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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Como o Goldman Sachs lucrou com a crise da dívida grega

Quinta, 23 de julho de 2015
O banco de investimento ganhou milhões de dólares para ajudar a esconder a verdadeira dimensão da dívida - levando-a praticamente a dobrar de tamanho. Da mesma forma, cidades e estados americanos têm sido obrigados a cortar serviços essenciais por estarem presos a operações similares.

Por Robert Reich, ex-Secretário do Trabalho dos EUA.
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Imagem de Thierry Ehrmann / FLickr
A crise da dívida grega põe em evidência uma vez mais os poderes de persuasão e predação de Wall Street – uma peça que permanece invisível na maioria dos relatos sobre a crise do outro lado do mundo.
A crise foi agravada anos atrás por uma operação do Goldman Sachs, arquitetado pelo atual diretor-executivo do banco, Lloyd Blankfein. Juntamente com a sua equipa, Blankfein ajudou a Grécia a esconder a verdadeira dimensão da sua dívida e, no processo, fê-la praticamente dobrar de tamanho. Da mesma forma como ocorreu na crise do subprime americano, e que levou à atual situação crítica de muitas cidades americanas, um empréstimo predatório de Wall Street teve um papel importante na crise grega, embora pouco reconhecido.
Em 2001, a Grécia procurava maneiras de mascarar os seus crescentes problemas financeiros. O Tratado de Maastricht exigia que todos os membros da zona do euro mostrassem melhorias nas contas públicas, mas a Grécia ia na direção oposta. Então o Goldman Sachs veio em seu socorro, oferecendo um empréstimo secreto de 2,8 mil milhões de euros, disfarçado de swap cambial não contabilizado – uma operação complicada, em que a dívida da Grécia em moeda estrangeira foi convertida em obrigações em moeda local, utilizando uma taxa de câmbio fictícia.

