Quarta, 4 de março de 2015
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Por Randolfe Rodrigues*
em 03/03/2015 na edição 840 do Observatório da Imprensa
O HSBC é um gigante do mercando financeiro mundial, com 254 mil funcionários em 6.200 escritórios e agências em 129 países, somando mais de 52 milhões de clientes no mundo inteiro.
No ranking
de 2014 da revista inglesa The Banker, o HSBC, com sede em Londres, aparece
como a segunda marca bancária mais valiosa do mundo, no valor de quase 27
bilhões de dólares.
Um poderio
que se manifesta também no Brasil, onde o banco assumiu as operações do antigo
Bamerindus. Com sede em Curitiba, o HSBC opera em 565 municípios brasileiros
com 933 agências, além de quase 500 postos de atendimento bancários e mais de 5
mil caixas automáticos, com uma carteira de 3 milhões de clientes individuais e
outros 320 mil como empresas.
Numa
instituição tão grande, um passo em falso se transforma em desastre.
O desastre
virou um escândalo planetário no início de fevereiro passado, quando o HSBC
virou protagonista, na definição do jornal londrino The Sunday Times, da “maior
evasão de impostos da História”. A notícia tem como fonte original um
especialista em informática do HSBC, o franco-italiano Hervé Falciani, hoje com
43 anos, que o banco havia transferido de Mônaco para sua filial suíça em
Genebra. Lá, ele descobriu o método criminoso que ele definiu assim para a revista
alemã Der Spiegel: “Bancos como o HSBC criaram um sistema para enriquecer às
expensas da sociedade, através da assistência para evasão de impostos e lavagem
de dinheiro”.
Procurado
pela polícia suíça como “ladrão de dados bancários”, Falciani fugiu para a
França em 2008 carregando uma bagagem explosiva: 600 arquivos com mais de 100
GB (gigabytes) de 60 mil documentos de 2006 e 2007 contendo os dados bancários
de 106 mil clientes abonados de 203 países, operando uma fortuna de 204 bilhões
de dólares através de 20 mil empresas off-shore ancoradas em paraísos fiscais e
numa discreta rede de conexões financeiras internacionais.
Especialistas
da Direção Nacional de Investigações Tributárias da França começaram a decifrar
os dados codificados fornecidos por Falciani, depois compartilhados com
autoridades do Reino Unido, Itália, Espanha, Bélgica e Grécia. Em 2012,
Falciani depôs ante um subcomitê de investigação do Senado dos Estados Unidos,
mais preocupado com a eventual ramificação da lavagem de dinheiro com o terrorismo.
A investigação do Congresso só não evoluiu porque, em julho de 2013, o HSBC
aceitou pagar uma multa de 1,9 bilhão de dólares para não ser levado a juízo
nos Estados Unidos pela acusação de lavar dinheiro para os cartéis
latino-americanos das drogas.
Até que os
arquivos explosivos de Falciani chegaram às mãos do mais importante jornal da
França, o Le Monde.
O Brasil no
topo
A dimensão
planetária da denúncia sobre o HSBC era tão massiva que levou o jornal Le Monde
a abrir mão da exclusividade do material de Falciani e pedir ajuda na
investigação ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos – ICIJ,
na sigla em inglês –, uma rede global de 185 profissionais de investigação
espalhados por 65 países. Concluído o trabalho, o material foi repassado pelo
ICIJ a grandes jornalistas de jornais importantes do mundo inteiro.
E o que
isso tudo tem a ver com o Brasil? Tem tudo a ver.
A denúncia
contra o HSBC mostrou o Brasil no topo da cadeia criminosa. Na lista revelada
por Falciani, estão 8.667 brasileiros que respondem por 6.606 contas que
movimentaram ou depositaram ali, entre 2006 e 2007, cerca de 7 bilhões de
dólares.
Em número
de clientes endinheirados do HSBC, o Brasil ocupa um destacado quarto lugar,
superado apenas pela Suíça (11.235 nomes), França (9.187) e quase empatado com
o Reino Unido (8,844). Em volume de dinheiro depositado, o Brasil conseguiu sua
vaga no Top Ten do ranking: é o nono colocado, acima de potências de
milionários como Arábia Saudita (11º lugar) e de notórios paraísos fiscais como
Ilhas Cayman (15º), Ilhas Virgens Britânicas (17º), Luxemburgo (24º),
Liechtenstein (27º) e Jersey (34º).
Em reais,
isso representa uma quantia equivalente a 20 bilhões de reais, exatamente o que
o governo Dilma Rousseff pretende arrecadar com o pacote de maldades que resume
o ajuste fiscal desenhado pelo ortodoxo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
O conteúdo
dos documentos do HSBC ganhou as manchetes e os espaços da grande imprensa no
mundo, sob a grife de “SwissLeaks”.
