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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Hora da merenda

Sexta, 23 de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho
O Senado Federal concluiu, na quarta-feira, a votação do projeto de lei que proíbe cantinas e lanchonetes instaladas em escolas do ensino básico de vender bebidas com baixo teor nutricional ou alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, gordura trans ou sal (cloreto de sódio).

O projeto já havia sido aprovado antes, mas como é terminativo – uma vez aprovado em comissão, não precisa ser apreciado pelo plenário da Casa Legislativa, teve de ser submetido a segunda votação em nível de comissão. Agora seguirá para processo legislativo idêntico na Câmara dos Deputados, depois do que, espera-se (ela não ceder à pressão de lobbies, ativos nesse tipo de assunto), será sancionado pela presidente da República.

Note-se que os lobbies não são desprezíveis. Entre as bebidas de baixo teor nutricional estão todos os refrigerantes. Destes, os “normais” têm uma quantidade estúpida de açúcar, enquanto os “light” têm menos açúcar que os outros, com a compensação de adoçantes artificiais, a exemplo do cancerígeno ciclamato de sódio e os “diet”, a exemplo da Coca-Cola Zero, são uma bomba tóxica. Há uma quantidade mínima diária admitida por algumas agências reguladoras (incluindo a Anvisa) de ciclamato de sódio como “segura” – 40 mg. Assim, os riscos desta substância não seriam tão grandes quanto sustentam setores científicos responsáveis por outras pesquisas que investigaram o assunto. Arrisca quem quer.

Sintetizando: os refrigerantes e certos similares “normais” quase não têm nutrientes e incluem quantidades enormes de açúcar, que levam ao sobrepeso e à obesidade, maligna em si mesma e porta aberta para o futuro diabetes e todo o rol de males que esta doença acarreta ou pode acarretar. Ou, substituindo o açúcar no todo ou em parte, a sacarina e o ciclamato de sódio. E é o refrigerante que rola nas cantinas e lanchonetes escolares. Se, em casa, os país tiverem o bom senso e a vontade de dar uma boa orientação alimentar aos filhos, nas escolas, por paradoxal que pareça, é que eles vão encontrar a má lição.

Também quer o projeto – parte de uma discussão que já acontece no Congresso há oito anos, mostrando, de um lado, a negligência da maioria dos parlamentares com coisas sérias e, de outro, a força de atuação dos lobbies envolvidos (indústrias de bebidas, indústrias alimentícias e pontos de venda direta ao consumidor, no caso, principalmente crianças e jovens na primeira adolescência) regular a venda de alimentos nas cantinas e lanchonetes das escolas do ensino básico.

Decidiu finalmente o Senado (mas faltando a Câmara, a sanção presidencial e a fiscalização efetiva, que não é coisa fácil, sobretudo se não presença frequente de fiscais e punição séria para os infratores) proibir a venda de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gordura sataruda, gordura trans e o sal de cozinha (por causa do sódio). Biscoitos recheados, hamburgers, chesburgers, queijos – tudo isso está cheio de gordura trans ou saturadas, embora, por um malandro regulamento da Anvisa, possa se escrever “zero gordura trans” ou “zero gordura trans na porção” se na porção (o rótulo dirá a que quantidade corresponde um porção) houver gordura trans, sim, mas abaixo do limite máximo. Se diz zero e tem alguma gordura trans, é mentira – propaganda enganosa autorizada pela Anvisa, órgão do governo federal.

No açúcar e na gordura saturada moram a obesidade, o diabetes, a elevação do colesterol. A gordura trans, que se encontra nas margarinas, em todos os óleos vegetais hidrogenados ou parcialmente hidrogenados – o óleo de oliva fica fora disso, mas o dendê, mesmo não sendo hidrogenado, portanto, não sendo trans, é saturado, como também é o caso do óleo e leite de côco – leva ao entupimento direto das artérias (especialmente as coronárias e os vasos cerebrais)  e ao entupimento “indireto”, por induzir o fígado a produzir mais colesterol.

Admirável é que acabe se tornando tão demorada no Congresso a elaboração de uma lei que já existe em cinco Estados, por iniciativa deles, ainda que com critérios variáveis – mas representando, de certa forma algum esforço de frear um pouco a marcha batida da população brasileira, em mais de 80 por cento urbana, o que facilita – não somente grande consumidora de alimentos e bebidas que mais adoecem que alimentam e hidratam as pessoas. Mas para ser, cada vez mais, consumidora de medicamentos e serviços médico-hospitalares. Ressalve-se que o fenômeno não ocorre somente no Brasil. O maior exemplo são os Estados Unidos, onde a projeção é de que em 2030 mais de 50 por cento de sua população será de obesos e onde a obesidade (como já acontece no Brasil com cada vez mais intensidade), a obesidade já começa na infância.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.