Sábado, 24 de agosto
de 2013
Por Ivan de Carvalho
Devem
chegar neste fim de semana os primeiros dos 4 mil médicos que o governo
brasileiro decidiu importar do governo cubano, já sob a suspeita ou pelo menos
insinuação de formar médicos como um produto comercial de exportação. O
principal contrato do governo cubano nesse item foi celebrado com o governo do
ex-ditador-presidente Hugo Chaves, da Venezuela. Foram 25 mil médicos. Esse
contrato está para findar-se no agora país do presidente Nicolás Maduro e o
governo brasileiro já vinha há meses planejando compensar o governo cubano com
a importação de aproximadamente dez mil médicos, o que, ao preço de R$ 10 mil
cada médico (esse valor traduzido em dólar), carrearia para o governo comunista
de Cuba R$ 10 milhões por mês, o que, para um governo que está matando cachorro
a tapa e tartaruga a beliscão, não chega a ser uma pechincha.
Na
quinta-feira, antes de ter a informação completa, escrevi neste espaço que os
médicos cubanos que vierem ficarão felizes com a “bolsa” de 10 mil reais por
mês. Mas o ministro da Saúde, o petista Alexandre Padilha, explicou depois que
o governo brasileiro não pagará nada aos médicos. Pagará ao governo de Cuba e
este decidirá quanto, dos R$ 10 mil mensais que receberá por cada médico,
pagará aos médicos cubanos no Brasil. Trata-se, portanto, na prática, de uma
evidente terceirização de parte da saúde pública brasileira ao governo de Cuba.
O
governo brasileiro exige, para alocar um médico cubano em uma cidade carente de
médicos (os números devem ser maiores na Bahia, Maranhão e Piauí) que o
município forneça casa e alimentação. Não há esclarecimento a respeito de que
tipo ou nível de habitação nem de alimentação. Quanto ao dinheiro que o governo
cubano pagará a cada médico exportado para ao Brasil, o Ministério da Saúde diz
não saber, mas estar informado que o governo de Cuba costuma pagar entre 25 e
40 por cento do que recebe. Isto, no caso do contrato brasileiro,
corresponderia a R$ 4 mil, no máximo.
Diz o governo brasileiro ter certeza de que nenhum
médico importado de Cuba receberá menos que seus subordinados
profissionalmente, vale dizer, do que uma enfermeira, que ganha, no máximo R$ 3
mil. O médico, portanto, poderá ficar aí com uns R$ 3 mil e pouco. E vão
trabalhar no Programa de Saúde da Família, principalmente, mas, é claro, não
exclusivamente, pois se em um município só houver um médico, o cubano, ele será
chamado para tudo. Vai ser o que o médico Ariston Andrade, ex-deputado estadual
e federal pela Bahia e ex-prefeito de Monte Santo disse certa vez ao presidente
João Figueiredo, quando perguntado sobre sua especialidade: “Eu sou
interiorista, faço parto, conserto osso...”.
A
questão da importação dos médicos cubanos tende a ser judicializada. Essa
probabilidade pipocou no noticiário de ontem. O procurador José Ramos Pereira,
que comanda, no Ministério Público do Trabalho, a Coordenadoria Nacional de
Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, disse que a forma de contratação
fere a legislação trabalhista e a Constituição. “O MPT vai ter que interferir,
abrir inquérito e chamar o governo para negociar.” O procurador-geral do
Trabalho, Luiz Camargo, botou panos quentes: o Ministério Público não pode
(ainda) tomar esta posição, pois não dispõe das informações necessárias, que
disse irá pedi-las à Advocacia Geral da União. O acerto dos governos cubano e
brasileiro também foi questionado juridicamente por auditores fiscais do
Ministério da Saúde em São Paulo e pelo presidente da comissão da OAB-SP que
trata de assistência médica. Já o presidente da seção mineira do Conselho
Federal de Medicina, João Batista Gomes Soares, disse que serão considerados
“ilegais” os médicos cubanos que não apresentarem o Revalida, exame para
revalidação de diplomas entrangeiros. No programa Mais Médicos, por medida
provisória, o governo brasileiro dispensou o Revalida (onde a aprovação é
tradicionalmente difícil) e adotou uma “avaliação” facilitária. O presidente do
Cremeb mineiro disse que a medida provisória não revoga a lei e que, caso um
médico com diploma estrangeiro exerça a medicina sem passar pelo Revalida, o
Cremeb, que não reconhecerá um médico nessas condições, “chamará a polícia”
para registrar boletim de ocorrência e dar a partida a um processo judicial pelo
“crime de exercício ilegal da medicina”. Já o ministro Padilha, da Saúde, disse
que “vamos até o fim”. Tudo vai até o fim, naturalmente.
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Este artigo foi publicado originariamente na
Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.