Terça, 17 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho

No caso do Distrito Federal, até
haveria razão para uma grande dose de surpresa. É que quando candidato a
governador, Agnelo Queiroz, atentem só, assegurou aos eleitores que todos (?!)
os problemas de saúde do Distrito Federal seriam resolvidos nos primeiros
milagrosos cem dias de seu governo, se fosse ele o eleito. Foi. E já está no
cargo há dois anos, oito meses e meio.
O desempenho do Sistema Único de Saúde
no Distrito Federal, nesse período, piorou. Isso parecia muito difícil de
acontecer, ante a situação anterior, mas o governo Agnelo Queiroz conseguiu. É
o que, com dois exemplos muito esclarecedores, mostrou Patrícia Fernandes,
sábado, no site do Jornal de Brasília, em reportagem sintética, mas
investigativa, reproduzida pelo blog gamalivre.com.br.
Há
uma estranha e lamentável ausência de reportagens investigativas na área de
desempenho do SUS no país, enquanto se faz um barulho ensurdecedor e muito
conveniente ao governo federal por causa de um extremamente polêmico programa
chamado “Mais Médicos” – com alguns pontos detestáveis, um dos quais até
caracteriza ostensiva chantagem, a impossibilidade dos médicos cubanos não
poderem trazer suas famílias ao Brasil.
Mas
não misturemos as coisas. Voltemos ao Distrito Federal. No Hospital Regional da
Asa Norte, duas pacientes fizerem cirurgia para retirar pedras na vesícula.
Receberam alta, mas logo tiveram de voltar ao hospital às pressas, com dores
fortes e quadro infeccioso severo. O hospital entendeu que para o diagnóstico
do que estava ocorrendo com elas (o fato de serem duas pacientes com problema similar
subsequente ao mesmo tipo de cirurgia já dá bons motivos para desconfiar que o
mal feito foi feito desde o começo) é necessário fazer o exame de
colangiopancreatografia retrógrada endoscópica – CPRE. Mas então é que o
impossível – não exageremos, o inacreditável, apenas – acontece: todos os
aparelhos da rede pública do Distrito Federal que fazem este exame e que são
coisa corriqueira, de nenhum modo alguma traquitana só encontrável nos
hospitais Albert Einstein e Sírio Libanês, estão com defeito.
Qual
seria a coisa óbvia? Na visão do governo do DF, instaurar ou dar curso a uma
licitação (a Secretaria de Saúde emitiu nota em que usou linguagem que deixa
dúvida se a licitação iria ser aberta ou já estava em curso), esperar a
proclamação de um vencedor, colocá-lo a trabalhar naquele ritmo malemolente em
que os outros eventos desse caso vinham ocorrendo (ressalvadas, claro, as
dores, bem como os processos infecciosos severos que poderiam ou podem – depois
da publicação da reportagem, talvez seja mais prudente dizer poderiam – levar a
uma septicemia e ao cemitério) e quando os aparelhos fossem, se possível,
consertados, serem procedidos os exames nas duas pacientes, caso ainda vivas.
Na
visão do cidadão, do contribuinte e, nada desaconselha dizer, também do eleitor,
o procedimento seria outro. O governo do DF, por intermédio de sua Secretaria
de Saúde, encaminhar imediatamente as duas pacientes para clínicas de qualidade
(que as unidades públicas, pelo visto, não têm), nas quais os aparelhos para o
exame CPRE estejam em perfeito estado e fazer então o tal exame que leva ao
diagnóstico e desvia as pacientes do caminho do cemitério. Isto é o que um juiz
mandaria fazer imediatamente se fosse provocado por uma ou pelas duas
pacientes, com prazo, creio que não maior de 24 horas, para ter sua ordem
liminar cumprida. O juiz estaria baseando sua decisão na Constituição da
República.
O
governo do Distrito Federal preferiu basear-se na irresponsabilidade e no
desprezo à vida humana.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.