Quinta, 22 de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho
Quando
anunciou, em julho, incomodado com as grandes manifestações populares de junho,
que contrataria dez mil médicos, estrangeiros tantos quantos necessários para
suprir necessidades para as quais não se apresentassem médicos brasileiros, o
governo Dilma Rousseff explicou que, quanto aos estrangeiros, daria preferência
aos médicos portugueses e espanhóis, aparentemente como uma maneira de afastar
a suspeita de que o que pretendia mesmo era trazer para as regiões mais pobres
do país seis mil médicos cubanos. Até já se falara antes em “importar”,
coincidentemente, esses seis mil médicos cubanos, gerando forte oposição da
categoria médica brasileira.
Ontem, o
governo Dilma Rousseff anunciou que vem aí um magote de quatro mil médicos de
Cuba, a ilha comunista do Caribe. Eles irão suprir as vagas não preenchidas no
programa Mais Médicos e, de acordo com o Ministério da Saúde, o grupo pioneiro
desse magote, formado por 400 médicos, devem vir imediatamente ao país. Os
demais, logicamente, virão na sequência.
Os médicos cubanos serão direcionados
para as cidades que não foram escolhidas por nenhum profissional cadastrado
(houve muitos que tentaram cadastrar-se e não conseguiram) durante a primeira
etapa do programa. Serão supostamente beneficiadas 701 cidades, das quais 84
por cento estão nas regiões Norte e Nordeste.
Citado ontem no blog de Reinaldo
Azevedo, da Veja.com, o deputado Eleuses Paiva, do PSD paulista, afirmou à esse
site em 20 de julho, que a Venezuela teve a importação de 25 mil médicos
cubanos (parece que em Cuba ninguém fica doente, ressalvado Fidel Castro) e que
“a Federação Médica Venezuelana nos disse que tinha sérias dúvidas se essas
pessoas eram médicas de verdade, porque as condutas profissionais que elas
adotavam eram absurdas. É justamente esse acordo que nós desconfiamos que o
governo brasileiro esteja fazendo, porque esses médicos têm um contrato com o
governo venezuelano que acaba agora. Eles estão retornando para Cuba e são
justamente os 25 mil que estavam trazendo para o Brasil quando nós os
emparedamos. Baseado nisso, o ministro [Alexandre] Padilha, que é uma pessoa muito
boa para desviar a rota, diz que vai trazer profissionais portugueses e
espanhóis. A notícia que nós temos, e que provavelmente o ministro dará, é que
serão dez portugueses, vinte espanhóis e 25.000 médicos cubanos. O foco da
discussão, na realidade, é médico cubano. É isso que ele está tentando trazer.”
Bem, deixemos o deputado
Eleuses Paiva com seus maus bofes e seus preconceitos contra os médicos cubanos
e suas práticas estranhas e passemos a outro ponto.
Esse negócio de importar médicos
cubanos para cuidar de nordestinos e nortistas pode apresentar três vantagens
talvez indiscutíveis.
1. Para os próprios médicos
cubanos. Em seu país, eles são pagãos pelo Estado e conseguem ganhar algo como 25
a 30 dólares por mês. E, se a família do paciente fica grata com o serviço ou a
atenção – dizem, estrangeiros que já foram atendidos por eles lá em Cuba, como
um colega e amigo meu, Jadson Oliveira, que eles são muito atenciosos – podem
ganhar, creio que por baixo dos panos para não serem acusados de receber
suborno, uma galinha ou uma dúzia de ovos ou algumas cenouras de alguma horta
de fundo de quintal, se houver quintal. Aqui no Brasil, não. Ganharão do
governo (ou prefeituras?) uma “bolsa” de 10 mil reais por mês e, se a isto for
acrescentada uma galinha, uma dúzia de ovos, um leitãozinho, poderão sair com o
presente exposto, com alegria e sem medo de qualquer acusação.
2. Mas, na saída, com ou sem
presente, tenderão a deixar uma foto do comandante Fidel Castro e do presidente
Raul Castro, como uma espécie de apresentação e uma foto de Lula e Dilma, com a
sugestão de que o paciente atendido e sua família votem no PT. Sim, porque
esses médicos tenderão a ser, graças à privilegiada situação em que o programa Mais
Médicos o coloca em relação aos seus colegas que permanecem em Cuba, eficientes
cabos eleitorais do PT e seus candidatos, seja ao que for.
3. As condutas médicas “absurdas”
que a Federação Médica Venezuelana viu nos médicos cubanos que talvez sejam totalmente
adequadas para as condições também absurdas em que funciona ou não funciona no
Nordeste e no Norte do país (e em muitos outros lugares do país) o sistema
público de saúde. Com isso, o SUS ganharia, pelo menos, coerência.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da
Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.