Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Fora de controle

Sexta, 9 de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho
No Velho Oeste americano, uma quadrilha chegava a uma pequena cidade, seus integrantes amarravam seus cavalos e, calmamente, sob os olhares distantes de um xerife e dois ou três auxiliares, entravam em um banco, símbolo máximo do capitalismo nascente e impulsivo. Mas não havia qualquer viés ideológico na ação daqueles ladrões que vinham de fora roubar, talvez não muito raramente, os ladrões de dentro.

Pegavam, os que vinham de fora, o que lhes interessava do que já haviam antes pegado os que estavam dentro, então saíam, desamarravam e montavam seus cavalos, abandonando a cidade brindada com o espetáculo de tiros para cima – imagino que menos para amedrontar possíveis perseguidores, mais para comemoração e exibicionismo. Os tiros para cima eram as caxirolas (se de revólveres) e as vuvuzelas (se de rifles e carabinas) daqueles cenários dos saudosos grandes filmes de western.

Habitualmente, talvez para não parecerem uns molengas para suas mulheres e namoradas e querendo mostrar algum serviço, por mais ineficaz que fosse, para os donos do banco ou representante deles, o xerife e seus dois ou três auxiliares juntavam um grupo de cidadãos “corajosos” e saíam todos em perseguição ao bando, dissimuladamente cuidando de manter prudente distância, de modo a que este não se sentisse ameaçado e tentado a reagir.

E assim voltavam à cidade: desânimo estampado nas faces, cabeças baixas, mãos abanando. Mas salvos, inteiros, graças a Deus. Como toda regra tem exceção, às vezes uma quadrilha dava de cara com John Wayne, Wyatt Earp, Randolph Scott e o desfecho era outro para os ladrões de fora. Principalmente se o encontro ocorresse na cidade de Tombstone.
Mas o Velho Oeste quase nada tem a ver com Salvador, nem com o bairro de Tancredo Neves, a não ser a violência, que desse bairro não é uma exclusividade, por estar disseminada, com maior ou menor intensidade, nos outros todos.

Aí, reporta o noticiário, a polícia fez uma operação em Tancredo Neves, um bairro inquestionavelmente heróico, pois quem mora lá é herói, ressalvados, claro, os traficantes de drogas e sua “entourage” voluntária. Há, é claro, uma “entourage” involuntária, mas esta, ainda que não seja heroica, é vítima – e vítima por causa da ausência do Estado, da distância em que se põem o xerife e seus auxiliares, deixando o campo entregue aos bandidos.

Mas auxiliares do xerife – da Polícia Civil e da Rondesp – acabaram indo lá ontem e fizeram uma operação, que acabou pouco depois das 15 horas. Era uma ação de combate ao tráfico de drogas. Um total de 310 agentes participou. Não era, portanto, uma operação de brinquedo, era uma ação de porte que varreu a Estrada das Barreiras, e as localidades de Buracão, Vila dois Irmãos, Alto do Macaco e Lages, com o objetivo de cumprir 17 mandados de prisão por crimes ou suspeita de crimes de homicídio e tráfico de drogas e 22 mandados de busca e apreensão. Tudo que foi preso ou aprendido (pessoas, drogas e armas) foi encaminhado à Delegacia de Repressão a Tóxicos e Entorpecentes (A assessoria de comunicação da polícia não deu números).

Fim? Nem pensar. Aí foi que começou. Os donos do bairro, bravos, mostraram que ninguém vai lá, prende e arrebenta, sem que haja uma retaliação. Às 15:30h, mal a polícia deu por encerrada sua operação e ingenuamente foi embora, os bandidos, até o momento em que a polícia divulgou esta notícia, não identificados, deflagraram a deles. No “fim de linha”, incendiaram cinco ônibus e uma motocicleta e fizeram um arrastão. Unidades da PM foram enviadas ao local da rebelião.

A situação, assim, está bem complicada. O Estado perdeu o controle. Os bandidos cometem os crimes e dominam amplos espaços da cidade. Uma hora dessas a polícia monta uma operação e vai lá, conquista o espaço, cumpre parcialmente seu objetivo e, achando que tudo vai ficar na mais completa paz, vai embora. Então os bandidos saem das tocas, arrepiam, incendeiam, fazem arrastão, a polícia volta correndo e interrompe a retaliação. Aí... aí chega um momento em que acaba indo embora, quando abre a oportunidade para que comece tudo outra vez, a depender do humor dos bandidos donos da casa.

Acho que no Velho Oeste era melhor. Depois de entrar numa cidade e roubar um banco, os bandidos de fora ficavam cabreiros, desconfiados em relação ao lugar e davam um tempo antes de voltar a agir ali.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi originariamente publicado na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.