Quinta, 2 de abril de 2015
Justiça ou vingança?
Por Raphael Tsavkko Garcia
Aqui na Europa uma boa quantidade de países - como Espanha, Alemanha,
etc - tem a maioridade penal aos 18 e em alguns casos até aos 21 usando
um instrumento particular que permite que o jovem de 18-21 anos cumpra
pena como adolescente em alguns casos (o sistema de justiça juvenil).
A questão não é ~consciência~, é capaz de ter jovem de 14 com mais
consciência que muito adulto de 40, a questão é que simplesmente NÃO
funciona jogar um adolescente na cadeia e ponto
É apenas vingança. É uma forma da sociedade se vingar e achar que resolveu um problema social apenas trancafiando adolescentes e mesmo crianças (cansei de ver gente dizendo que tem que prender até com 10 anos e etc e não foi só no Sensacionalista).
Esse é um não-debate, só faz crescer o ódio e não se resolve nada -
apenas mantem aqueles que impulsionam o ódio no poder. O Brasil vê a
cada dia mais os índices de criminalidade crescer - lembrando que 20%
dos homicídios forma causados pela PM, mas aí ninguém fala, ninguém
exige penas mais duras pra PM e etc, joga-se pra debaixo do tapete - e
no que a cadeia resolveu?
Temos a terceira população carcerária do mundo e somos um dos países
mais violentos do mundo. Será que ninguém parou pra pensar nisso? Ou é
apenas sede de vingança?
Porque o debate não é sobre o fim da violência policial? Sobre o fim do
exército em favelas? O fim do genocídio da população negra? Porque não
se discute que o filho branco e rico do Eike pode matar que nada
acontece com ele - e ele tem mais de 18 anos! -, mas querem mandar pra
cadeia um adolescente preto e pobre de 16? Quantos filhos da elite vão
presos nesse país, independentemente da idade? Quantos deputados
corruptos vão presos?
A esquerda
É lógico que parte da culpa nesse debate raso é da esquerda (de setores,
que fique claro) que se recusa a debater com a sociedade a questão. Há
uma percepção generalizada de impunidade, há de se lidar com isso. "Ah,
mas é uma percepção errada", e daí? Se existe a percepção é preciso
lidar com ela.
Muitas vezes a esquerda adota posições puristas, não dialoga, porque
dialogar seria "conversar com reaças", então estamos mal quando mais de
90% da população defende redução da maioridade penal e são todos
tratados uniformemente como reaças não dialogáveis. Nos fechamos no
nosso mundinho.
Algo que me incomoda muito é o papo que infelizmente vem crescendo no
seio da esquerda de "antipenalismo" ou "abolicionismo" em uma versão
tupiniquim assustadoramente torpe, infantil, que me lembra muito as
esquerdas dos anos 60-70 que diziam que quando a revolução chegasse
problemas como racismo, machismo e homofobia (isso quando viam problema
na homofobia) se resolveriam por mágica com o "novo homem" que iria
surgir. Entrementes, deixavam de lado todas estas lutas "menores".
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Estado Laico? Onde? |
É o que acontece hoje com o debate sobre maioridade penal e cadeias.
Um grupo de iluminados que acha que todos os problemas se resolverão
nesse futuro maravilhoso e que esquecem da realidade e do debate agora. E
se recusam a debater, aliás, caso você não concorde com seus
postulados.
E os presídios?
Temos um problema principal, na verdade dois, quando se faz uma pergunta simples: Para que existe a pena?
Se
a resposta for "para ressocializar o indivíduo além de para fazê-lo
pensar no que fez e também para garantir a segurança da sociedade e dele
próprio" então temos:
1)
O tempo em si não quer dizer nada, ou seja, o cara pode se recuperar em
1 ano, pode se recuperar em 8 anos, pode não se recuperar.
2)
mas o principal é, fazemos algo para que haja recuperação? Como são as
cadeias e Fundações Casa? É possível recuperar alguém ali, é esta a
intenção?
Sem começar por este ponto, pode botar a maioridade aos 2 anos de idade e prisão perpétua, só vai piorar.
Enfim, reduzir a maioridade não resolve absolutamente nada. Menos de 1%
dos crimes hediondos são cometidos por menores, a mídia, no entanto, os
supervaloriza. Este 1% tem que ser tratado, lógico, mas uma punição
coletiva à toda a juventude (e quase exclusivamente à pobre e negra) é a
solução? Nos sentiremos vingados?
Quando, depois de algum tempo, a redução para 16 anos não resolver o
problema, mas piorá-lo, apenas baixaremos para 14? 12? Brigou no
parquinho do jardim de infância pega 6 meses em Pedrinhas, aquela cadeia
MARAVILHOSA no Maranhão onde presos cortam as cabeças uns dos outros e
são tratados como animais?
Soluções?
É tão difícil enxergar que a solução do problema passa pela humanização
das cadeias que precisam ser entendidas não como um depósito de corpos e
de "marginais", mas sim como um espaço de ressocialização, educação e
de recuperação?
Crianças precisam de amor, compreensão, educação, inclusão, assim como
adultos. Não se trata de passar a mão na cabeça de quem comete crimes,
mas de estender nossa humanidade a eles. De puni-los (talvez "punir" não
seja um bom termo, mas é o que tem pra hoje), sem dúvida, mas não de
nos vingar ( e por "punição" não falo apenas em fechar na cadeia, mas
como um conjunto de medidas que vá além, privar a liberdade não é nem de
longe a única forma válida de agir, na verdade deveria ser a última).
"Punição" não é apenas coloca na cadeia, não é torturar, é também um
conjunto de medidas socioeducativas que garantam a dignidade e o futuro
desse menor.
A solução da criminalidade entre jovens não passa por enfiá-los em
prisões para que se graduem e pós-graduem no crime, e sim em evitar de
todas as formas possíveis que cometam o crime, os humanizando, dando
oportunidades na vida, não os submetendo a ocupações militares na porta
de suas casas e, caso cometam o crime, que tenham a possibilidade de se
arrepender, de serem educados, de serem aceitos e reinseridos na
sociedade e não serem estigmatizados e tratados como animais.
Prestem atenção à imagem que abre esta postagem. Busca-se justiça ou
apenas vingança? O filho dos dois que seguram o cartaz voltará à vida se
o menor for para uma cadeia como adulto? Não seria melhor pensar em
formas deste jovem encontrar outro caminho, se recuperar e também
permitir que outros sigam o exemplo, mas não seu caminho para o crime.
Sim, eu sei e concordo que o jovem não se vira para o crime ~porque
quer~, há muitas variáveis, mas ENTENDER isso não significa simplesmente
desprezar a necessidade de justiça - que não necessariamente é uma
pena, uma prisão, mas educação, medidas efetivamente socioeducativas e
etc.
Enfim, é preciso responder, ou ao menos dialogar com a sociedade, buscar
entender os lados - entender não significa concordar, que fique claro -
e ser capaz de impor uma agenda tendo ao menos algumas respostas e
propostas viáveis.
Nossas prisões são centros de tortura superlotados. Imaginem o que vai
acontecer se colocarmos mais e mais jovens lá. Apenas imaginem.