Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Não dá para confiar

Sexta, 2 de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho
         Já não dá mesmo para confiar na presidente Dilma Rousseff. Ela sancionou ontem, integralmente, a lei que usando espertos truques de linguagem conseguiu ludibriar a atenção dos congressistas e obter aprovação. Em regime de urgência e sem objeções temporâneas. As objeções só surgiram depois que, aprovado o projeto pelo Congresso, descobriu-se a perfídia praticada.

         O projeto foi apresentado inicialmente em 1999 por uma deputada do PT, ficou engavetado até este ano, quando, em fevereiro, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, também petista, pediu ao presidente da Câmara, o peemedebista Henrique Eduardo Alves, que, numa “homenagem” ao Dia Internacional da Mulher, desarquivasse o projeto e o pusesse em tramitação. Alves não se animou muito com a idéia, mas aproveitando-se de uma viagem sua, o deputado André Vargas, secretário de Comunicação do PT, tirou o monstro da gaveta.

         Houve então um acordo de líderes – devido aos malandros truques de linguagem produzidos pelo PT, não perceberam o real sentido da coisa – e foi aprovada a tramitação em regime de urgência. Assim, a discussão e a votação, sob a relatoria de outro petista, ocorreram às pressas, exatamente para não dar oportunidade a alguma lesma inconveniente e chata ler a coisa com atenção e descobrir onde as cobras dormiam.

         Foi aprovado assim na Câmara e em seguida, também assim no Senado Federal, que como câmara revisora não reviu coisa alguma, tudo indicando que sequer viu. Muito bem documentado está, em áudio, imagem e papel, que, antes do início de sua campanha eleitoral para presidente da República, Dilma Rousseff se declarou, em entrevista, a favor da “descriminalização do aborto”.

         Já na campanha, em momento difícil que não esperava, sob pressão dos evangélicos e cortejando também o voto dos católicos, assumiu o compromisso público de que nem ela nem seu governo tomariam qualquer iniciativa no sentido de estimular ou facilitar o aborto no Brasil. Mesmo sabendo que o PT é oficialmente favorável à descriminalização do aborto.

         Então, depois de tão solene compromisso, ela consente (ou instrui?) que seu ministro da Saúde vá pedir ao presidente da Câmara para desarquivar um projeto petista com os truques de substituir a palavra aborto por “profilaxia da gravidez” e escamotear do texto o termo estupro, substituindo-o pela genérica “violência sexual” contra a mulher.

         Muitos parlamentares perceberiam, se estivessem no texto, os termos aborto e/ou estupro e fariam, então, cuidadosa análise do projeto. Mas esses termos, por serem chamativos, foram evitados. Um golpe de mestre. O PT, a julgar por este episódio, e não só por este, sejamos francos, parece, já se tornou mestre em golpes.

         Mas, Dilma Rousseff? Será que a Presidenta Rousseff e o Papo Francisco conversaram tão pouco que ela não entendeu o que o sucessor de Pedro andou dizendo, suave, mas inequivocamente, em sua viagem ao Brasil, sobre o aborto? Será que ela entendeu tudo perfeitamente, mas ao contrário e por isto tascou a sanção, contrariando os pedidos de cristãos – católicos e evangélicos – que recebeu?

         Bem, então ela esqueceu aquela promessa. Seu governo, por seu ministro da Saúde, estimulou sim um projeto que facilita o aborto e ela o transformou em lei com sua sanção. Uma lei autoritária, ditatorial, porque tenta obrigar médicos e outras pessoas da área de saúde a fazerem ou participarem de ato de extinção de seres humanos indefesos e inocentes, o que bem pode contrariar suas consciências. Comunistas, fascistas e nazistas faziam esse tipo de imposição. Comunistas ainda fazem, em alguns lugares do planeta em que têm sobrevida.

         E então o Congresso não viu o que, apesar dos truques de linguagem que petistas introduziram no projeto 03/2013, agora lei, é imperdoável. Os parlamentares têm a obrigação de conhecer cada vírgula que aprovam. Ontem, o governo anunciava que um novo projeto vai corrigir problemas e esclarecer pontos da lei sancionada. Ora, então porque a presidente não vetou a porcaria toda para em seguida fazer um projeto decente?

         Ah, quem se lembra? Depois de mandar matar as crianças de até dois anos de idade na suposição que Jesus estaria entre elas, Herodes, o Grande (?!), não deu qualquer ordem misericordiosa. Oremos para que agora não seja como outrora.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.