Terça, 17 de
dezembro de 2013
IVAN DE CARVALHO
Existe um enfrentamento cada vez mais
evidente entre os Poderes Legislativo e Judiciário, geralmente com este
perpetrando invasões na competência do outro, que também não pode ser
considerado inocente no confronto, pois partiu recentemente para o desacato a
decisões do órgão máximo do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal.
O mais recente episódio desse confronto
diz respeito ao julgamento de uma ação ajuizada pela OAB, muito na linha
defendida pelo PT de instituir o financiamento público exclusivo das campanhas
eleitorais. O PT bem que tentou isso com a sua proposta de plebiscito lançada
logo após as manifestações populares de junho.
O
plebiscito – assim como a proposta da presidente Dilma Rousseff de uma “Constituinte
exclusiva”, seja lá que zorra for esse troço – foi rechaçado pela sociedade,
mas a OAB já havia antes ingressado com a ação agora em julgamento no STF,
proibindo doações de pessoas jurídicas destinadas ao financiamento de campanhas
eleitorais. Isso não chega a ser exatamente o que deseja o PT, o financiamento
público exclusivo das campanhas, mas é quase. Pois as doações de pessoas
jurídicas representam, atualmente, cerca de 90 por cento do total.
Retirem-se
estes 90 por cento e pouco restará, com as doações de pessoas naturais (pessoas
físicas), o que abrirá uma larga estrada para a adoção, oficialmente, do
financiamento público exclusivo, que o PT tanto acaricia, e ilegalmente para a
ampliação brutal e incontrolável da prática do Caixa Dois, que todos ou quase
todos os partidos praticam (inclusive confessadamente o PT, que quis em
desespero trocar o golpe pecuniário, com parcelamento, contra a democracia (com
a compra do Congresso), golpe representado pelo Mensalão – exclusivamente do PT
e de seu governo – pela prática ilegal, mas disseminada, do Caixa Dois, que
“todo mundo faz”.
O
PT proclamou que o Mensalão foi Caixa Dois, embora não haja sido. Mas podemos
reconhecer as evidências: no meio do maior escândalo de corrupção da história
do Brasil, não houve só o golpe pecuniário contra a democracia, houve também algum
Caixa Dois (que, por exemplo, pagou no exterior, mediante evasão de divisas, o
caro e competente trabalho do marqueteiro Duda Mendonça).
Resta
dizer que o contribuinte brasileiro já desembolsa dinheiro para o Fundo
Partidário e que o povo deixa de receber serviços que poderiam ser prestados
pela União se não houvesse a renúncia fiscal que compensa o tempo das emissoras
de rádio e televisão com a propaganda eleitoral enganosamente chamada de
gratuita.
E
então podemos voltar à ação da OAB sob juízo do STF. Quatro votos a zero, a
favor do fim das contribuições de pessoas jurídicas. Quando os constituintes,
em 1988, fizeram a Constituição, ninguém imaginou que estariam cuidando de
proibir tais contribuições. Agora, a pedido feito pela OAB há dois anos, o STF
parece disposto a imaginar e atestar que sim (do mesmo jeito que o TSE, antes
das eleições de 2002, inventou a “verticalização das coligações” e, mais tarde,
deu uma surpreendente e inimaginada regulagem na fidelidade partidária).
E
ainda tende o STF a basear esse tardio atestado numa cláusula pétrea (sobre
igualdade, o que incluiria “igualdade” entre os candidatos). A aplicação, aí,
dessa cláusula pétrea, tem as características de um leito de Procusto. Mas a
expectativa, até ontem, era a de que o STF venha a aplicá-la. Então surgiu
razão de mudança. O Legislativo, que já se insubordinara contra decisões do
STF, recusando-se a simplesmente declarar a extinção de mandato de deputados
condenados à prisão e abrindo processos para decidir se cassaria ou não seus
mandatos (Donadon, José Genoíno, etc.), reagiu à ingerência do STF na questão
das doações de pessoas jurídicas para campanhas, sob a alegação (duvidosa, pois
o Caixa Dois já é proibido e só cresceria e não tem o menor controle, enquanto
as doações declaradas têm algum e podem ter mais) de combate à currupção.
O
presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, do PMDB, certamente vocalizando o
sentir da grande maioria do Congresso (não incluo o PT, que tem o governo, nessa
maioria), afirmou ontem que “sem dúvidas” o STF está extrapolando suas
atribuições e tomando o lugar do Congresso (o lugar de legislador) e está
discutindo com o presidente do Senado e líderes partidários uma reação do
Congresso.
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Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.