O Le Monde,
durante dois dias seguidos, dedicou vinte páginas para o assunto. O escândalo
ganhou a primeira página de jornais importantes como o Financial Times, na
Inglaterra, e o The New York Times, nos Estados Unidos. Hervé Falciani, o pivô
da denúncia, ganhou a capa da revista L’Express, o mais importante semanário
francês, como “O homem que faz tremer o planeta”.
No Brasil,
estranhamente, o “SwissLeaks” do HSBC mereceu um estridente silêncio da grande
imprensa. Apesar do volume de dinheiro envolvendo brasileiros, que rivaliza com
as falcatruas descobertas pela Operação Lava Jato, o assunto ficou pendurado em
notas modestas, quase envergonhadas, penduradas em lugares discretos da
primeira página ou escondidas nas páginas internas.
Nota seca
Apesar do
evidente interesse público de um assunto tão polêmico e bilionário, a pauta do
“SwissLeaks” vaza na imprensa brasileira pelo esforço quase solitário de blogs
e blogueiros desvinculados da grande mídia. Blogs como Megacidadania e O
Cafezinho, sites como Brasil247 e Diário do Centro do Mundo ou blogueiros como
Miguel do Rosário e Luís Nassif vasculham e revelam dados que não se vê, nem se
lê nos grandes veículos de comunicação.
Na
terça-feira (17/2), o site Jornal GGN, de Nassif, repassou uma informação de um
jornalista de Hong Kong, na China, que conseguiu descobrir os nomes e endereços
de 93 contas da lista do HSBC relacionadas a brasileiros. Uma ninharia perto
dos quase 9 mil brasileiros que fazem parte desta listagem ainda inédita.
Para
milhões de brasileiros, o Jornal Nacional, da Rede Globo, ainda é a única,
talvez a mais importante fonte de acesso às notícias do país e do mundo. No
sábado (21), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou que o
HSBC entrou em sua alça de mira. Esta decisão mereceu do JN daquela noite uma
nota seca, de apenas três frases e 59 palavras, lidas em 25 segundos pela
apresentadora do telejornal, sem qualquer imagem:
“A
Procuradoria Geral da República abriu investigação para apurar se brasileiros mandaram
dinheiro ilegalmente para a Suíça, no caso que ficou conhecido como SwissLeaks.
De acordo com a Associação Internacional de Jornalistas (sic), o banco HSBC
teria ajudado clientes a esconder bilhões de dólares entre 2006 e 2007. Entre
os investigados estão acusados da Operação Lava Jato”.
E mais não
disse, nem mostrou o Jornal Nacional.
Nesse
imenso cone de silêncio sobre questão tão grave, é ainda mais surpreendente que
uma lista tão importante seja de conhecimento de um único jornalista
brasileiro, Fernando Rodrigues, do portal UOL. Membro no Brasil do ICIJ, que
espalhou a lista pelo mundo, Rodrigues é um renomado profissional, vencedor por
quatro vezes do mais importante troféu da imprensa nacional, o Prêmio Esso – um
sobre a compra de votos para a emenda da reeleição inaugurada por Fernando
Henrique Cardoso, outro sobre a criação do banco de dados “Controle Público”,
com a declaração de bens de seis mil políticos brasileiros. O UOL é o portal de
maior conteúdo da língua portuguesa no mundo, com mais de 1.000 canais de
notícias e sete milhões de páginas com quase sete bilhões de acessos a cada
mês.
Apesar
dessas honrosas credenciais, o jornalista e o portal não revelam a íntegra da
lista com os nomes de brasileiros. Apenas 11 nomes do HSBC, todos ligados à
corrupção na Petrobras investigada pela Lava Jato, foram apontados. A política
editorial que explica esta revelação seletiva foi assim justificada pelo
exclusivo detentor da lista brasileira: “A lista completa nunca será publicada?
Não, pois seria uma invasão de privacidade indevida no caso de pessoas que
podem ter aberto contas no exterior de boa fé, respeitando a lei e pagando
impostos. O ICIJ vai publicar algum dia todas as informações? Não”, antecipa
Rodrigues, frustrando quem imaginava ver luz sobre este breu financeiro.
A história
dos anônimos
O
jornalista adianta, sem dar nomes, que há uma minoria de pessoas conhecidas –
empresários, banqueiros, artistas, esportistas, intelectuais – e garante que a
imensa maioria dos brasileiros da lista do HSBC é “desconhecida do grande
público”. Seria gente anônima, portanto.
É bom
lembrar que pessoas anônimas também fazem história. No passado recente, dois
anônimos, desconhecidos do grande público, vieram à luz para mudar o destino e
a biografia de pessoas importantes de nossa República.
O motorista
Eriberto foi crucial no desfecho das investigações que levaram ao impeachment
do presidente Fernando Collor. O caseiro Francenildo foi decisivo no caso que
culminou com a demissão do ministro da Fazenda, Antônio Palocci.
