o outro, sem o conhecimento deste, com a
autorização judicial. O tema encontra-se provido de entendimentos jurídicos já
consolidados por meio de construção jurisprudencial”.
Ainda de acordo com o magistrado, “É certo que os atos
imputados ao réu decorrem, como está fartamente demonstrado nos autos, do
aparelhamento de uma organização criminosa no âmbito do Governo do Distrito
Federal durante os períodos de 2003/2006 e 2007/2010, sendo essa a síntese da
premissa fática apresentada pelo MPDFT, a fim de requerer a condenação do ora
réu pelo cometimento de ato de improbidade administrativa”.
Confira aqui mais alguns trechos
da sentença:
(...)“Percebe-se que o dinheiro recebido por José Luiz Vieira
Naves consistia, em verdade, em contraprestação ilícita, decorrente de sua
atuação na liberação de valores para pagamento às sociedades empresárias
prestadoras de serviços de informática para o Governo do Distrito Federal.
(...) Mesmo que fosse verdadeira a hipótese suscitada pelo
réu, na versão de que os valores teriam sido empregados em campanha eleitoral,
é inadmissível que um Secretário de Estado receba pessoalmente dinheiro em
espécie para promover pagamentos relativos a gastos de candidata em campanha
eleitoral, pois isso contraria todas as regras de regência para a espécie,
especialmente por ter depositado os valores recebidos em sua própria conta
bancária.
(...) É necessário esclarecer que a outra versão
apresentada pelo réu no sentido de que as quantias depositadas teriam decorrido
da venda de grande parte de seu patrimônio, constituído por lotes, terras,
gado, tratores, máquinas agrícolas em geral e laticínio, não restaram provadas,
em absoluto. Segundo a legislação vigente, caberia ao réu provar por meio de
documentos os vários negócios jurídicos alegados, que, sabidamente, devem ser
feitos por meio do registro da respectiva escritura pública no cartório do
Registro de Imóveis e somente por esse modo podem ser provados, como é
elementar (art. 1245 do Código Civil e art. 366 do CPC).
(...) A atuação do réu no episódio constitui, portanto,
séria afronta aos ditames que orientam a vida profissional e pessoal de um
Secretário de Estado do Governo do Distrito Federal.
(...) Quanto ao pedido de condenação do réu ao pagamento
de danos morais sofridos pela coletividade, convém esclarecer que essa
providência jurisdicional, em sede de ação de improbidade administrativa, é
plenamente aceita na Jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça –
STJ".
Ao concluir a sentença, o juiz fez
algumas observações sobre o “crime do colarinho branco”:
“Atitudes criminosas como essas produzem resultados gravosos
ao meio social, principalmente em virtude do abuso da confiança depositada no
seu lugar social ou na respeitabilidade de seu cargo. O chamado “crime de
colarinho-branco” é um delito, mesmo quando praticado por grandes homens de
negócios ou por autoridades políticas. (...) Além disso, grande parte da
população brasileira simplesmente não percebe a essência danosa desses atos
delituosos e se comporta, estranhamente, de modo condescendente com esses
agentes ímprobos, não os considerando como verdadeiros cometedores de delitos e
tendo por eles a especial admiração ou inclinação para conceder-lhes certas
imunidades.(...) Finalmente, ressalte-se que a desonestidade de alguns agentes
públicos – e nesse ponto não pode haver generalizações – é vista com alguma naturalidade
pelo senso comum, que aposta na máxima de que se os representantes do povo são
corruptos, que seja eleito o que “rouba, mas faz”. Instaura-se, assim, um
ambiente social e político indiferente a esses graves atos delituosos,
criando-se e perpetuando-se, nas estruturas de poder do Estado, o meio onde
proliferam associações criminosas, com a manutenção de um sistema corrosivo dos
valores republicanos e dos interesses primários da sociedade, agora objetivada
como uma cética coletividade de contribuintes, em face da dessublimada imagem
do Poder Público e de seus representantes”.
Ainda cabe recurso da sentença de 1ª Instância.
Processo: 137155-4/2010