Sexta, 20 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho

Que
foi um ato simbólico não há dúvida nenhuma, mas quanto à importância resta
ainda esperar alguns desdobramentos para chegar-se à conclusão se teve ou não.
A presidente do Brasil adiou a viagem em evidente busca de dois objetivos.
Um,
de política externa, representado por uma busca de afirmação no cenário
internacional, ao que tende ainda a dar certas consequências, e o afastamento
da ideia de ausência de firmeza na reação à bisbilhotice praticada pelo “império”
americano na Petrobrás e no Palácio do Planalto, neste último envolvendo a
própria presidente Dilma Rousseff e assessores, os formais e talvez um
ou outro informal, a exemplo de Lula. A ação envolvendo o Palácio do Planalto é
realmente irritante e, como sabe toda a torcida do Flamengo, a presidente é
muito irritadiça.
O
outro, de política interna. A caça ao voto, pelo espetáculo do nacionalismo
berrante, em um momento em que a presidente candidata à reeleição faz todos os
esforços, os razoáveis e alguns que extrapolam a razoabilidade, para
recuperar-se das quedas brutais de popularidade e de aprovação de seu governo
que ocorreram entre março e o fim de junho – principalmente nas três últimas
semanas juninas. Só um exemplo, para não cansar o leitor com o que ele já sabe:
o quase inacreditável (só não absolutamente inacreditável porque de fato
aconteceu) discurso eleitoral com que saudou, em sua chegada ao país, no
Palácio Guanabara, o papa Francisco.
Mas,
voltando às afirmações de Julian Assange – que promoveu a incômoda divulgação
de milhares de documentos confidenciais do governo americano –, ele sugeriu que
a nossa decidida presidente não se limite ao adiamento da visita que faria aos
EUA em outubro. Sugere que Dilma Rousseff dê a isso sequência com outras
iniciativas, como a concessão de asilo à jornalista britânica Sarah Harrison,
que integra a equipe do site WikiLeaks e está em Moscou, sem poder retornar ao
Reino Unido por causa de seu envolvimento nos pedidos de asilo do ex-técnico (e
herói moderno) Edward Snowden, que denunciou a espionagem eletrônica global
praticada pelo governo americano (essa mesma que atingiu a Petrobrás, o Palácio
do Planalto e a presidente Rousseff). Explica Assange que Sarah já viveu no
Brasil e gosta do país e argumenta que essa atitude de conceder o asilo “seria
uma oportunidade para o país pegar a bandeira dos direitos humanos, que os EUA
deixaram cair”.
Além
das afirmações relatadas, feitas por Assange à Folha de S. Paulo, em entrevista, lá do seu confinamento na
embaixada equatoriana em Londres, ele participou, por vídeo-conferência, de um
seminário sobre “Liberdade, privacidade e o futuro da Internet”, em São Paulo.
Voltou a defender que o governo brasileiro conceda asilo a Sarah Harrison, mas
concentrou-se então em outra questão muito mais ampla, em relação ao Brasil.
Assange
atacou diretamente a proposta que, segundo o governo brasileiro, a presidente
Dilma Rousseff deverá levar à Assembléia Geral da ONU, na semana que vem. É a
proposta de criação de uma “governança global” para a Internet. O fundador do
WikiLeaks disse que é “interessante” para um país se proteger do monitoramento
por outro governo, mas qualificou a proposta do governo brasileiro de
“perigosa”. E explicou o óbvio: “Será que realmente queremos um governo no
controle da Internet?”. Uma pergunta muito apropriada: como ficariam, não o
governo ou os governos controladores, mas os usuários da rede? O governo
brasileiro estaria, pelo que entendi da proposta e do que sobre ela disse
Assange, preocupado em blindar o próprio governo, enquanto
os usuários da Internet estariam cada vez mais monitorados pelo governo que
controlaria a rede.
E,
assim, estamos nos preparando para ir à ONU levar lixo para lambuzar a Internet. Mas
Assange chamou atenção para outra proposta – a de manter no Brasil os dados
coletados pelas empresas de tecnologia. Assange faz parecer bem simples a
refutação dessa proposta brasileira. A resposta, diz ele, não é armazenar os
dados em outro lugar e sim “não coletar”.
A
“fórmula” é autoexplicável.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.