O
jornalista Fernando Rodrigues avisou na quinta-feira (12/2), sem esclarecer,
que “uma fração mínima de nomes sobre os quais há alguma suspeita foi mostrada
ao governo, de maneira reservada”. No dia seguinte, sexta, Rodrigues foi um
pouco mais claro: ele forneceu em novembro passado, sob “reserva”, uma amostra
de 342 nomes de nomes de brasileiros do HSBC ao Conselho de Atividades
Financeiras (COAF), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. O COAF respondeu
que apenas 15 daqueles nomes indicavam possível atividade criminosa, como
corrupção, tráfico de drogas e crimes fiscais.
O país
continua sem saber quem são os 15 nomes suspeitos, ou os 342 da amostra, ou os
8.667 nomes da lista brasileira integral.
Este caso
do HSBC é importante demais para ficar restrito à decisão pessoal, privativa,
seletiva, monocrática de um único jornalista, de um só blog, de apenas um
veículo poderoso da internet.
O dinheiro
sonegado e subtraído ao Brasil e aos brasileiros não pode ser envolvido pelo
segredo, pelo sigilo, pela impunidade que todos combatemos.
Em 2010, os
super-ricos brasileiros somavam cerca de US$ 520 bilhões em paraísos fiscais,
segundo um estudo feito por James Henry, ex-economista-chefe da Consultoria
McKinsey, e encomendado pela Tax Justice Network. O estudo cruzou dados do
Banco de Compensações Internacionais, do FMI, do Banco Mundial e de governos
nacionais.
A taxa de
sonegação nacional, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda
Nacional (Sinprofaz), atingiu R$ 415 bilhões em 2013, cerca de 10% do PIB
brasileiro, a soma de todas as riquezas produzidas pelos brasileiros honestos.
Nada disso
foi publicado nos nossos grandes veículos da mídia. Saiu num pequeno blog de
nome sugestivo – Limpinho & Cheirosinho – e com um slogan veemente: “A
gente resiste, insiste e não desiste”.
Quero ser
leal a este lema inspirador: não vou desistir e vou insistir na revelação
integral dos nomes desses 8 mil brasileiros, justa ou injustamente envolvidos
com a denúncia sobre a maior evasão de impostos da História.
Estou
requerendo às autoridades do meu País as informações que todos nós,
brasileiros, merecemos e ainda não recebemos.
Ao
Ministério da Fazenda, a quem está subordinada a Receita Federal, e ao
Ministério da Justiça, a quem se reporta a Polícia Federal, estou solicitando
informações sobre os nomes e as condutas ilícitas supostamente imputadas aos
brasileiros do HSBC.
Queremos
saber quais as providências e medidas tomadas no âmbito do Governo Federal para
dar ao País a satisfação que exige a opinião pública brasileira.
O dever dos
jornais
Mas, quero
ir além destes requerimentos. Na condição de Senador da República e de cidadão
brasileiro, quero fazer um apelo público aos jornalistas e aos empresários de
comunicação, para que se unam a nós em defesa da livre expressão e da absoluta
transparência num caso de repercussão internacional que, para os brasileiros,
ainda aparece nebuloso, pouco informado e nada claro.
Conclamo
aqui os jornalistas e os empresários da mídia, patrões e empregados – reunidos
em torno da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) e da ANJ (Associação
Nacional dos Jornais), da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e ABERT
(Associação Brasileira de Rádio e Televisão), que defendem juntos a livre
informação e combatem qualquer tipo de censura –, para que juntem seus esforços
e emprestem seu prestígio para quebrar este cone de silêncio que paira sobre a
lista de brasileiros passiveis de investigação nos arquivos do HSBC.
É um apelo
que estendo ao jornalista Fernando Rodrigues, ao portal UOL e ao ICIJ
(Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), na pessoa de seu
diretor-geral, Gerard Ryle, a quem estarei me dirigindo formalmente, via
internet.
É oportuno,
aqui, repetir as palavras candentes de um dos mais importantes jornalistas britânico,
Peter Oborne, o veterano comentarista-chefe de política do jornal conservador Daily
Telegraph, que se demitiu publicamente de seu posto na semana passada,
esclarecendo logo na primeira frase: “A cobertura do HSBC no Telegraph é
fraudulenta com seus leitores”. As palavras a seguir de Peter Oborne devem
servir de inspiração para todos nós, políticos e jornalistas, que acreditamos
na livre expressão e na transparência como primados de uma sociedade
democrática:
Ensina
Oborne:
“Uma
imprensa livre é essencial para uma democracia saudável. Há um propósito no
jornalismo, é não é só entreter. Não deve ceder ao poder político, grandes
corporações e homens ricos. Os jornais têm o que no final das contas é um dever
constitucional de dizer a seus leitores a verdade”.
Que assim
seja!
***
Randolfe
Rodrigues é historiador e senador pelo PSOL do Amapá
Fonte: Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br