Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Dilma e a Internet

Sexta, 20 de setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Julian Assange, fundador do site WikiLeaks e que está asilado na embaixada do Equador em Londres, sem salvo-conduto do governo britânico para sair de lá, afirmou que a decisão da presidente Dilma Rousseff de adiar, sem nova data prevista, a “visita de estado” que faria em 23 de outubro a Washington, foi um “importante ato simbólico”.

Que foi um ato simbólico não há dúvida nenhuma, mas quanto à importância resta ainda esperar alguns desdobramentos para chegar-se à conclusão se teve ou não. A presidente do Brasil adiou a viagem em evidente busca de dois objetivos.

Um, de política externa, representado por uma busca de afirmação no cenário internacional, ao que tende ainda a dar certas consequências, e o afastamento da ideia de ausência de firmeza na reação à bisbilhotice praticada pelo “império” americano na Petrobrás e no Palácio do Planalto, neste último envolvendo a própria presidente Dilma Rousseff e assessores, os formais e talvez um ou outro informal, a exemplo de Lula. A ação envolvendo o Palácio do Planalto é realmente irritante e, como sabe toda a torcida do Flamengo, a presidente é muito irritadiça.

O outro, de política interna. A caça ao voto, pelo espetáculo do nacionalismo berrante, em um momento em que a presidente candidata à reeleição faz todos os esforços, os razoáveis e alguns que extrapolam a razoabilidade, para recuperar-se das quedas brutais de popularidade e de aprovação de seu governo que ocorreram entre março e o fim de junho – principalmente nas três últimas semanas juninas. Só um exemplo, para não cansar o leitor com o que ele já sabe: o quase inacreditável (só não absolutamente inacreditável porque de fato aconteceu) discurso eleitoral com que saudou, em sua chegada ao país, no Palácio Guanabara, o papa Francisco.

Mas, voltando às afirmações de Julian Assange – que promoveu a incômoda divulgação de milhares de documentos confidenciais do governo americano –, ele sugeriu que a nossa decidida presidente não se limite ao adiamento da visita que faria aos EUA em outubro. Sugere que Dilma Rousseff dê a isso sequência com outras iniciativas, como a concessão de asilo à jornalista britânica Sarah Harrison, que integra a equipe do site WikiLeaks e está em Moscou, sem poder retornar ao Reino Unido por causa de seu envolvimento nos pedidos de asilo do ex-técnico (e herói moderno) Edward Snowden, que denunciou a espionagem eletrônica global praticada pelo governo americano (essa mesma que atingiu a Petrobrás, o Palácio do Planalto e a presidente Rousseff). Explica Assange que Sarah já viveu no Brasil e gosta do país e argumenta que essa atitude de conceder o asilo “seria uma oportunidade para o país pegar a bandeira dos direitos humanos, que os EUA deixaram cair”.

Além das afirmações relatadas, feitas por Assange à Folha de S. Paulo, em entrevista, lá do seu confinamento na embaixada equatoriana em Londres, ele participou, por vídeo-conferência, de um seminário sobre “Liberdade, privacidade e o futuro da Internet”, em São Paulo. Voltou a defender que o governo brasileiro conceda asilo a Sarah Harrison, mas concentrou-se então em outra questão muito mais ampla, em relação ao Brasil.

Assange atacou diretamente a proposta que, segundo o governo brasileiro, a presidente Dilma Rousseff deverá levar à Assembléia Geral da ONU, na semana que vem. É a proposta de criação de uma “governança global” para a Internet. O fundador do WikiLeaks disse que é “interessante” para um país se proteger do monitoramento por outro governo, mas qualificou a proposta do governo brasileiro de “perigosa”. E explicou o óbvio: “Será que realmente queremos um governo no controle da Internet?”. Uma pergunta muito apropriada: como ficariam, não o governo ou os governos controladores, mas os usuários da rede? O governo brasileiro estaria, pelo que entendi da proposta e do que sobre ela disse Assange, preocupado em blindar o próprio governo, enquanto os usuários da Internet estariam cada vez mais monitorados pelo governo que controlaria a rede.

E, assim, estamos nos preparando para ir à ONU levar lixo para lambuzar a Internet. Mas Assange chamou atenção para outra proposta – a de manter no Brasil os dados coletados pelas empresas de tecnologia. Assange faz parecer bem simples a refutação dessa proposta brasileira. A resposta, diz ele, não é armazenar os dados em outro lugar e sim “não coletar”.

A “fórmula” é autoexplicável.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.