Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Tiros pela culatra

Quinta, 1º de agosto de 2013
Por Ivan de Carvalho
Na aflição para tentar reverter o desastre popular que sofreu no período de março ao fim de junho – agudizado radicalmente em junho – e que persistiu em julho, a julgar não só por pesquisas como pelo que se ouve nos bastidores políticos e se vê nas ruas (uma interminável multiplicidade de pequenos protestos diários e impressionante variedade em suas motivações e objetivos) – a presidente Dilma Rousseff, seu governo e o partido que tal governo representa, o PT, fizeram, pode-se dizer assim, de tudo.

         E até aqui parece que de nada valeu. Até dois fatos que se poderia até presumir que poderiam ajudar o governo muito mais o atrapalharam. Um deles foi a Copa das Confederações, um dos principais alvos dos protestos. O governo não se beneficiou nem um pouco com a gloriosa conquista da Copa das Confederações pela seleção brasileira, pois esta foi brasileira e de Felipão, mas não do governo.

         Do governo foram os estádios, os reformados e os reconstruídos a um custo altíssimo e, em alguns casos, com uma incompetência capaz de provocar mais riso que ira. Não vou entrar aqui na questão de custos financeiros, pois se trata de assunto adequado somente a especialistas, cabendo ao cidadão leigo e mesmo ao jornalista político apenas uma compreensão que não pode ser mais que superficial, ainda que possa ser, em muitos casos, desabonadora.

         Mas a Copa das Confederações valeria, como espera o governo que valha a Copa do Mundo, porque projetaria no exterior uma agradável imagem do país, capaz de construir bem, de organizar (não confundir com desorganizar) bem, de festejar as obras faraônicas gestadas nas mentes de seus governantes. E, no entanto, que ironia, a Copa das Confederações serviu para reunir aqui equipes de trabalho da mídia mundial e chamar a atenção para o rolo que se passava do Oiapoque ao Chuí – enormes manifestações de protesto nas ruas, por causa do estado degradado e degradante de serviços públicos como os de saúde, segurança pública, educação e transporte coletivo urbano, por causa da corrupção endêmica e epidêmica (sim, o Brasil tem sido capaz de produzir este dueto infernal).

         Ah, o tiro saiu pela culatra. Quem sabe, tudo se repete na Copa do Mundo e aí as coisas adquirem um aspecto ainda mais assustado para os governantes e o governismo (até levando de roldão as oposições, se elas não souberem, daqui para lá, executar uma estratégia que lhes permita sair da linha de tiro).

         Mas a população se mostrou refratária a recompensar a oferta do circo que com seu dinheiro lhe ofereceram, quando poderiam tê-lo empregado em hospitais, postos médicos, ambulatórios, equipamentos, medicamentos e pessoal da área de saúde, para não detalhar os demais setores levados às ruas pelos manifestantes, como escolas, transporte coletivo e segurança pública, uma das mais gritantes vergonhas nacionais.

Também deu sinais de que o “pão” representado por programas como o Bolsa Família e as sempre rachadas casas do programa Minha Casa Minha Vida – que lembram as cisternas de polietileno deformadas pelo calor do semiárido e até incendiadas, os trilhos moles da importante Ferrovia Norte-Sul e o grande risco de serem iguais, já que também chineses, os da igualmente importante Ferrovia Oeste Leste (Fiol) – e coisas mirabulosas (ou mirabolantes?) como um trem-bala e a Ponte João Ubaldo Ribeiro já não fazem a cabeça de muita gente.

Se fizessem, não haveria essa aflição toda no Palácio do Planalto, a presidente Dilma não faria a descortesia de cansar mais ainda um Francisco cansado “puxando” de algum lugar um papelório com um discurso protocolar (!) de meia hora. Nem estariam propondo atabalhoadamente “Constituinte exclusiva restrita” para desistir no dia seguinte, nem plebiscito inviável para as “vitais” diretrizes programáticas do PT do financiamento público das campanhas eleitorais “deles” – que se virem – nem do voto em lista, que só à cúpula do PT interessa e retira do eleitor o direito e a liberdade de votar no candidato a parlamentar que quiser.

Incrível, mas é com esse tipo de ofertas e mais o aborto, a liderança, no Brasil, do que o papa Francisco chamou de “lobby gay”, o “controle social da mídia” rebatizado – porque “controle não soava bem” – de “democratização da mídia”, é com isso que o PT e seu governo esperam escalar as paredes do profundo poço em que hoje estão. Isso é bem aquela filosofia de que, quem não tem cão, caça com gato. Ou até com rato.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.