Terça, 6 de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho

Muito
lamentável é que autoridades e mídia não se preocuparam em identificar
exatamente a composição dos grupos de vândalos que insistiam em fazer suas
ações paralelas às manifestações absolutamente pacíficas. Então acabavam
surgindo, quase invariavelmente à margem, isolados das manifestações principais
pela rejeição dos próprios manifestantes, os “vândalos”.
Compondo esses grupos de vândalos
certamente havia pessoas com ideologias totalitárias, outras apenas exercendo
suas próprias tendências naturais à violência, bandidos profissionais ou
eventuais que se aproveitavam do tumulto para invadir lojas e roubar
mercadorias e, finalmente, os “infiltrados”, gente posta lá por quem devia
zelar pela ordem para provocar desordem que lhes permitisse atingir
politicamente as grandes manifestações que abalaram os governantes.
Mas estou escrevendo isto hoje por
um motivo especial. Foi o dia em que tomei conhecimento de uma carta.
Eletrônica, como é desses tempos.
Em São Paulo, o fotógrafo Sérgio
Silva, no exercício de sua profissão e exercendo direitos garantidos pela
Constituição brasileira, que documentava uma manifestação, foi atingido no olho
esquerdo por uma bala de borracha, uma inocente “arma não letal”. No dia 25 de
julho ele recebeu dos médicos a desconfortável notícia final de que jamais
voltaria a enxergar com o olho atingido. Vai colocar uma prótese, não para ver,
mas para que as outras pessoas não vejam. Não percebam com muita facilidade o
resultado plástico da crueldade de que foi vítima.
O fotógrafo Sérgio Silva iniciou
na Internet uma petição (abaixo assinado que continua recebendo signatários, no
site Change.org [clique aqui]) ao governador de São Paulo e outras autoridades a este
subordinadas, pretendendo que seja proibido o uso de “armas não letais” como as
balas de borracha, as bombas de gás lacrimogêneo e as outras. É bom lembrar que
esteve sendo usada no Rio de Janeiro a arma conhecida pela sigla Taser, que
dispara um raio elétrico de alta voltagem.
Classificada como “não letal”, a
arma Taser pode ser letal, se usada além dos limites de prudência (coisa comum
quando entregue a policiais despreparados psicologicamente e indevidamente
instruídos) ou se, mesmo dentro destes limites de uma suposta prudência, atinge
alguém com problemas cardíacos, a exemplo de arritmias. Pode desencadear uma
parada cardíaca.
Mas, em resposta aos muitos
signatários da petição a que deu origem na Internet, o fotógrafo Sérgio Silva
enviou carta dando conta do desfecho médico do seu caso, acrescentando: “Mas o
pior mesmo é olhar para o tempo e ver que os abusos por parte da polícia nas
manifestações não tem fim. Desde que eu, vários jornalistas e manifestantes
paulistas fomos feridos por balas de borracha e bombas de gás, ficamos sabendo
de outros casos no Rio de Janeiro de pessoas que também perderam a visão ou se
machucaram gravemente. Definitivamente,
isso não pode continuar!”. Tive a nítida impressão, praticamente certeza, acompanhando
o noticiário dos fatos, que várias vezes a mira foi feita deliberadamente no
rosto. As circunstâncias indicavam isto.
Bem, se
uma arma Taser pode matar, também uma bala de borracha não é tão inocente como
os governos querem que as pessoas acreditem. Ela também pode matar. Disparada
de perto e atingindo uma das têmporas, pode ser fatal. No Rio de Janeiro houve
também quem perdesse a visão, como também quem ficasse gravemente ferido, em
consequência da inócua bala de borracha.
E já que
dissemos que uma arma Taser, mesmo se usada nos limites de uma suposta
prudência, pode matar uma pessoa cardíaca (e são extremamente numerosos os
cardíacos, atualmente, e cada vez cardiopatias atingem pessoas mais jovens),
vale uma observação sobre as bombas de gás: o que acontece se um portador de
doenças pulmonares sérias, um asmático grave, por exemplo – que vai passando e
nada tem com a refrega entre a polícia e os “vândalos” ficar exposto a uma
nuvem desse gás e não receber um socorro imediato e adequado?
Acontece
um enterro.
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Este artigo foi publicado
originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista
baiano.
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"A borracha cega mas não cala". Veja o vídeo com a entrevista do fotógrafo Sérgio Silva.