Terça, 18 de março de 2014
Do site Biscate Social Club
“Pátria amada
O que oferece a teus filhos, sofridos
Dignidade ou jazigos?”*
Pois então. Vivemos num Estado
Democrático e Social de Direito. Um Estado que garante, já no seu
primeiro artigo constitucional, incisos II e III, respectivamente, a
cidadania e a dignidade da pessoa humana. Dignidade, esse conceito
amplo, que tentamos diariamente alocar para dentro do Direito. Que
tentamos nos apropriar para agir e lutar diante das atrocidades que
vemos todos os dias estampadas em jornais, revistas, mídias sociais e
nas ruas deste país. É, esse mesmo país.
De quem é essa dignidade? Quem é essa
“pessoa humana” que tem direito à dignidade? E mais, quem tem direito à
vida? Essas perguntas ecoam diante do extermínio que assistimos,
cotidianamente, da população negra e pobre. (Sem contar o feminicídio e
as mortes de homossexuais por homofobia).
Abre parênteses = “Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”. Fecha parênteses.
Não, não somos. Não temos todos o mesmo
direito à vida e à liberdade. A essa famosa dignidade. Pelo contrário.
Esses direitos, na prática, são relativos e pertencentes a uma minoria
branca e abonada. Para a maioria sobra assistir, em mornas rebeldias, o
extermínio consentido e declarado do “resto” da sociedade.
“Vamos às atividades do dia:
Lavar os corpos, contar os corpos,
E sorrir,
A essa morna rebeldia…”*
Essa semana foi a vez da Cláudia. Mulher, negra, pobre, executada cruelmente pela polícia carioca (aqui).
Cláudia foi comprar pão, num dia como outro qualquer. E nesse trajeto
foi baleada erroneamente pela Polícia. Para se livrar do “corpo
estendido no chão”, a polícia arrastou Cláudia, ainda viva, com seu
corpo batendo fora da viatura em movimento. Como um saco, um objeto que
não serve mais, um dejeto que não merece sequer um lugar para ser
depositado.
Essa cena hedionda me fez chorar tanto.
Essa mesma cena hedionda que é cotidiana nas favelas e em tantas
comunidades periféricas. Tantas mortes protagonizadas pela Polícia que
deveria, em tese, garantir exatamente a segurança de todos nós, cidadãos
brasileiros, independente de etnia, condição social, gênero,
sexualidade ou cor da pele. É o Estado exterminando gente que não
interessa para a elite. Gente que atrapalha porque ameaça a segurança
das posses e propriedades capitalistas e higienistas. Das tradições
cristãs desse Estado machista e homofóbico.
Cláudia é mais uma mulher exterminada
pela polícia. Mais uma negra. Mais uma vítima do nosso pretenso Estado
de Direito. Mais um corpo jogado fora pelos nossos “donos do poder”, que
são os únicos nesse país que podem bater no peito e fazer valer seus
direitos de cidadania, vida, segurança e dignidade.
E andam ressaltando pelas notícias
internet afora que Cláudia era mãe de 4 filhos, casada, e cuidava de
mais 4 sobrinhos. Uma mulher de “respeito”. Uma mulher “correta”.
Preocupa-me esse argumento porque não importa se Cláudia era mãe,
auxiliar de enfermagem, prostituta, traficante, dona de loja, se tinha
ou não filhos, se dava pra todo mundo, dançava até o chão no baile funk
ou era casada. Cláudia era um ser humano que merecia respeito. Não
porque era casada ou tinha filhos. Mas porque era uma cidadã deste país,
que deveria zelar pela sua integridade e dignidade.
É, vivemos em uma sociedade que executa
seus cidadãos pobres e negros, bem como suas mulheres, sob o manto de um
Estado Democrático e Social de Direito. Já é hora de destruirmos esse
véu, de desnudarmos a realidade, e de fazermos valer esse Estado que no
papel é de todos.
Vamos ao Criolo?
*Versos da música Lion Man, do Criolo