Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A PF e o estado de direito

Sexta, 12 de agosto de 2011
Por Ivan de Carvalho

Seria rematada tolice qualquer tentativa que neste espaço, para isto escasso, se fizesse para uma abordagem geral do caso que teve como detonador a Operação Voucher, da Polícia Federal, mobilizando 200 policiais federais distribuídos em São Paulo, Brasília e Macapá para cumprir mandados de prisão e busca e apreensão relacionados com o Ministério do Turismo.

Assim, tenho optado, nas duas edições anteriores e nesta, em pinçar alguns dos já quase inumeráveis pontos sensíveis da ampla e quase geral e irrestrita esbórnia policial, administrativa, jurídica e política que o caso apresenta. Um desses pontos foi o uso injustificado, portanto ilegal e criminoso, segundo a Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal, de algemas.

E, em meio a tudo isto, esforcei-me também em afirmar a injustiça, cruel, maldosa e irresponsável que vem sendo praticada contra pelo menos um dos muitos indiciados, o ex-deputado estadual e federal do PMDB baiano Colbert Martins Filho, secretário nacional de Desenvolvimento de Programas de Turismo. Mas isto não sou somente eu que tenho feito, mas outros jornalistas que o conhecem bem, assim como políticos 
liados e adversários dele.

Hoje, de certo modo insisto neste assunto das algemas, provocado por uma entrevista do ministro da Justiça, o deputado petista e professor de Direito José Eduardo Cardozo, quando se defendeu de críticas (com as quais não compartilho e que constituem fogo amigo disparado pelos próprios governo e correligionários dele) de que não deveria ter avisado a presidente Dilma Rousseff do que estava para acontecer, isto é, de que iria ser deflagrada a Operação Voucher.

Aliás, a presidente já esteve dizendo ontem no Ceará que não pode continuar tomando um susto cada vez que acorda de manhã. É. De fato, a coisa está braba. Entre os vários sustos, a sensação muito real de queda, no caso, de importante queda de popularidade, atestada pela pesquisa CNI/Ibope divulgada em meados desta semana.

Mas, voltando ao ministro da Justiça. Ele repeliu as críticas por não haver revelado à presidente nem a ninguém a deflagração da Operação Voucher. Disse que não sabia, que soube apenas logo após iniciada, logo antes da PF avisar à imprensa, pois o inquérito policial da Operação Voucher estava sob segredo de Justiça. Assim, seria ilegal alguém dizer a ele, seria ilegal ele saber, da mesma forma que seria ilegal sair contando à presidente da República e a outras pessoas. Quando finalmente soube, o prestativo ministro telefonou para o Palácio do Planalto para avisar a presidente.

Transcrevo trecho da entrevista dele ao Terra Magazine: “Acho curioso que exijam que uma autoridade pública saiba com antecedência de uma operação da Polícia Federal que estivesse em segredo de justiça. O que esperavam do ministro da Justiça? Que eu descumprisse a lei? Infelizmente, muitos não percebem que vivemos num estado de direito. A mim, cabe o cumprimento da lei, e não o seu desrespeito.”

    Verdade. Mas a PF é subordinada ao Ministério da Justiça e, desacatando súmula vinculante do STF, usou desnecessária e criminosamente algemas na operação, inclusive de modo a expor os presos ao registro de imagens da mídia (fotos foram publicadas no jornal Folha de S. Paulo e depois republicadas em muitos outros veículos de comunicação). O ministro, por ordem da presidente Dilma, pediu explicações à PF. Mas não há explicações aceitáveis, no caso. Talvez dentro do avião, mas em nenhuma outra circunstância. E as algemas foram impostas não só em avião, mas em ônibus, em aeroportos, em caminhadas. A Polícia Federal e o ministro não perceberam “que vivemos num estado de direito”?
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.