Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Tira o tubo

Quinta, 27 de janeiro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
O humorista Jô Soares, em outros tempos, comandava um programa de televisão que tinha uma plêiade de personagens, incluindo um sujeito que estava muito doente, internado em um hospital, vivendo à custa de tubos pelos quais lhe ministravam ar, alimentação, sangue, essas coisas.

   O personagem, se não me falha a memória, era um militar à moda antiga, melhor dizendo, entusiasta da Revolução Redentora de 31 de Marços de 1964, aquele pela qual tão entusiasticamente torci em um tempo que coincidiu e se seguiu imediatamente à minha entrada na faculdade – uma revolução que, como é de praxe, rapidamente desvirtuou-se, enganou aos seus simpatizantes, como Saturno devorou seus filhos (sobretudo os líderes mais capazes, cujo exemplo maior foi Carlos Lacerda), tornou-se autoritária, alcançou o triste estágio de ditadura e afinal desengonçadamente terminou.

   Somente em favor da exata dimensão histórica das coisas: não se pode comparar o previsível final desengonçado e triste dessa ditadura brasileira, bem como da anterior, do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1945, da colossal, surpreendente e estrepitosa queda do império soviético, que um dia já fora chamado de Revolução Comunista e Revolução Bolchevista. O mal causado por cada, independentemente das eventuais e pouco avaliáveis intenções, é da mesma natureza – mas a intensidade daquele horror cor de sangue lá do norte é, perdoem o trocadilho involuntário, desnorteante.

   Mas, ora, voltemos ao personagem do tubo. Um coitado que passava a maior parte do tempo em coma. Não sabia de nada do que ia acontecendo com a Revolução Redentora que tanto amava. De vez em quando, ele acordava, olhava em volta, sempre havia alguém disponível para contar alguma coisa ou responder a alguma pergunta.

   “O Brizola foi eleito governador do Rio de Janeiro”, dizia despretenciosamente a pessoa próxima, frequentemente uma enfermeira (podia ser apenas auxiliar de enfermagem, mas convém, se você estiver internado em um hospital, chamar a todas – exceto as médicas – de enfermeiras porque esta é uma maneira bastante eficaz de bajular e obter um pouco mais de atenção, principalmente se você sente dores).

   É que é muito comum nos hospitais (honrosas exceções de praxe, claro) considerar a dor como “mero sintoma” e não como doença e, por conta dessa teoria, deixar o paciente sofrer o máximo que ele é capaz de suportar. Aí, quando o sujeito já está fazendo um barulho muito incomodativo, capaz de produzir dor de ouvido em médicos, enfermeiros (as) e seus (as) auxiliares, dão umas gotinhas de dipirona ou algo que o valha. Umas gotinhas!

   Bem, mas então o personagem dos tubos ficava sabendo, de sopetão, que Brizola, aquele revolucionário foragido, exilado, articulador dos “Grupos dos Onze”, passara a ser, sem mais aquela, governador do Rio de Janeiro e candidato forte a presidente da República. Um absurdo. O personagem fazia um esforço extremo, quase sentava no leito e disparava: “Tira o tubo”.

   Pois é, gente. O secretário de Comunicação do PT, André Vargas, disse ontem que o ex-presidento Lula defenderá o retorno ao partido do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, aquele bode expiatório do Mensalão. Disse que Delúbio foi “foi injustiçado”, que a direção do PT vai votar seu pedido de refiliação em março ou abril e que, se o ex-presidento Lula “for questionado, vai dizer que é favorável”.

   Tira o tubo.

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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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Reveja aqui um quadro do general do "tira o tubo"