Como resultado, cerca de 2% da dívida da Grécia magicamente desapareceram das suas contas nacionais. Christoforos Sardelis, então chefe da Agência de Gestão da Dívida Pública da Grécia, mais tarde descreveu o acordo na Bloomberg Business como "uma história muito sexy entre dois pecadores”. Pelos serviços, o Goldman recebeu a soma colossal de 600 milhões de euros (793 milhões de dólares), de acordo com Spyros Papanicolaou, que substituiu Sardelis em 2005. Isso representou quase 12% da receita da gigantesca unidade do Goldman de trading e principal-investments em 2001 – que, aliás, bateu recorde de vendas nesse ano. A unidade era dirigida por Blankfein.
Até 2008, as normas contabilísticas da União Europeia permitiam que os membros gerissem as suas dívidas através das chamadas tarifas fora do mercado em trocas de moedas, estimuladas pelo Goldman e por outros bancos de Wall Street. No final da década de 1990, o JPMorgan permitiu que a Itália ocultasse a sua dívida trocando de moeda a uma taxa de câmbio favorável
Então, o negócio azedou. Após os ataques de 11 de setembro, o rendimento dos títulos caiu, resultando em grande perda para a Grécia por causa da fórmula usada pelo Goldman para calcular o pagamento da dívida do país com o swap. Em 2005, a Grécia já devia quase o dobro do que constara no acordo, fazendo a dívida não declarada saltar de 2,8 mil milhões para 5,1 mil milhões de euros. Em 2005, o acordo foi reestruturado e a dívida fixada em 5,1 milhões. Talvez não por acaso, Mario Draghi, hoje presidente do Banco Central Europeu e um ator importante no atual drama grego, era então o diretor da divisão internacional do Goldman.
A Grécia não foi a única a pecar. Até 2008, as normas contabilísticas da União Europeia permitiam que os membros gerissem as suas dívidas através das chamadas tarifas fora do mercado em trocas de moedas, estimuladas pelo Goldman e por outros bancos de Wall Street. No final da década de 1990, o JPMorgan permitiu que a Itália ocultasse a sua dívida trocando de moeda a uma taxa de câmbio favorável, comprometendo assim a Itália a realizar pagamentos futuros que não apareciam nas contas nacionais como obrigações futuras.
Mas era a Grécia quem estava em pior situação, e o Goldman foi o maior facilitador. Sem dúvida, o país sofre por anos de corrupção e evasão fiscal da sua elite. Mas o Goldman não foi um espectador inocente: aumentou o seu lucro, especulando ao máximo com a Grécia, assim como boa parte do mercado global. Outros bancos de Wall Street fizeram o mesmo. Quando a bolha estourou, toda aquela especulação deixou a economia mundial de joelhos.
Mesmo com a economia global a recuperar dos excessos de Wall Street, o Goldman ofereceu à Grécia outro artifício. No início de novembro de 2009, três meses antes de a crise da dívida do país se tornar notícia mundial, uma equipa do Goldman propôs um instrumento financeiro que prolongaria a dívida do sistema de saúde da Grécia por muitos anos. Desta vez, porém, a Grécia não aceitou.
Há situações análogas nos EUA, a começar pelos empréstimos predatórios feitos pelo Goldman, outros grandes bancos e empresas financeiras com que estavam aliados nos anos que antecederam o estouro da bolha. Hoje, enquanto os banqueiros gozam as férias nos Hamptons, milhões de americanos continuam a sofrer as consequências da crise financeira, quando perderam empregos, economias ou mesmo as suas casas
Como sabemos, Wall Street foi socorrida pelos contribuintes norte-americanos. Nos anos seguintes, os bancos tornaram-se novamente rentáveis e reembolsaram os seus empréstimos de resgate. As ações dos bancos dispararam. Em novembro de 2008, uma ação do Goldman era negociada a 53 dólares; hoje, vale mais de 200 dólares. Os executivos do Goldman e de outros bancos de Wall Street têm recebido enormes bónus e promoções. Só no ano passado, Blankfein, hoje diretor-executivo do Goldman, ganhou 24 milhões dólares.
Enquanto isso, o povo da Grécia luta para comprar remédios e comida.
Há situações análogas nos EUA, a começar pelos empréstimos predatórios feitos pelo Goldman, outros grandes bancos e empresas financeiras com que estavam aliados nos anos que antecederam o estouro da bolha. Hoje, enquanto os banqueiros gozam as férias nos Hamptons, milhões de americanos continuam a sofrer as consequências da crise financeira, quando perderam empregos, economias ou mesmo as suas casas.
Da mesma forma, cidades e estados americanos têm sido obrigados a cortar serviços essenciais por estarem presos a operações similares, negociadas pelos mesmos bancos de Wall Street. Muitas destas operações envolvem swaps como o realizado entre o Goldman e o governo grego. Assim como fizeram com o governo grego, o Goldman e outros bancos asseguraram aos municípios que a troca de taxa de variação cambial permitiria arranjar empréstimos mais baratos do que se negociassem com taxas fixas tradicionais – enquanto, por outro lado, minimizavam os riscos do negócio. Quando as taxas de juros desabaram e os swaps acabaram custando muito mais, o Goldman e os outros bancos recusaram-se a renegociar com os municípios, que tiveram que pagar pesadas multas para encerrar os contratos.
Há três anos, o Departamento de Água de Detroit teve de pagar ao Goldman e outros bancos multas num total de 547 milhões de dólares para encerrar swaps de taxas de juros desvantajosos. Hoje, 40% do preço das contas de água de Detroit ainda vão para o pagamento da multa. Moradores de Detroit cuja água foi cortada porque não puderam pagar não têm ideia de que os responsáveis pela situação são o Goldman e outros grandes bancos. Da mesma forma, o sistema educacional de Chicago – cujo orçamento já foi cortado até ao osso – deve pagar mais de 200 milhões de dólares em multas pelo encerramento de uma operação de Wall Street que obrigava as escolas de Chicago a pagar 36 milhões de dólares por ano em swaps de taxas de juro.
O Goldman Sachs e os outros bancos gigantes de Wall Street são extremamente hábeis para vender operações complexas, exagerando os seus lucros e minimizando os custos e riscos. É assim que abocanham taxas gigantescas. Quando um cliente tem problemas – seja este cliente um investidor americano, uma cidade dos EUA, ou a Grécia – o Goldman esquiva-se e esconde-se por trás de formalidades legais e dos interesses dos acionistas
Uma operação envolvendo swaps de taxa de juro que o Goldman negociou com Oakland, Califórnia, há mais de dez anos, acabou por custar à cidade cerca de 4 milhões de dólares por ano, mas o banco recusou-se a encerrar o acordo sem que Oakland pagasse 16 milhões de dólares pela rescisão – levando os legisladores locais a aprovar uma resolução para boicotar o Goldman. Quando, numa reunião de acionistas, Blankfein foi questionado sobre o caso, explicou que romper um contrato válido ia contra os interesses dos acionistas.
O Goldman Sachs e os outros bancos gigantes de Wall Street são extremamente hábeis para vender operações complexas, exagerando os seus lucros e minimizando os custos e riscos. É assim que abocanham taxas gigantescas. Quando um cliente tem problemas – seja este cliente um investidor americano, uma cidade dos EUA, ou a Grécia – o Goldman esquiva-se e esconde-se por trás de formalidades legais e dos interesses dos acionistas.
Os devedores que se encontram com problemas raramente são irrepreensíveis, é claro: além de gastarem muito, foram ingénuos ou estúpidos o bastante para embarcar na canoa do Goldman. A Grécia criou os seus próprios problemas, assim como muitos proprietários e municípios americanos.
Mas, em todos os casos, o Goldman Sachs sabia muito bem o que fazia. Conhecia melhor os riscos reais e os custos das operações que propunha do que aqueles que os aceitaram. "É uma questão de moralidade", disse o sócio na reunião Goldman em que se abordou a situação de Oakland. Exatamente.
Artigo de Robert B. Reich, ex-Secretário do Trabalho dos EUA no tempo de Bill Clinton, publicado no jornal The Nation. Tradução de Clarisse Meireles para CartaMaior

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