Quinta, 9
de julho de 2015
Akemi
Nitahara – Repórter da Agência Brasil
O Arquivo Nacional disponibilizou hoje (9) para
consulta documentos que provam que o governo dos Estados Unidos sabiam de
torturas e desaparecimentos de presos políticos no Brasil. O conjunto de dados
digitalizados foi enviado pelo governo norte-americano após a Comissão Nacional
da Verdade (CNV), que encerrou os trabalhos em dezembro, fazer o pedido via
Freedom of Information Act, a lei de acesso à informação americana. O pedido
foi reforçado pelo governo brasileiro.
Entre os documentos, há material que fala do
desaparecimento de Stuart Angel Jones, filho da falecida estilista Zuzu Angel,
e do ex-deputado Rubens Paiva, cujos corpos nunca foram localizados; de tortura
sofrida por Frei Beto e do assassinato do dirigente comunista Carlos Marighela
em São Paulo, entre outros. Trecho de um telegrama enviado em maio de 1973 pelo
Consulado Americano em São Paulo para a Secretaria de Estado em Washington
relata a prática de prisões e torturas em São Paulo:
“Interrogatórios de prisioneiros políticos muitas vezes
são acompanhados por torturas, como pau-de-ararai (em nglês, the parrot's perch),
choques elétricos, fome, etc. Um candidato do MDB para o Conselho Municipal em
São Paulo que foi preso depois das eleições municipais de novembro e mantido
por seis semanas no centro militar de interrogatório (Oban) nos disse, depois
de ser libertado, que cerca de 60 prisioneiros políticos foram mantidos no
centro enquanto ele estava lá, o que é aproximadamente a capacidade do lugar.
Muitos estavam claramente envolvidos em atividades subversivas, mas outros
pareciam ser apenas idealistas políticos que se opuseram ao regime. Todos foram
submetidos a alguma forma de tortura. Ele próprio não foi abusado, já que é um
político legítimo e homem de posses, que ele não era 'torturável'”.
O diretor-geral do Arquivo Nacional, Jaime Antunes da
Silva, explica que foram enviadas ao Brasil três remessas de documentos, cada
uma em um DVD de dados. A primeira, com 43 arquivos, chegou em junho do ano
passado pelas mãos do vice-presidente norte-americano Joseph Biden e já estava
disponível para consulta pelo site da CNV.
De acordo com Antunes, a CNV não teve tempo de analisar a
segunda remessa, recebida em dezembro e com 113 documentos, nem a terceira, que
chegou no dia 30 de junho com 538 documentos. Antunes ressalta que foi o
governo americano que selecionou e formatou os documentos reclassificados sem o
caráter sigiloso para serem enviados ao Brasil. “Trechos dos documentos que
eles acharam que não deveriam ser ainda liberados estão tarjados pelo governo
americano. Esse material chegou às nossas mãos ontem no final do dia e nós
conseguimos colocar no nosso sistema”.
O material foi liberado pelo Arquivo Nacional da forma
como foi entregue pelos americanos: em inglês e separados nos três lotes. A
partir de agora, segundo Antunes, o Arquivo Nacional vai sistematizar melhor
essas informações, fazendo tradução dos títulos e descritivos para facilitar a
pesquisa. “É importante que tenha chegado, antes tarde do que nunca, porque
todos nós sabemos que os Estados Unidos têm uma presença muito forte na América
Latina e que apoiou de perto esses movimentos, esses golpes todos aplicados em
países que experimentaram durante um determinado período de tempo a exceção de
democracia. Então todos nós induzíamos que haveria em materiais da CIA, do
departamento de estado e outros órgão de inteligência do governo americano
documentos sobre o período da ditadura militar, mas nunca se teve esse acesso
franqueado”.
Para Antunes, é fundamental que se abram todos os arquivos
referentes ao período da Ditadura Militar no Brasil. “Qualquer fonte de
informação que ponha luz em períodos tortuosos, ou de não saudosas memórias,
ajuda na recuperação de fatos para que isso tudo seja conhecido, para que nunca
mais se repita, parafraseando dom Evaristo Arns. É importante que se conheça,
para que não mais se repita. Então isso é para a comunidade de pesquisadores e
dos órgãos de defesa dos direitos humanos, exemplar. Se há outros países que
possam deter fontes de informação sobre esse período da ditadura militar no
Brasil deveriam ser generosos e compartilharem com o povo brasileiro”.
Os documentos americanos podem ser acessados pelo Sistema de
Informações do Arquivo Nacional.