Terça, 24 de
setembro de 2013
Por Ivan de Carvalho

Os dados sobre o homem foram mostrados
ou revelados verbalmente ontem, em um programa de televisão, “Balanço Geral”,
da TV Itapoan. O cidadão foi filmado enquanto sua história, contada por ele
mesmo e pela reportagem, era servida aos telespectadores, muitos dos quais, no
horário, deviam estar almoçando.
Mas
este último detalhe quase não importa, só é citado aqui para que não
fique muito incompleto o quadro, já com algumas lacunas produzidas pela memória
falha do autor destas linhas, que, almoçando, não cumpriu o dever de pegar um
papel e uma caneta e anotar todos os fatos e detalhes possíveis.
Bem,
ele, o cidadão sentado na grama, vestia roupa já notoriamente estragada, ainda
que ele mesmo haja revelado que lhe fora dada depois que se instalara no local.
Já estava ali há sete dias e, não fosse a roupa “nova” que naquele momento
vestia, estaria com a original, com a qual viera vestido do interior do estado em
um veículo que o prefeito lhe conseguira.
Aliás,
não lembro se era prefeito ou prefeita e de qual município era. Devia ter
anotado, para cobrar de tão prestativa autoridade (como cobrou o apresentador
do programa, Raimundo Varela) a continuidade de ação. Não bastava enfiar o
cidadão em um veículo e remetê-lo para a capital, cumpria àquela autoridade
usar o peso político do cargo para assegurar que fosse digna e eficientemente
atendido. Aliás, se todos os prefeitos e prefeitas da Bahia fizessem isso com o
devido empenho e envolvessem nesse esforço os vereadores que os apoiam e as
seções municipais dos partidos pelos quais se elegeram, o quadro de abandono
dos doentes pelo poder público não seria tão degradante.
Mas
voltemos ao núcleo do caso. O cidadão estava lá sentado há uma semana e
afirmava que dali não sairia enquanto não fosse atendido e tratado. Afinal, ir
para onde? Chegara acompanhado pela mãe, que não foi vista na reportagem nem
dela notei que se haja dado alguma notícia. Chegou a ser recebido para uma
consulta e lhe foi dito que seu estado de saúde é muito grave. Parece-me que
não ficou muito claro como, depois de ter entrado e sido examinado, foi parar
no lado de fora do hospital, onde se plantara com a disposição de não arredar
pé, salvo se para entrar outra vez.
O
paciente do lado de fora da emergência contara que havia comido alguma coisa
com “chumbinho” – mas, tudo fazia parecer, sem saber, muito menos sem ter a
intenção de por fim à própria vida. Essa hipótese não foi posta e em nada, se
fosse, alteraria a essência dos fatos públicos.
O
paciente sem atendimento fez saber que sentia muitas dores e muitas outras
coisas ruins no interior do corpo. Estava com o abdômen notoriamente inchado. Comia
o que lhe davam, mas com extrema dificuldade, quase não conseguia, o estômago
relutava em aceitar o alimento. Contou que todos os dias “os médicos” entravam
e saiam, passavam por ele e não lhe davam a mínima atenção, como se ele fosse
“um cachorro”.
Ora,
muitos cachorros são alvo de muito mais atenção e de caprichados tratamentos de
saúde, até. O prefeito da capital pretende até fazer um hospital público
veterinário. Não é que os bichos não mereçam, mas o homem sofrendo a omissão de
socorro próximo à entrada da emergência do Hospital Roberto Santos certamente
merece também. E esse hospital, sem dúvida, foi feito exatamente para ele,
gente, cidadão, contribuinte. Como é, então, que não o acolhem, exatamente,
aliás, em um hospital que tem (ou será que não tem mais, assaltou-me no momento
esta dúvida, criada pelos fatos narrados) um centro de tratamento de
envenenamento. Acaso o confundiram com um cachorro, para o qual a clínica não
seria ali?
É
possível que após a reportagem ser transmitida pela emissora, o paciente
rejeitado ou ejetado haja sido admitido. Mas assim não vale. Não dá, nem sequer
há tempo hábil, para fazer uma reportagem para cada doente ao qual o tratamento
é negado.
- - - - - - - - - -
- - - -
Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.